Ele personificou como poucos elementos do futebol dos anos 80 e 90: mullets, apesar da calvície, e uniformes lisérgicos para goleiros. Nascido por acaso na colombiana Medellín, Carlos Fernando Navarro Montoya era tão argentino quanto o tango. E foi muito mais que um personagem folclórico. De carreira longeva, cumpriu bem seu papel nas mais diversas equipes argentinas – seja nos gigantes Boca e Independiente, seja nos nanicos casca grossas Chacarita e Nueva Chicago, seja em azarados como Gimnasia LP, o Vélez dos anos 80 e o próprio Boca, em termos, da virada dos 80 para os 90. A ponto de ser cogitado para ir a uma Copa do Mundo mesmo aos 40 anos.
Colombiano de nascença que quis defender a Argentina, El Mono era filho do goleiro argentino Ricardo Navarro, que por sua vez mal jogou na elite da terra natal: só um punhado de jogos pelo Argentinos Jrs em 1965, indo no ano seguinte ao Independiente Medellín – na internet, é fácil achar fontes que sustentam que Navarro Montoya seria filho de Raúl Navarro, outro goleiro, por sua vez um argentino que jogou pela Colômbia. Mas este outro Navarro só emigraria para lá nos anos 70, não havendo parentesco. Ricardo Navarro, por sua vez, trotou a América: no início dos anos 60, jogou no Uruguai por Defensor e Rampla Jrs e depois teria outro filho no exterior, o atacante Edgar, nascido no Peru (defenderia o Deportivo Español, mas seria morto por leucemia em 1990).
Crescido na Argentina, Navarro Montoya estreou profissionalmente ainda com 18 anos, no Vélez, em 1984, promovido pelo técnico Alfio Basile. Logo cavou espaço regular nos titulares. O Fortín só havia sido uma vez campeão argentino, em 1968, estando longe do patamar alcançado nos anos 90. Nem a volta de Carlos Bianchi, até então um superartilheiro, rendera novos troféus. O mais perto que La V Azulada esteve de ser campeã na década perdida foi já sem Bianchi, em 1985. E El Mono foi fundamental para manter o sonho vivo, em um regulamento muito confuso.
Resumidamente, após uma fase inicial travada em grupos, a fase mata-mata não exatamente eliminava: seus perdedores se realocavam em um mata-mata à parte, onde aí sim quem perdia ficava pelo caminho. O Vélez perdeu o último “mata-mata dos vencedores” para o Argentinos Jrs e assim enfrentou o último sobrevivente do “mata-mata dos perdedores”, o River. Ganhou-o e assim voltou a enfrentar o Argentinos. Após empate em 1-1, o Fortín levou nos pênaltis graças às defesas de Navarro Montoya nas cobranças de José Castro e Jorge Pellegrini.
Só que, por ter vencido o “mata-mata dos vencedores”, o oponente teve direito a uma segunda finalíssima. O goleiro velezano chegou a defender no tempo normal um pênalti de Jorge Olguín, mas o adversário (um timaço que adiante venceria a Libertadores e por sete minutos não ganhou também o Mundial, sobre a Juventus) ainda assim venceu por 2-1 e levou. Paralelamente, a terra natal convocava Navarro Montoya para a reta final das eliminatórias à Copa de 1986. Ele enfrentou a Venezuela e as repescagens com o Paraguai. Atribuiu a escolha à imaturidade e se arrependeria para sempre. A Colômbia não passou.
A passagem pela seleção cafetera pôs El Mono em natural evidência para o rico narcofútbol colombiano. Nos fins de 1985, foi jogar pelo Santa Fe. Voltou ao Vélez na temporada 1987-88 e logo reocupou a titularidade, a ponto de ser contratado pelo Boca na temporada seguinte – e do Vélez, para suprir sua lacuna, requisitar para o campeonato de 1989-90 ninguém menos que o mito Ubaldo Fillol.
No Boca, era outra lenda quem era titular: Hugo Gatti, por sinal velho rival de Fillol – ambos têm o recorde de pênaltis defendidos no país, eram bandeiras de clubes arquirrivais e Gatti perdera para Fillol a vaga na Copa de 1978. Em 1988, Gatti estava a uma dezena de partidas de virar o homem com mais jogos pelo Boca. Era o último remanescente dos primeiros títulos auriazuis na Libertadores, no bi de 1977-78. Nada disso bastou após falhar feio na primeira rodada, no único gol da derrota em plena Bombonera para o nanico Deportivo Armenio. Já aos 42 anos de idade e 26 de carreira, foi mandado ao banco pelo técnico José Omar Pastoriza, que apostou no reforço.
