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50 anos de um príncipe: Fernando Redondo

Com a Copa das Confederações de 1992, após seu terceiro jogo pela Argentina

Em 6 de junho de 1969, ou meio século atrás, em Adrogué talvez se recordasse os 25 anos do Dia D quando nasceu Fernando Carlos Redondo Neri, uma das tantas sementes cultivadas pelo Argentinos Jrs para florescer mundo afora. Sem exagero: no século XX, quando o futebol argentino ainda seguia nivelado com o europeu, ninguém defendeu tantas vezes a seleção argentina por clubes estrangeiros como El Príncipe – 29 vezes, 22 como jogador do modesto Tenerife e sete pelo Real Madrid. E isso a despeito da relação de idas e vindas do volante pela Albiceleste, na qual ele próprio renunciou não apenas a Daniel Passarella mas também a outros dois treinadores, fazendo jus a outro apelido: El Loco. Trajetória bela e ao mesmo tempo sinuosa de um volante de pura elegância na marcação e nos passes, que merece ser lembrada nos 50 anos redondos (com o perdão do trocadilho) completados hoje.

Filho de um ex-volante do Brown, principal clube da sua Adrogué natal, Redondo emulou a posição paterna desde sempre: “é o lugar do campo onde se cruzam todos os caminhos. Me encantou jogar aí. É uma posição onde tens uma visão muito importante da tua equipe e do jogo. É uma posição que te obriga a ler o jogo: há momentos em que tens que cadenciar e outros para aprofundar e acelerar. O camisa 5 dá equilíbrio defensivo à equipe e agrega na elaboração do jogo. Me parece uma posição chave”. Começou nos infantis do 9 de Julio, outro time da cidade de Adrogué, e terminou cooptado pelo Talleres de Remedios de Escalada após ser observado em torneio no estádio desse clube. Ainda aos 11 anos, após enfrentar o Argentinos Jrs, terminou requisitado pelo Bicho, que enviou emissários à casa da promessa para convencer o pai.

O velho, ciente da qualidade das categorias de base coloradas, aprovou, ainda que Redondo reconhecesse ao La Nación meses atrás: “não era fácil, porque ir de Adrogué a La Paternal ficava muito na contramão e papai me levava e me esperava. Por isso sempre digo que grande parte da minha carreira devo a papai”. E ele pôde despertar atenções antes mesmo da estreia no time adulto do Bicho: em abril de 1985, ele sagrou-se campeão do primeiro Sul-Americano sub-17, ainda que os holofotes estivessem em outro atleta do Argentinos, Hugo Maradona. Afinal, este não apenas era irmão de Dieguito, portando inclusive a faixa de capitão, como de fato marcara dois gols na final contra o Brasil, derrotado por 3-2 após estar duas vezes à frnete. O clube do bairro de La Paternal fornecia ainda outros dois titulares daquela seleção juvenil, a dupla de zaga Gabriel Marino e Fernando Cáceres: “foi bonito, o primeiro sonho cumprido na carreira, e também o primeiro empurrão para começar a ter certa notoriedade. Para nós era tudo novo: concentrar, jogar em estádios cheios”.

Recém-lançado no Argentinos Jrs, firmado na titularidade e em produção humorística que o retratou como um “Globetrotter de La Paternal”

O “problema” é que o time adulto estava simplesmente em período áureo como nunca antes ou depois de uma instituição historicamente acostumada e satisfeita em apenas revelar talentos. Em 23 de dezembro de 1984, o Argentinos Jrs levantara seu primeiro título argentino, logo emendado com um bicampeonato no Nacional de 1985, concluído em 4 de setembro. Como se não bastasse, em paralelo o time chegava também às fases agudas da Libertadores, estreando em 26 de julho e vencendo-a em 24 de outubro – quando já havia iniciado o campeonato argentino de 1985-86. A estreia adulta de Redondo no clube deu-se exatamente no contexto de titulares poupados para a fase decisiva daquela Libertadores, onde ele não chegou a ser usado. Foi em 29 de setembro, substituindo Armando Dely Valdés aos 41 minutos do segundo tempo contra o Gimnasia LP, já pela 13ª rodada do campeonato argentino de 1985-86. Tinha pouco mais de 16 anos de idade.

