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50 anos depois, Pumas aprontam de novo na África do Sul, derrotada pela 1ª vez

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2015 é ano de Copa do Mundo de Rúgbi, o evento esportivo que só perde em prestígio no mundo para as Olimpíadas de Verão e a Copa da FIFA. E 2015 marca também os cinquenta anos em que a seleção argentina, a única americana presente no alto escalão global, tornou-se Los Pumas, após vencer a seleção B da África do Sul em pleno Ellis Park de Joanesburgo. Com um uniforme relembrando a façanha e com os veteranos daquela partida presentes no estádio, ontem foi a vez da seleção sul-africana principal enfim ser derrotada pela primeira vez pelos alvicelestes. Também fora de casa!

Nós contamos há cerca de dois meses sobre a ocasião em que os Pumas nasceram, inclusive mencionando Juan Imhoff e outros veteranos daquela excursão de 1965: clique aqui. Como deve ter ele então se sentido ao presenciar a vitória inédita se garantindo com enorme atuação do filho, José Imhoff, primeiro a conseguir três tries (a principal forma de pontuação no rúgbi) sobre os Springboks! O jogo foi em Durban, mas antes houve um retorno dos velhos Pumas ao templo Ellis Park, onde a maioria não havia pisado novamente.

O boletim oficial da União Argentina de Rúgbi foi só poesia sobre essa revisita dos veteranos naquele estádio: “não estão Marcelo Pascual [autor do try emblemático daquela partida] nem El Negro Poggi, mas Palomo Etchegaray segue passando como os deuses para Arturito [Rodríguez Jurado], que já tem netos, mas segue metendo esse hand off no gigante Ackerman, para atravessar a defesa dos Junior Springboks [apelido da seleção B da África do Sul na época] como bisturi de cirurgião. O mergulho mais famoso de todos segue tendo os músicos que melhor o executam, e, embora Marcelo [Pascual] sorria desde o céu, El Tano Neri lhe seguirá gritando: ‘dale que chegas, dale que chegas!'”

Héctor Silva, outro dos remanescentes de 1965 convertidos em torcedores de luxo, disparou de emoção sobre a nova vitória que “agora sim, posso morrer tranquilo! Incrível, incrível, veja como estou… fiquei sem voz de tanto gritar!”. O mesmo Pochola Silva que, em jantar antes do jogo, inspirou os Pumas de hoje com o discurso de que “vocês são o mais valioso que tem nosso rúgbi. Joguem com a alma e divirtam-se, porque o rúgbi está para isso. Para saber ganhar e para não cair-se na derrota, mas sobretudo para divertir-se. Se não são felizes, não poderão conseguir nada. Nós fomos e muito”.

Após a partida, Silva, mais calmo, declarou que “estou emocionado, porque ninguém imaginou que 50 anos depois alguém viria aqui e viveria o que vivemos hoje. Evidentemente, demos energia, recebemos energia, porque somos seres humanos e os seres humanos somos energia, não somos outra coisa. A energia sempre pode mais!”.

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Rodríguez Jurado, Silva e Ferreyra em êxtase no sábado; alguns Pumas originais (o careca é Imhoff pai). E a camisa usada sábado, lembrando a de 1965, com silhueta branca do felino, em fundo azul

Os temidos Springboks na realidade já haviam sido derrotados por argentinos. Foi em 1982, com os hermanos também surpreendendo fora de casa naquela ocasião, em Pretória. Mas a rigor a vitória foi da América do Sul, por mais que todos os seus jogadores fossem argentinos naquele dia. Mesmo assim, foi um feito tão grande que estampou a capa da principal revista esportiva da Argentina, a El Gráfico, ofuscando notas sobre a venda de Maradona ao futebol europeu e sobre a Guerra das Malvinas.

Aquela seleção sul-americana, apelidada de Jaguares, foi montada para burlar o boicote imposto ao esporte sul-africano em razão do apartheid sem que a ousadia respingasse na União Argentina de Rúgbi, que oficialmente não fomentou a excursão mas também não proibiu. O grande destaque naquela vez foi o Maradona do rúgbi argentino, Hugo Porta, único sul-americano eleito o melhor jogador do mundo – foi em 1985, quando ele já tinha mais de 30 anos mas protagonizou outros feitos: a primeira vitória dos Pumas sobre a França e a única não-derrota deles contra a Nova Zelândia.

O primeiro jogo oficial entre Argentina e Springboks só se deu nos tempos pós-apartheid, em 1993. Foi no estádio do Ferro Carril Oeste e quase os mandantes fizeram valer o fator casa, perdendo só de 29-26. Uma semana depois, porém, os visitantes esmagaram por 52-23, ditando a tônica dos confrontos, com largas vitórias sul-africanas na maioria das vezes. Até 2012, as exceções foram as derrotas de 37-33 no campo do River Plate em 2000 e de 26-25 em Port Elizabeth em 2003.