O jogo seguinte era nada menos que um Superclásico no Monumental. Navarro Montoya já havia defendido o Boca em três amistosos, mas a estreia “para valer” seria naquele cenário intimidador. Algumas boas defesas e a vitória fora de casa sobre o grande rival por 2-0 credenciaram a escolha ousada de Pastoriza. Gatti jamais voltaria a jogar profissionalmente, mesmo com El Mono chegando a levar de 6-1 em plena Bombonera algumas rodadas depois da zebraça San Martín de Tucumán. Foi uma exceção: Navarro Montoya substituía à altura o antecessor, a ponto de vir a ser o quarto jogador com mais partidas pelo Boca, com só 17 a menos que o próprio Gatti.
O Boca chegou a liderar graças a uma polêmica envolvendo seu goleiro: na última rodada do primeiro turno, visitou o então líder Racing. A partida foi suspensa após Navarro Montoya ser atingido por foguetes da torcida racinguista. Os tribunais deram os pontos aos auriazuis, que assim se igualaram na liderança e sonhavam com um título que não vinha havia oito anos. Chegaram adiante a abrir cinco pontos de vantagem, mas ficariam no vice para o Independiente. Mas haveria troco: no fim de 1989, o Boca venceu a Supercopa contra o Independiente na casa adversária.
Navarro Montoya havia levado só um gol em seis jogos na campanha e, em decisão por pênaltis, foi o herói ao defender a cobrança de Luis Fabián Artime (filho de Luis Artime, superartilheiro de River, Independiente e Palmeiras nos anos 60). Meses depois, viria mais uma taça internacional, a Recopa, disputada com o vencedor da Libertadores – por sinal, os colombianos do Atlético Nacional. Paralelamente, o River venceria o campeonato argentino de 1989-90, mas o Boca adiante venceria (sobre o Independiente, aliás) a liguilla pré-Libertadores, se classificando à edição de 1991 do principal torneio interclubes sul-americano.
O primeiro semestre de 1991 talvez tenha sido o melhor momento de Navarro Montoya. O Boca venceu o Torneio Clausura em campanha invicta, com El Mono sofrendo só seis gols em 19 jogos, e nunca mais de um por partida. Paralelamente, o time avançava na Libertadores. Os boquenses primeiro tiveram o gosto de eliminar o River na primeira fase, incluindo uma espetacular virada para 4-3 em partida perdida por 3-1, com a virada saindo de bicicleta. Foi um presentão de aniversário ao goleirão, que fez 25 anos no dia seguinte. Adiante, ele e colegas eliminaram Corinthians e Flamengo, mas pararam com muita polêmica na semifinal pelo futuro campeão Colo-Colo, em tumultuada derrota em Santiago na qual o goleiro chegou a ser mordido por cachorro da polícia.
Para piorar, vencer o Clausura ainda não era um título; o Boca teria de enfrentar o vencedor do Apertura, o Newell’s de Marcelo Bielsa. Os rubronegros venceram nos pênaltis, com Navarro Montoya nada podendo fazer: só um colega converteu. O Boca passava do décimo ano sem ser campeão nacional, seu pior jejum na Argentina. Mas se 1991 tanto prometera sem nada alcançar, as conquistas viriam em dose dupla em 1992. Primeiramente, na obscura Copa Master, competição que envolvia os vencedores da Supercopa. Depois, no título do Apertura (depois da temporada 1990-91, cada turno passara a valer um campeonato).
Na campanha que enfim desfez o jejum nacional, El Mono passou 824 minutos seguidamente invicto, até hoje um recorde no Boca e terceira maior marca na Argentina. O lado negativo é que os prêmios financeiros prometidos não foram pagos logo e o vestiário se dividiu entre halcones (“falcões”) e palomas (“pombas”). Para os halcones, o goleiro vinha sendo um capitão pouco enérgico para cobrar a diretoria. “O clima era irrespirável, vias sempre grupos de um lado e de outro. Uma vez, antes de um clássico com o River, brigava por quem tinha que ser o capitão”, relatou o zagueiro Juan Simón.