Redondo também foi relacionado para a 15ª rodada (13 de outubro) e a 17ª (em 27 de outubro, três dias após a conquista continental), embora não saísse do banco. Logo os titulares dos campeões da América retomaram espaço. Aquele timaço também esteve a sete minutos de ser campeão mundial sobre a Juventus, na mais emocionante final do formato Copa Toyota, e terminou bem representado na seleção campeã da Copa de 1986: foram os atacantes Pedro Pasculli (já no Lecce) e Claudio Borghi e o volante Sergio Batista (cujo pai fora um daqueles emissários enviados à casa de Redondo, inclusive) um dos que acabavam retardando a ascensão de Redondo no time titular do Argentinos; o adolescente só foi relacionado para quatro partidas do campeonato de 1986-87, sem sair do banco; e, diferentemente de Cáceres e de Hugo Maradona, não figurou nem mesmo no banco em nenhum duelo da campanha semifinalista da Libertadores de 1986. Nas seleções juvenis, porém, seguia em alta com o técnico Carlos Pachamé. Foram dezoito partidas, embora o único Mundial fosse o da categoria sub-17 em 1985, fracassando na primeira fase, ainda no início de agosto.

Na 1ª rodada do campeonato de 1987-88, Redondo já pôde ser titular pela primeira vez. Também foi na 2ª, para logo voltar ao banco; foram ao todo 14 partidas na temporada regular e outras duas pela liguilla pre-Libertadores. Mas o talento era inegável, a ponto de em outubro de 1987 já receber uma primeira convocação à seleção principal, ainda que Carlos Bilardo nunca o colocasse em campo. Ao fim da temporada, o concorrente Batista foi vendido ao River. Redondo, ainda com 19 anos, enfim pôde tornar-se assíduo no elenco principal de La Paternal: esteve em 36 das 38 partidas da temporada 1988-89 e em apenas uma delas chegou a ser substituído; os dois jogos em que não apareceu deveram-se a suspensões automáticas por expulsões. A novidade fez-se sentir: ao fim do primeiro turno, seu clube estava em 5º lugar e a quatro pontos da liderança. Pôde terminar em 7º no embalo também dos gols de Oscar Dertycia, artilheiro do torneio e futuro colega de Redondo igualmente no Tenerife. 

Por entre as pernas de Chilavert para vencer em Assunção: o único gol de Redondo pela Argentina, nas eliminatórias à Copa 1994

Na temporada 1989-90, a campanha não foi tão boa no torneio doméstico (9º lugar), mas em paralelo o Bicho chegou às semifinais da Supercopa, após eliminar Flamengo e Cruzeiro. Sofrendo com uma safra menos generosa de bons jogadores em forma, o técnico Carlos Bilardo então ofereceu a Redondo a chance de ir à Copa do Mundo de 1990. Para espanto geral, o volante recusou o chamado, justificando que precisava focar em sua faculdade de economia. A explicação não tardou a provar-se inverídica: Redondo logo deixou a Argentina, acertando com o Tenerife após 81 partidas e um gol (em 4 de março de 1990, no 1-1 como visitante contra o Ferro Carril Oeste, pela 25ª rodada) pelo time principal do Argentinos Jrs, aproveitando-se de um dos maiores fiascos da diretoria colorada, que não se atentou para renovar o contrato daquela joia.

Sua exportação para a temporada espanhola de 1990-91 reforçou a impressão de que ele simplesmente não apreciava o estilo massante de Bilardo. El Narigón rebateria anos depois, afirmando que era Carlos Pachamé (que, ex-colega de Bilardo no Estudiantes dos anos 60, não só era técnico das seleções juvenis como também era assistente na principal) o responsável pela oportunidade dada ao volante: “há um equívoco. Observe a idade. Não me esquentei nessa vez: eu chamava os maiores e Pachamé chamava os garotos. Eu nunca falei com Redondo nem lhe pedi explicações”, declarou Bilardo em 2007 à El Gráfico. Ao La Nación em 2019, Redondo minimizou também: “não estava claro que ia jogar, era só uma pré-lista, não ia ser um aporte importante para a equipe”.

