Que tal ser campeão nacional vencendo um clássico contra o rebaixado rival e ainda ver esse título lhe classificar a uma vitoriosa Libertadores (e depois a um vitorioso Mundial) enquanto o vizinho sequer consegue o acesso na segundona? Ou que tal tolerar o rival ser campeão mundial para então lhe carimbar no mês seguinte a faixa com um 4-0 no primeiro clássico, a lhe presentear com outra taça nacional? O Independiente já conseguiu essas duas coisas, que ofuscam outro título assegurado em pleno Clásico de Avellaneda. Só que a conquista do Metropolitano de 1970, que anteontem completou 50 anos, não deve nada em epopeia às outras duas. Não só por haver mais emoção, com uma virada obtida a dez minutos do fim, mas por, diferentemente das outras duas festas, ter-se comemorado tudo em plena casa do Racing.
Entre 1948 e 1960, o Rojo vivenciou seu pior jejum, sem nenhum troféu oficial, enquanto a Academia levantou quatro títulos argentinos (três deles, seguidos, algo inédito no profissionalismo) e mais outro em 1961. No decorrer dos anos 60, contudo, a rivalidade se equilibraria como nunca. O Independiente ganhou a taça argentina de 1963 e dali partiu para levantar a Libertadores em 1964 e em 1965, os dois primeiros títulos do país em La Copa. O Racing reagiu ganhando o torneio argentino de 1966 no embalo de 39 jogos seguidamente invictos, outro recorde no profissionalismo, para dali vencer sua Libertadores em 1967 e, adiante, o primeiro Mundial do futebol argentino. O adversário (o Celtic), por sinal, era o clube que batera na decisão europeia exatamente o algoz (a Internazionale) do rival tanto em 1964 como em 1965 no Mundial.
A contrarreação roja foi mais rápida ainda. Um mês e meio após a conquista mundial racinguista, o Independiente sagrou-se campeão do Nacional de 1967 com um recorde ainda não superado de aproveitamento no profissionalismo. Treinado pelo brasileiro Osvaldo Brandão, os campeões se deram ao gosto de vencer os outros grandes na reta final e, sobretudo, garantir a taça naquele clássico na última rodada – não sem antes aplaudir solenemente os vizinhos pelo feito que eles haviam alcançado, em tempos mais sadios da rivalidade (e que seria retribuída pelo vizinho em 1973, vale dizer).
Naquele título de 1967, figuras do recente bicampeonato da Libertadores já haviam partido – casos da dupla de zaga (Tomás Rolán e Rubén Navarro) e dos atacantes Luis Suárez e Mario Rodríguez, bem como do treinador Manuel Giúdice. Para 1970, El Colorado Giúdice ao menos estava de volta, ainda que o time àquela altura já não contasse com rostos vencedores de 1967; esses eram os casos do lateral-direito Roberto Ferreiro, agora a serviço justamente do principal concorrente àquele título, o River; dos meias Raúl Savoy e Osvaldo Mura e, sobretudo, do superartilheiro Luis Artime, exatamente o homem que mais vezes marcou gols sobre o Racing (também pelas camisas de Atlanta e River) embora paradoxalmente nunca tenha escondido ser um torcedor de La Acadé.
Por outro lado, a partir de 1968 aportaram caras novas que não se contentariam em ficar apenas para o título de 1970. Muitos dos campeões de 50 anos atrás iriam ainda mais longe, participando ativamente do recordista tetracampeonato seguido do Rey de Copas na Libertadores entre 1972 e 1975. Uma exceção foi Idalino Monges, o primeiro substituto de Pipo Ferreiro na lateral-direita; o paraguaio deixaria a Argentina ainda naquele ano, mas suficientemente eternizado. A zaga, por sua vez, agora via o uruguaio Luis Garisto, Eduardo Commisso, Miguel Ángel Raimondo (trocado por Mura com o Atlanta, onde despontara) e Alejandro Semenewicz se revezando pelas duas ou três vagas do miolo.