Com o ambiente conturbado, só veio mais uma taça: outro troféu internacional, a Copa Ouro, quadrangular que reunia os vencedores de 1992 na Copa Master, na Copa Conmebol, na Supercopa e na Libertadores, a única grande pendência de Navarro Montoya nos auriazuis. Foi nessa competição que Navarro Montoya enfrentou Rogério Ceni. O são-paulino já assumiu que uma de suas camisas mais famosas foi inspirada em uma igualmente célebre do Mono, até hoje exposta no Museu do Boca, nas instalações da Bombonera. Ceni também confessou à Placar em 2007 outra inspiração de Navarro Montoya: o jogo com os pés em troca de passes e lançamentos a colegas.
Depois daquela Copa Ouro, o Boca acumularia decepções ano a ano: eliminação na primeira fase da Libertadores com direito a derrota de 6-1 para o Palmeiras, vice por dois pontos para o River no Clausura e vice na Supercopa em 1994 (ano em que o goleiro, por outro lado, foi eleito o melhor jogador do futebol argentino); Apertura 1995 com o time dos reforços Maradona e Caniggia perdendo a invencibilidade e a liderança na antepenúltima rodada para adiante ficar só em 4º; e um Clausura 1996 no qual a Bombonera foi reinaugurada com os auriazuis levando de 6-0 de Gimnasia LP (com três gols do futuro ídolo Guillermo Barros Schelotto). Navarro Montoya ficou até o início da temporada 1996-97, sendo dispensado pelo técnico Carlos Bilardo.
Com 30 anos, El Mono foi jogar na Europa. Rodou por três anos na Espanha por Extremadura (recém-promovido à elite), Mérida e Tenerife. O cenário agora era brigar contra o rebaixamento, algo que ele vivenciou nos dois últimos. Nessa época, a FIFA enfim autorizou-lhe a defender a Argentina e havia quem defendesse sua convocação à Copa de 1998. Mas Daniel Passarella preferiu chamar o reserva de Chilavert no Vélez, Pablo Cavallero. Em 2001, jogou a Libertadores pelo Deportes Concepción, onde quase reencontrou o Boca: o time chileno foi eliminado nas oitavas-de-final pelo Vasco, que adiante pegaria os auriazuis.
Ainda em 2001, passou ao Chacarita. Nos funebreros, conseguiu uma 4ª colocação no Apertura 2002, o melhor campeonato do Chaca em 31 anos. Um de seus técnicos no clube de San Martín foi o mesmo José Pastoriza que indicaria a vinda do Mono ao Boca. Pastoriza repetiria isto no Independiente, no fim de 2003. O Rojo estava de volta à Libertadores e requisitou os serviços do veterano, que desempenhou-se corretamente apesar da eliminação para o São Caetano. Perderia espaço com o técnico Julio César Falcioni, que preferiu apostar no prata-de-casa Oscar Ustari.
Navarro Montoya foi cedido ao Gimnasia LP para o Apertura 1995. Eram tempos em que o Lobo ainda era o clube mais forte e La Plata. E com El Mono os triperos pareceram perto de um título que não vem desde o campeonato de 1929, o único já vencido por eles e nem sempre considerado por ter sido no período amador. O Gimnasia chegou a vencer oito partidas seguidas e abrir três pontos de vantagem, mas desperdiçou outros quatro em casa (empatando com Tiro Federal e Newell’s) e viu a taça escapar para o Boca. Foi o último momento de brilho de Montoya. Teve quem defendesse sua convocação para a Copa de 2006 – como o próprio Hugo Gatti a quem “aposentara” precocemente. Mas o mesmo Ustari foi o escolhido para a última vaga.
O vice no Apertura da temporada 2005-06 colocou o Gimnasia pela última vez na Libertadores, em 2007. “Aos 10 anos, jogava bola todo o dia com meu irmão em (bairro de) Floresta. Aos 20, já havia estreado no Vélez, então meu sonho de garoto, e aos 30 defendia o arco do Boca em meu último ano ali. Aos 40 me sinto em plenitude, muito feliz com este grupo que armou (Pedro) Troglio”, exaltava.
Mas o goleirão não ficaria para a Libertadores e entrou em declínio. Ainda em 2006, foi para o Atlético Paranaense, mal jogando no Brasil. Em 2007, não pôde impedir a queda do Nueva Chicago. Suas últimas aparições na elite foram pelo Olimpo em 2008. Passaria ainda pelo extinto Luján de Cuyo, nas divisões inferiores, pendurando as luvas pelo Tacuarembó na liga uruguaia. De forma polêmica: agrediu um dirigente pela falta de pagamento. Atualmente, vive em Madrid e é comentarista dos rádios e jornais do grupo Marca.
Parabéns, Mono!
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