Afinal, o Tenerife era uma equipe de porte ínfimo na Espanha. Clube federalizado nos anos 50, tinha somente duas participações na elite espanhola: nas temporadas 1960-61 e na de 1989-90, na qual terminou em antepenúltimo e só não caiu ao vencer uma repescagem contra o quarto colocado da segundona (o terceiro era o time B do Athletic de Bilbao, que não poderia subir), curiosamente o Deportivo La Coruña. Para se juntar a um clube desses como dono do próprio passe, não houve maior preocupação estudantil e Redondo se mandou para as Canárias. Gradualmente, o Tenerife encorpou uma colônia argentina. Redondo foi inicialmente colega dos compatriotas Gerardo “Tata” Martino, Diego Latorre e treinado pelo sogro Jorge Solari (tio de Santiago Solari). 

No grande Tenerife de 1992-93, ofuscando a passagem sevillista de Maradona. Não eram amigos: Maradona desaprovava as declarações públicas de Redondo contra Bilardo

A partir da segunda temporada com Redondo, acompanhado de uma panelinha hermana certeira com Dertycia, Ezequiel Castillo (outro ex-Argentinos Jrs) e Juan Antonio Pizzi e agora treinado por Jorge Valdano sob assistência de Ángel Cappa, o clube começou sua melhor época. Marcada inicialmente por duas vitórias sobre o então líder Real Madrid na última rodada de dois campeonatos seguidos, permitindo que os títulos espanhóis de 1991-92 e 1992-93 terminassem com o Barcelona, essa fase incluiu a melhor campanha do Tenerife em La Liga (o quinto lugar de 1992-93, rendendo uma inédita classificação à Copa da UEFA, logo acima do Sevilla de Maradona, Simeone, Šuker e… Bilardo) e na Copa do Rei (as semifinais de 1993-94).

A justíssima e tardia estreia de Redondo na seleção principal veio enfim em 18 de junho de 1992, em 2-0 amistoso contra a Austrália. Jogaria outras três partidas pela Argentina em 1992, incluindo duas pela primeira Copa das Confederações. Seria eleito o craque da competição, em votação onde a imprensa argentina sequer participou. A revista El Gráfico, referindo-se a ele e a Simeone, aprovou: “os dois foram a confirmação mais contundente que esta Copa deixou. O volante do Tenerife impressionou a todos. Sua clareza para distribuir o jogo na metade do campo, sua capacidade para antecipar-se ao rival, sua confiança para mostrar-se sempre como receptor. Perguntaram todos os jornalistas estrangeiros: ‘de onde saiu esse garoto? Por que não havia jogado antes? Por que está no Tenerife e não no Real Madrid ou Barcelona?'”. A edição pós-título da El Gráfico destacava isso e também os seguintes pensamentos do craque, ideias que o tempo não desmentiria: 

“A seleção tem personalidade, vamos tratar de impor nosso jogo e, caso se deva meter perna forte, se meterá. Mas sempre pensando em jogar, porque é ali onde estabelecemos as diferenças, é o que as demais equipes não têm. Na Espanha vejo que os jogadores argentinos não podem renunciar a isto por nada no mundo. Eu me sinto um defensor ao extremo deste estilo. Basile interpreta plenamente esta maneira de jogar, quer que a seleção tente sempre. Isso me faz sonhar. Creio que geralmente um bom resultado é fruto de um bom jogo. Na maioria das vezes acontece assim. De antemão, nunca desisto da busca da beleza. Bilardo? O respeito, mas não me identifico com seu futebol, eu prefiro ser campeão jogando bem. Sou autêntico, sincero, nunca vou deixar da manifestar o que penso e o que quero. Tem a ver com minha filosofia de vida, minha educação. A ideia de futebol que defendo é a mesma que escolhi para minha vida. Me proponho nunca deixar de ser eu mesmo”.