Toda operária, a defesa era fechada por gente remanescente dos títulos da Libertadores: o goleirão Miguel Santoro, o maior que o clube já teve, e o uruguaio Ricardo Pavoni, xerife da lateral-esquerda. Além deles, a outra peça conhecida de muitos carnavais era o curinga Vicente de la Mata, filho do cracaço do mesmo nome que brilhara no clube dos anos 30 e 40. Vicentito sempre sofreu com as inevitáveis comparações com o pai e a isso se acresceu uma frequência indesejável de lesões, mas se dera ao gosto de até marcar gol nas finais continentais de 1965 e de chegar igualmente à seleção (os De la Mata foram o primeiro caso de pai & filho pela Albiceleste e só seriam igualados dali a 30 anos, a partir dos Verón). O título de 1970 serviu-lhe como uma retirada digna da casa familiar, bem como a do endiabrado ponta-direita Raúl Bernao, outra estrela que reluzia desde o início da década. O primeiro buscaria o pé-de-meia no México e o outro, na Colômbia.
Se o Independiente sempre foi a casa de De la Mata, o volante José Omar Pastoriza e o atacante Héctor Yazalde (ambos já presentes na taça de 1967, embora não nas Libertadores dos anos 60) tinham passado racinguista. El Pato Pastoriza defendera o rival até os primeiros meses de 1966 e até voltaria ao Cilindro como técnico em 1981. Mas sua imagem se atrelaria profundamente ao Rojo, ficando para o título da Libertadores de 1972 antes de levanta-la também como treinador, no último título do clube em La Copa, em 1984.
El Chirola Yazalde, por seu lado, saíra do Racing ainda nos juvenis. E depois da volta olímpica em 1970 ele não demoraria muito mais para deixar Avellaneda de vez: rumou ainda naquele ano à Europa para ser o único argentino antes de Messi a ser contemplado com a Chuteira de Ouro de máximo artilheiro daquele continente, brilhando no Sporting Lisboa quando os alviverdes ainda sabiam ser campeões lusitanos. Mas, depois de protagonizar aquela conquista de 1970, não precisava mesmo fazer mais nada. Se Yazalde personificou no inconsciente vermelho aquele título, objetivamente quem mais contribuiu foi o ponta Aníbal Tarabini, o artilheiro do elenco campeão. Como o colega, El Conejo também não demorou a cruzar o Atlântico, juntando-se ao Monaco, onde receberia Pastoriza a partir de 1972. Tarabini era outra peça de 1967; para o posto de Artime na dupla de ataque com Yazalde, a cara nova era a de Eduardo Maglioni.
Historicamente concentrado na Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario inclusive de modo oficial, alijando os outros rincões do país, o campeonato argentino foi convertido a partir de 1967 em um torneio chamado apropriadamente de Metropolitano – o que não diminuía seu prestígio para os puristas mesmo diante da concorrência com o nascente “Torneio Nacional”, a reunir na sequência do ano os melhores colocados do Metropolitano com os times sobreviventes de uma seletiva das ligas do interior. Para comportar os dois torneios em um mesmo ano, o Metropolitano vinha dividindo os clubes em dois grupos, com os dois melhores de cada travando semifinais e final em jogos únicos.
Calhou que só a edição de 1968 fizera justiça, com o líder geral e invicto San Lorenzo confirmando nos mata-matas suas credenciais. Tanto em 1967 como em 1969, o líder geral havia sido o… Racing, mas os campeões foram respectivamente o Estudiantes e o Chacarita, justamente quem menos havia pontuado entre os classificados de 1969. Para 1970, a AFA voltou a instituir os pontos corridos puros e simples, mas em torneio curto de um só turno (entre março e julho), muito antes de retomar essa moda a partir dos anos 90. Outra novidade é que, contrariando uma longa tradição, não haveria jogo-extra caso a liderança final terminasse compartilhada: haveria critérios imediatos de desempate pelo saldo de gols, seguido pelo de gols marcados. Nada de levar-se em consideração o confronto direto na temporada regular. Fatores que só aumentariam a sina vivida pelo vice-campeão…
O River já vivia treze anos de jejum, suficientes para já significarem ali a pior seca de sua história. Ao longo dos anos 60, o Millo acumulara decepções em arrancar de modo promissor para derrapar nas retas finais, muitas vezes em Superclásicos. Enfrentando seu maior rival em algum jogo agendado entre as três últimas rodadas, perdeu assim a liderança em 1962, 1963 e 1965. Para piorar, o campeão em 1962 e em 1965 fora o próprio Boca, com o Independiente pegando proveito em 1963. Em 1966, o time de Núñez perdeu para o Peñarol uma das Libertadores mais ganhas da história. O trauma desorientou o clube por um tempo, com quatro treinadores trabalhando sem glória até a lenda máxima Ángel Labruna assumir o cargo em 1968.