2012 foi o ano da admissão argentina no antigo Três Nações. Até então, haviam sido treze confrontos em 19 anos. Desde ali as duas seleções já se enfrentaram sete vezes em apenas três anos, possibilitando que as chances de uma nova vitória sobre a África do Sul chegassem perto. O tal Três Nações era desde 1996 travado anualmente entre ela, a Austrália e a Nova Zelândia, precisamente as três maiores vencedoras da Copa do Mundo (todas são bicampeões). A aceitação da entrada argentina veio após a melhor participação hermana nas Copas, o bronze em 2007.

Para se ter uma ideia do que significou o bronze, basta dizer que as quartas-de-final contra a Escócia fizeram nada menos que um Boca x River ter horário alterado para que os argentinos pudessem assistir ambas as partidas. Além disso, a anfitriã França foi derrotada duas vezes (na primeira fase e na partida pelo bronze), sendo que os Bleus haviam se mostrado capazes de eliminar a favoritíssima Nova Zelândia nas quartas. O choque de gigantes ocorreu prematuramente exatamente por causa da inesperada derrota francesa para os alvicelestes e foi a única vez em que os All Blacks ficaram de fora dos quatro primeiros.

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A única vitória argentina sobre Springboks foi pela América do Sul, em 1982, com o combinado composto só por hermanos. À direita, Hugo Porta na capa da El Gráfico

Quem parou a Argentina nas semifinais foi justo a África do Sul, posteriormente campeã. Sem dar chances, como de costume até então: 37-13. Mas a reviravolta esperada com o Rugby Championship foi ensaiada logo de cara. Em 2012, houve a primeira não-derrota, um 12-12 em Mendoza no qual os sul-africanos reconheceram que não fizeram por merecer. Em 2013, Mendoza viu um 22-17. Em 2014, Salta viu os argentinos abrirem larga vantagem mas sucumbirem com um 33-31.

Em 2014 os Pumas também conseguiram um honroso 13-6 em Pretória, enquanto nos anos anteriores foram massacrados fora de casa. Daí a grata surpresa do primeiro triunfo ter ocorrido em Durban, por 37-25. Para completar, a vitória permitiu que os argentinos pela primeira vez não ficassem em último no torneio, e sim os derrotados deste sábado.

Agora, só três oponentes têm histórico de invencibilidade perante os Pumas. Um não deve ser enfrentado tão cedo: é o Zimbábue, que entrou em franca decadência nos últimos vinte anos e não volta às Copas desde 1991. Outros são os All Blacks, cuja distância deverá diminuir com mais edições de Rugby Championship assim como a inclusão de uma franquia argentina (prevista para 2016) no torneio clubístico Super Rugby, envolvendo os mesmos três países do Três Nações – o mais perto disso foi a criação de um combinado de argentinos na Vodacom Cup, terceiro torneio em importância na própria África do Sul. O chamado Pampas XV venceu a edição 2011 contando com Imhoff e o capitão de sábado, Agustín Creevy.

Os outros ainda invictos são os British and Irish Lions, seleção das quatro nações britânicas reunida a cada quatro anos para turnês por estes três países e que futuramente também devem incluir a Argentina no itinerário – os Lions foram os primeiros adversários dela, em 1910, mas desde 1927 eles só se enfrentaram uma outra vez, em 2005: os tempos já eram outros e em plena Londres uma seleção cheia de reservas dos argentinos conseguiu um empate de 25-25 apesar da arbitragem.

A ironia é que o feito deste sábado ocorreu na mesma semana em que a Argentina perdeu pela primeira vez para o Uruguai. Mas não foi com a seleção principal. Os uruguaios, que também estarão na Copa do Mundo, comemoraram bastante mesmo assim o triunfo sobre a equipe B. Mais ou menos com o mesmo entusiasmo que os hermanos tiveram meio século atrás perante os Junior Springboks. Eis a distância para a segunda principal seleção da América do Sul na bola oval…

No próximo sábado haverá novo embate entre argentinos e sul-africanos, desta vez no estádio do Vélez.

Para saber mais detalhes da histórica excursão de 1965, confira este outro Especial. Para conferir nossas outras matérias sobre rúgbi (esporte para o qual se dedicaram muitos dos primeiros campeões argentinos de futebol, da comunidade britânica no país), clique aqui. E para um completo relato do jogo de sábado, eis uma boa matéria brasileira.

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Tweet oficial dos Springboks parabenizando Imhoff filho e a comemoração inédita dos Pumas sobre a seleção principal da África do Sul

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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