Redondo tinha bola para ir às Copas de 1990 e 1998 e simplesmente as renunciou, bem como ao ciclo rumo à de 2002. Restou 1994

Foi também naquela Copa das Confederações que Redondo recebeu o apelido de El Príncipe (até então, a alcunha mais usada era de El Tigre) inventado pelo próprio Simeone, que explicou em 2004: “era como um príncipe com o cabelinho cortado, por como se movia, pelos seus gostos. Redondo sempre foi admirado porque é agradável vê-lo, talvez houvesse outros jogadores com mais importância dentro da equipe, mas menos lindos de ver. Em contraste, ele é vistoso, alto. Ou seja: o Real Madrid foi a sua cara”. Redondo até chegou a ter uma relativa ausência na seleção no início de 1993, quando Mancuso foi testado para a camisa 5, mas logo firmou-se de vez: foram treze partidas de junho a novembro, titularíssimo no último troféu da seleção principal, a Copa América de 1993. Na sequência, já nas eliminatórias, marcou o que seria seu único gol pela seleção, em 3-1 sobre o Paraguai dentro de Assunção. Um golaço: triangulou e ao receber de volta aplicou uma caneta no marcador antes de concluir um chute rasteiro cruzado pela esquerda entre as pernas de Chilavert.

Além de belíssimo, foi um lance vital: o jogo fora de casa estava em 1-1 e a seleção se virava com nove em campo, após expulsões de Gabriel Batistuta e Oscar Ruggeri. Ramón Medina Bello, que marcou os outros dois gols, na única vez que conseguiu isso pela seleção, lembraria com humor em 2007: “nesse dia, Fernando me complicou. Todos se lembram do seu gol, mas se esquecem que eu anotei os outros dois. Ficou a imagem do seu golaço”. Além de fundamental no duelo em si, o gol adiante pesaria na própria classificação, pois com o 5-0 para a Colômbia a Albiceleste só se garantiu na repescagem por ter um gol a mais de saldo em relação aos paraguaios. O volante foi um dos poucos presentes no vexame a permaneceram titulares: “o caso Redondo aceita renovar a confiança” foi a expressa absolvição que a revista El Gráfico lhe concedeu na época. 

Redondo seguiu titular absoluto na Argentina até o fim da linha na Copa do Mundo de 1994, disputando nove jogos entre março de 1994 até a eliminação em 3 de julho – uma queda dolorosa contra a expectativa gerada pelo time vistoso que orbitava Maradona. Já acertado com o Real Madrid logo antes da Copa, o volante seguiu carreira no time da capital, que buscava reagir ao tetracampeonato espanhol do Barcelona. La Liga foi reconquistada de imediato. Apesar do troféu, Redondo não foi à Copa América de 1995. Alfio Basile, técnico do vitorioso ciclo 1991-94, dera lugar a Daniel Passarella, credenciado pelo bom trabalho no River – onde já impunha cabelos aparados em seus jogadores, a exemplo do visual visto em Germán Burgos ou em Sergio Berti naqueles tempos. 

Esse jogo contra a Holanda em 1999 foi sua primeira partida pela Argentina desde a Copa de 1994. Jogou mais duas vezes, ambas naquele ano e contra o Brasil de Alex

Em entrevista dada naquele ano à El Gráfico, Passarella negou “apenas” que convocaria jogadores homossexuais, não usando o fator “capilar” para afastar Redondo. Explicou preferir um volante mais rústico como Leonardo Astrada, velho conhecido dos tempos em que o ex-zagueiro treinava o River (1990-94): “[Redondo] é levado em consideração. [Eles] são diferentes. Astrada sabe à perfeição o que pretendo porque faz cinco anos que o dirijo. Redondo eu nunca tive”. Em favor do Kaiser, o fato de ele ter usado o também cabeludo Caniggia três vezes no primeiro semestre de 1996, até o ponta tirar um ano sabático após o suicídio da mãe, em agosto daquele ano. Também a favor do técnico, o fato de Redondo ter convivido com lesões em 1996 e 1997. O treinador justificava ainda outra razão para a ausência de Redondo – uma suposta recusa deste em atuar como meia ofensivo pela esquerda. 