Labruna seria o treinador do fim do jejum, mas só em 1975, por mais que sua vinda tenha recolocado o clube nos páreos: em 1968, um empate com o Racing na rodada final do Nacional permitiu que ambos fossem igualados pelo Vélez – que, ainda sem nenhum título na elite, levaria a melhor no triangular final muito embora a mão de um zagueiro não fosse punida como pênalti que poderia ter dado a vitória e o título aos millonarios. Em 1969, a decepção no River foi dupla: mesmo eliminando o Boca nas semifinais do Metropolitano, levou de 4-1 na decisão com o nanico Chacarita no Metropolitano, no único troféu dos tricolores. No Nacional, uma arrancada de vitórias permitiu que o time chegasse à rodada final com chances, desde que vencesse em casa justamente o líder Boca. Mas o rival, treinado ironicamente por Alfredo Di Stéfano, soube segurar o empate e dar a volta olímpica no Monumental, algo inédito no Superclásico.
Raio similar cairia já no torneio seguinte: uma volta olímpica em clássico na casa vizinha, com a diferença de que o Racing não aspirava o título e sim apenas atrapalhar o seu rival. E, como no Nacional de 1969, o River começou pouco empolgante aquele Metropolitano, só vencendo a partir da quarta de vinte rodadas, e derrotado duas vezes entre as três primeiras – enquanto o Rojo começava com tudo: 3-0 no Rosario Central (dois de Tarabini e um de Yazalde), 5-1 no Huracán (Tarabini, Pavoni, Yazalde e dois gols de Ramón Adorno) e 3-1 fora de casa no Unión (outros dois de Adorno e um de De la Mata) colocaram o Independiente de modo sólido na liderança. Seguiu-se dois empates em 1-1, com Tarabini e Yazalde anotando, respectivamente, contra Lanús e San Lorenzo.
O clube de Avellaneda, porém, logo retomou a rotina de triunfos: 2-1 no Colón, com gols de De la Mata e Tarabini; 3-1 no Atlanta, com Bernao e Tarabini ampliado a contagem aberta com gol contra de Horacio Morales; após folgar na oitava rodada, veio em 10 de maio um 3-1 no Estudiantes tri da América no mesmo mês, com Yazalde marcando duas vezes e Maglioni, outra. Para o Independiente, a primeira metade do campeonato encerrou-se com uma primeira derrota, de 2-0 para o Chacarita na 10ª rodada. O River, por sua vez, não engrenava; sua vitória de 4-2 no Huracán pela quarta rodada ainda foi seguida de dois empates seguidos e uma folga na sétima rodada até o Millo voltar a vencer, com um 2-0 no Platense na oitava. Mas novos empates foram o que vieram na nona e na décima.
Na segunda metade, então, o time de Núñez começou com uma relativa sequência de vitórias: 1-0 no Banfied e 2-1 no Racing, ambos fora de casa, e um 4-1 no Gimnasia. Só que o Rojo não parecia dar margens: também venceu os três primeiros jogos, e de modo mais categórico – Tarabini e Yazalde anotaram duas vezes cada em um 4-0 no Quilmes do jovem goleiro Ubaldo Fillol; depois, visitou-se o Los Andes, surrado por 3-0 com dois de Maglioni e outro de Yazalde; e por fim bateu-se por 3-2 um Boca que também aspirava ao título. Logo aos 2 minutos de jogo, forçou-se um gol contra do auriazul Miguel Nicolau. Por mais que Aldo Villagra empatasse aos 5 minutos do segundo tempo, Bernao e Yazalde trataram de esfriar a reação com gols já aos 6 e aos 10. Só a quatro minutos do fim é que Rubén Suñé, de pênalti, inseriu algum suspense inútil na trama.
Na 14ª rodada, o Newell’s impôs uma segunda derrota ao líder, batido em Rosario por 2-0. Mas o River não saiu do 1-1 na visita ao Chacarita e ainda foi derrotado no Superclásico pela 15ª rodada. Além do Boca, o San Lorenzo era outro grande no retrovisor, mas o Ciclón, após vencer o Vélez na 14ª rodada, emendaria empates e só voltaria a vencer nos dois jogos finais – conseguindo um enganoso terceiro lugar a dois pontos dos líderes. Um dos empates, dentro do bairro de Boedo, foi contra o próprio Boca, servindo para pisotear as pretensões de ambos. Naquela 15ª rodada, se o River perdia o Superclásico, o Independiente tratava de amassar no estádio do Atlanta o mandante Argentinos Jrs: 3-1, com um de Maglioni e dois de Tarabini.
Na 16ª, enquanto Boca e San Lorenzo se anulavam naquele empate entre si em 2-2, o Independiente mantinha um conforto na ponta graças aos dois gols de Tarabini nos 2-1 sobre o Banfield, por mais que o River batesse por 3-1 o Lanús. Na 17ª, San Lorenzo e Boca voltaram a empatar, respectivamente contra Newell’s e Quilmes (ambos em 1-1), mas o campeonato ganhou emoção. River e Independiente fizeram um duelo direto no Monumental. Yazalde guardou o dele, mas sem evitar um duro revés de 3-1. Segundo maior artilheiro millonario, Oscar Más marcou dois e Daniel Onega (homem que mais fez gols em uma única Libertadores, naquela campanha de 1966), outro.
Na 18ª rodada, o San Lorenzo folgou enquanto o Boca correu atrás do prejuízo, em um 4-0 no Newell’s. Mesmo em La Plata, o River bateu por 2-0 o Estudiantes e a reabertura da disputa se alargou: o Vélez conseguiu vencer o Independiente dentro de Avellaneda, pelo placar mínimo. Ao fim da 19ª, então, a sensação é de que havia mesmo um campeonato. Pelo terceiro jogo seguido, o líder não venceu, igualado em 1-1 com o Gimnasia porque Tarabini converteu um pênalti. O River tampouco triunfou, também ficando no 1-1, com o Atlanta. Mas o Boca suava sangue para reverter a virada do Colón na Bombonera, com Norberto Madurga anotando dois gols nos quinze minutos finais para assegurar um 3-2.
Mas os xeneizes murcharam com a derrota de 1-0 para o Argentinos na 20ª, mesmo que o Rojo voltasse a perder em casa: em tarde inspirada de Oscar Valdez (mais tarde naturalizado pela seleção espanhola), este marcou os três gols que o Platense somou no 3-2 descontado por Adorno e Yazalde. O River, do seu lado, vencia por 3-2 o Los Andes. A gordura acumulada pelo Independiente estava em combustão: fora, enfim, alcançado na liderança, embora ainda dispusesse de um ótimo saldo de gols. Mas já se criticava a tática defasada do 4-2-4 quando todos os adversários já acresciam um home a mais no meio-campo. E o desempenho recente provocaria receios para o embate derradeiro, por mais que o Racing fosse o único grande a decepcionar naquele campeonato: a desclassificação da seleção nas eliminatórias da Copa foi respondida pela AFA com a contratação do vitorioso treinador racinguista Juan José Pizzuti e, sem ele, a Academia fazia sua pior campanha até então; terminaria em 11º.
Por outro lado, os ex-comandados de Pizzuti seguiam de Avellaneda e, além de jogarem em casa, vinham de retrospecto recente mais favorável nos clássicos: desde aquela goleada sob ressaca em 1967, foram três vitórias do Racing (incluindo um 4-1), dois empates e um só outro triunfo do Independiente até aquele 27 de julho de 1970. Em sua década de ouro, o Clásico de Avellaneda vinha marcado pelo extremo equilíbrio nos duelos diretos, embora com o Rojo sempre perseguindo a igualdade: em 1954, ele se igualara às 31 vitórias do rival. Em 1961, se igualou às 34. Em 1964, às 36. Mas durante o ciclo de Pizzuti, entre 1965-69, La Acadé acumulara relativa distância que lhe permitira ter maior número de vitórias até 1972.