Em 2019, Redondo esclareceu ao La Nación que essa justificativa foi justamente o que o rompeu de vez com o treinador: “ele me chamou e nos reunimos no hotel Palace de Madrid. Me pediu que cortasse o cabelo e eu lhe disse que não faria. E me disse, me lembro bem, que como a seleção estava por cima dos homens e dos nomes, se precisasse me convocar ia revisar. Quando isso saiu na imprensa, ele declarou que na realidade o do cabelo havia sido um tema secundário, que não me havia convocado porque eu não queria jogar pela esquerda, uma mentira gigante. A partir daí, para mim, já não houve como voltar atrás. Sinceramente, não havia sentido no seu pedido e lhe disse que não concordava. Depois, já não podes trabalhar com alguém que mente publicamente como ele fez. Com o tempo, pensei que talvez fez tudo isso por compromisso, que ele preferiria outro tipo de jogador em minha posição e por isso buscou a desculpa do cabelo, sabendo que eu não ia cortar. Foi doloroso para mim, mas a qualquer preço, não. São os valores que me cultivaram meus pais”.

O apresentador Enrique Wolff, ex-capitão da seleção argentina como Passarella (na Copa de 1974) e ídolo no Real Madrid como El Príncipe, se dispusera a intermediar a relação. Em 2005, ele contou uma resposta do volante: “se me leva por minhas condições futebolísticas e depois de um dia me pede que corte o cabelo, eu corto. Agora, se me diz ‘para estar na seleção, tens que cortar o cabelo’, eu não corto”, opinando Wolff sobre a declaração que “ele me respondeu com algo muito certo, que não me permitiu discutir. Tinha razão. Lhe disse: está bem, se é assim, não me meto”. Wolff também defendeu em tempos pré-Messi que Redondo era o melhor jogador argentino pós-Maradona: “nunca perdeu sua identidade e isso o distinguiu. Foi o jogador mais argentino, quando falamos da nossa escola, de todos os que passaram pelo futebol europeu”.

Despedindo-se em alto estilo do Real Madrid: capitão e campeão da Liga dos Campeões de 1999-2000, eleito o melhor jogador do clube e da temporada europeia

Após uma temporada 1995-96 decepcionante para os merengues, a ver o vizinho Atlético de Madrid campeão dobrado na liga e na copa, o Real pôde faturar La Liga de 1996-97 mesmo concorrendo com a temporada mais fulminante da carreira de Ronaldo. Redondo era a classe e panorama em um time que sabia vencer burocraticamente, mas com mais constância do que o rival catalão. Em outubro de 1997, o volante era inclusive o mais caro jogador argentino, com multa rescisória avaliada em 90 milhões de dólares em valores da época, em meio à temporada que viu o Real enfim quebrar seu mais longo jejum na Liga dos Campeões da UEFA. À altura da final, já aparecia até com cabelos aparados. Mas o feito clubístico e a possível cessão ao capricho de Passarella não bastaram para ir à Copa de 1998.

Em seu mundial particular, Redondo bateu o Vasco em dezembro em Tóquio e dali a três meses voltava à seleção (já no ciclo de Marcelo Bielsa) após quase cinco anos ausente. Em 31 de março de 1999, teve uma reestreia das mais promissoras contra a Holanda, em um 1-1 em Amsterdã. Bielsa, porém, preferiu armar uma seleção basicamente caseira para a Copa América, sem Batistuta, Verón ou… Redondo. Em setembro, o volante então foi usado em dois amistosos contra o Brasil, com a vitória por 2-0 em Buenos Aires seguida por derrota de 4-2 em Porto Alegre pela “Taça Zero Hora”. Foram seus últimos jogos pela Argentina; em 2005, ele rechaçou qualquer acusação de falta de amor pela seleção: “isso de morrer pela camisa, embora seja em sentido figurado, para mim não existe. Eu sempre fiz o máximo esforço enquanto estive na seleção: fiquei sem férias, viajei milhares de quilômetros, sempre tentei dar o máximo. E se não podia dar o máximo, preferia não jogar”.