Nada que assustasse tanto o vira-casaca Pastoriza, em declaração dada à El Gráfico logo após a derrota na penúltima rodada: “você me pergunta o que acontece conosco? Por que começamos a perder todo esse montão de pontos? Não sei o que posso explicar… como lhe digo? Que antes nos dava tudo certo, que agora não nos dá nem uma… que temos decaído alguns de nós? Pode ser… antes, quando tudo dava certo, todos os jogos nos pareciam fáceis… íamos ao gol e sabíamos que gritávamos gol… agora, além de não gritar nunca o gol, no menor erro marcam na gente… e então nos desesperamos e entramos a meter chutões como loucos… mas você acredita que não iremos sair campeões? Isso já é garantido, por isso nem me preocupo… vai chegar a hora e estou seguro de que vamos ganhar a partida… veja… este é o melhor trabalho do mundo (…). Sabe o que me disse um grande amigo meu? Que a única coisa que serviram essas três ou quatro porradas foi para comprovar que este é um plantel de ferro”.
Pastoriza concluiu: “o Independiente foi líder todo o torneio porque fazíamos gols direto… e agora não os encontramos embora ponhamos dois volantes, três volantes, três atacantes, quatro atacantes… mas ainda nos resta uma chance e vamos ver o que acontece”. Já o garoto Semenewicz explicava o declínio no gradual conhecimento que os adversários, cada vez mais retrancados e certeiros no contra-ataque, acumulavam de um time que só jogava ofensivamente. Giúdice, do seu lado, escalou um cauteloso 5-2-3, com Santoro, Monges, Commisso (que faz aniversário hoje, aliás), Raimondo, Garisto e Pavoni; Pastoriza e De la Mata; Maglioni, Yazalde e Tarabini.
A concentração de todos sujeitou que o reserva Adorno desfrutasse de apenas duas horas de casado, e no civil, para voltar a dividir o quarto no hotel Luz y Fuerza com seu padrinho cerimonial, Yazalde – a união familiar daquele elenco sempre foi bastante destacado desde antes daquela campanha, e a edição pós título resumiria: “ganhou o time que ao largo de todo o torneio mostrou a vocação para marcar gols, para definir de frente, com essa sinceridade de um futebol que não sabe especular… mas também ganhou tudo o que está por trás da fachada. Ganhou tudo isso que não se vê. Foi o triunfo do ‘plantel de ferro’ (…). Ganhou a amizade. Ganhou o afeto”.
Aquele clássico deveria ter ocorrido na verdade em 24 de julho. Mas uma chuva torrencial na zona de Avellaneda obrigou o adiamento do dérbi. Mas dali até Núñez a distância era significativa e o River jogou normalmente, surrando o Unión por 6-0, cozinhando as gorduras finais do saldo de gols rojo. Por 72 horas, o Millo dormiu líder, aguardando o desfecho da concorrência com certo conforto: além de não poder empatar, o Independiente precisaria vencer por dois gols de diferença para se recolocar à frente no saldo. Poderia até vencer por um gol, desde que com uma vitória construída com no mínimo três gols – nesse caso, haveria igualdade de saldo (22 para cada líder), mas no cenário de um 3-2 o Independiente somaria um golzinho a mais na quantidade de tentos marcados, 43 contra 42.
O isolamento de Núñez do resto dos estádios portenhos fez com que só o River jogasse mesmo no dia 24. No dia 26, houve mais um jogo, em Santa Fe (Colón 3-1 Estudiantes) e o restante da rodada, concentrada basicamente na Grande Buenos Aires, ficou para o dia 27. O Racing, claro, Abriu o placar o time escalado por Juan Urriolabeitía (ele próprio ex-jogador de relativo destaque no River) com Agustín Cejas, Enrique Wolff, Roberto Perfumo, Rubén Díaz e Roberto Aguirre; Juan Rocchia, Osvaldo Lamelza e Carlos Squeo; Juan Carlos Cárdenas, Jorge Benítez e Jorge Domínguez. Mais ordenados no início, os donos da casa assinalaram o 1-0 com oito minutos: a falta de defensivismo daquele Independiente ficou escancarada com El Chino Benítez percorrendo 40 metros sem encontrar a resistência necessária até arrematar. Mas logo aos 22 veio o empate, onde a grande figura foi o rigor do árbitro Humberto Dellacasa.