Ao longo da temporada, seu Real Madrid faturaria novamente a Liga dos Campeões, com a contribuição mais lembrada do argentino sendo uma senhora assistência sobre o Manchester United (detentor do título) dentro de Old Trafford: marcado perto da linha lateral por Henning Berg, virou-se de costas e o surpreendeu com um toque de letra a aplicar uma caneta no adversário. Sem desperdiçar a jogada, cruzou no limite da linha de fundo para Raúl matar o jogo: após um 0-0 no Bernabéu, os espanhóis abriam 3-0 com sete minutos de segundo tempo, forçando uma virada inglesa improvável. Ficaria no 3-2. A segunda orelhuda em três temporadas (e agora como capitão merengue), bem como a eleição de melhor jogador do Real e da Europa na temporada 1999-2000, compuseram a despedida em alto estilo de Redondo do futebol espanhol. O jornal L’Équipe suspirou após a final em Paris: “como pode fazer futebol assim de simples? Sua ciência é toda uma autoridade”.

No Milan em visita ao Bernabéu na vitoriosa Liga dos Campeões de 2002-03 e em jogos de veteranos de Real Madrid e Argentinos Jrs

A despeito da ótima fase, ele, com 31 anos, se dizia aquém das intensas exigências físicas pregadas pelo estilo bielsista e renunciou de vez à Albiceleste. O que soaria como exagero viraria realidade logo em seguida: após chegar com pompa ao Milan em meados de 2000, ainda em agosto, desacostumado com uma pré-temporada mais intensa (“não disse nada, um pouco por orgulho, mas estava morto muscularmente. Devia ter feito uma adaptação progressiva, mas isso analisei depois”), rompeu parcialmente um ligamento cruzado superior em um treinamento. Só foi operado após um mês e, vítima de erro médico, chegou a pedir para se tratar em Madrid com um médico de confiança: “precisava sair de Milanello, também, porque aí todo mundo me perguntava quando voltava, e eu já não sabia o que dizer. Se tudo isso me houvesse passado em Madrid, teria sido diferente, porque já havia dado muitas coisas à equipe, mas nesse caso não havia podido jogar nem um minuto. Era uma situação horrível, a cabeça me funcionava a mil”.

Quando voltou após três operações, enfim estreando após dois anos de Milan, desabafou à El Gráfico em 2003: “meu maldito joelho, o longa-metragem que tive como protagonista excludente nos últimos três anos, deveria exibir-se em todas as salas de recuperação, reabilitação e todas as ‘re’s possíveis para que esportistas lesionados no corpo e na alma aprendam a lição: se pode”. Mas não foi em definitivo; demorava mais para recuperar-se dos jogos, sem a mesma flexibilidade e com a concorrência do ascendente Pirlo. Enriqueceu o currículo especialmente com a Liga dos Campeões de 2002-03 (onde, em confronto com o ex-clube, foi aplaudido de pé no Bernabéu pelos antigos torcedores, recebendo placa da torcida, enciumando Florentino Pérez – impactado, diria que aquela foi sua pior partida), mas realizou míseros dezesseis jogos na Serie A e 33 no geral ao longo de quatro anos e meio até jogar a toalha (“quando pude jogar, tive um rendimento alto. Teria gostado jogar muito mais, naturalmente, mas me sinto em paz. Me retirei porque já não desfrutava da mesma maneira, porque tinha que passar três dias por semana em cima da maca para desinflamar o joelho, mas me retirei jogando”), em novembro de 2004 – conforme relato detalhado da Calciopédia.

Ele ainda foi sondado pelo clube do coração, o Independiente, bem como pelo Argentinos Jrs, mas não viu sentido em topar sem condições ideais. Em 2017, Redondo, discreto longe dos gramados mas bastante ativo em cada jogo de veteranos madridistas, foi noticiado como novo estudante do curso de técnicos do futebol espanhol. Seus filhos vêm tentando a carreira dentro das quatro linhas – Fernando Redondo Solari, nascido em 1994, foi lançado em 2016 pelo Tigre, mas após lesões similares no joelho, preferiu focar no curso de Administração. Federico, ainda no mesmo Argentinos Jrs do pai, nasceu em 2003 e já foi aproveitado por Pablo Aimar na seleção sub-15.

Redondo, Mascherano, Almeyda e Simeone: os homens que vestiram a 5 da Argentina nas Copas desde 1994

 

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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