O pênalti assinalado foi claro, mas o protagonismo do juiz se deu pelas duas repetições ante as adiantadas de Cejas, que pegou no seu canto direito as duas cobranças desferidas inicialmente por Tarabini. Incrivelmente, foi na segunda delas que o futuro santista queimou a largada mais visivelmente. Fazendo cumprir a regra, Dellacasa ordenou uma terceira cobrança. O xerife Pavoni destacaria aquele momento ao La Nación, já em 2018, comparando a outra famosa definição de campeonato, ocorrida em 1962 entre o goleiro boquense Antonio Roma e o brasileiro Delém em pleno Superclásico: “nas fotos da El Gráfico se nota que Cejas se havia adiantado nos dois pênaltis que pegou. Foi igual ao do Roma contra Delém, só que nós tivemos a sorte de que o árbitro fosse Dellacasa, que tinha personalidade e os fazia chutar de novo”. Na terceira vez, Cejas voou no mesmo canto, mas Tarabini resolveu troca-lo e dessa vez acertou.
A El Gráfico aplaudiu: “se em muitos casos de que falamos isso [a repetição de cobranças] não acontece, essa concessão corre por exclusiva conta daqueles árbitros que ‘não se atrevem’ em aplicar com toda fidelidade as disposições que estão obrigados a respeitar. A grande importância que essa ‘insólita’ decisão do senhor Dellacasa trouxe é que graças a ela o Independiente pôde seguir vivendo”. Mas o alívio visitante durou pouco: torcedor racinguista desde pequenino, o xerife Perfumo soltou uma bomba para festejar efusivamente com o anel inferior o 2-1 dez minutos depois. Só que a contrarreação roja foi ainda mais rápida: a canhota Maglioni acertou um lindo sem-pulo em bola rifada de cabeça por Pastoriza para a ponta esquerda. Ele soube achar espaço entre Cejas e a trave para marcar um golaço, aos 37 minutos da primeira etapa.
Bastava, enfim, vencer por um gol. Mas ao longo do segundo tempo o Rojo pareceu desorientado na maior parte. A vontade de vencer era visível, mas o nervosismo também, por mais que Pastoriza avançasse para reforçar ataque e que De la Mata se desdobrasse exemplarmente para cobrir-lhe o buraco no meio. Aos 26, cada time ficou com um a menos, com Squeo e Pavoni expulsos. Os dois técnicos reagiram simultaneamente: no minuto seguinte, Urriolabeitía reforçou a defesa racinguista com Juan Carlos García Sangenis entrando no lugar do atacante Chango Cárdenas.
Giúdice, ironicamente antigo membro do timaço millonario dos anos 40 apelidado de La Máquina, fez duas trocas: seis por meia dúzia, no caso do Perico Raimondo pelo Polaco Semenewicz, mas também aumentou os homens no ataque com a entrada do atacante Dante Mírcoli no lugar do zagueiro Garisto. A espera do campeão tardou até os 36 minutos. Foi quando Pastoriza enxergou um espaço entre Rocchia e Díaz para habilitar Yazalde, que escapa da marcação de Perfumo para dominar com o peito e, sem deixar a bola pingar no chão, emendar de esquerda para as redes de Cejas. Um gol “a la Pelé” na definição da El Gráfico, em referência ao gol que o Rei conseguiu fazer na Tchecoslováquia no mês anterior, no Mundial do México, para quem vinha da favela de Villa Fiorito tal qual um anônimo de ainda dez anos incompletos de idade de sobrenome Maradona.
Labruna encerraria o jejum riverplatense em 1975 para abrir uma metade final vitoriosíssima de década para a Banda Roja, mas não ficaria seguidamente até lá; aquela nova desventura encerrou-lhe um ciclo inicial de treinador no River, que trouxe da própria Copa de 1970 seu sucessor, o brasileiro Didi. O Independiente, por sua vez, se revestia de casca grossa e de nunca dar nada como perdido para os anos seguintes. Foi assim que, surpreendentemente, venceria o Metropolitano de 1971 também – se classificando à Libertadores de 1972, abrindo uma sequência que pôde durar ainda em 1975 muito por conta de outra reviravolta que exigiu três gols. e um deles foi até olímpico, para o desespero do Cruzeiro. Histórias que contamos no mês passado, nesse outro Especial.
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