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50 anos de Óscar Córdoba, o paredão do Boca campeão de tudo

Partindo para o abraço em seu último título no Boca, a Libertadores de 2001

A janela de reforços do Boca para o segundo semestre de 1997 dificilmente terá tanta repercussão em variedade de nomes chamativos. Para começar, a dupla Maradona e Caniggia regressava após um ano sabático – Diego fora tratar-se contra drogas e voltou ainda a tempo de figurar em um jogo do Clausura, e Cani fora se arejar do suicídio da mãe. Veio ainda gente que marcou a Copa América recém-finalizada: o mexicano Luis Hernández e o peruano Nolberto Solano, cuja seleção eliminara a Argentina. Mas quem se eternizariam seriam outros reforços: Walter Samuel vinha do Newell’s, Martín Palermo (Estudiantes) e os gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto (Gimnasia) saíam de La Plata enquanto da Colômbia aterrissavam Jorge Bermúdez e o goleiro Oscar Eduardo Córdoba Arce. Em uma tacada, estava ali meio time-base que alçaria o cabaré xeneize a glórias bem além das fronteiras, ascensão que deve muito às luvas de Córdoba, que ontem fez 50 anos.

Nascido em Cali, Córdoba e o próprio compatriota Bermúdez já se conheciam desde os tempos da escola de futebol Carlos Sarmiento Lora, integrando ambos a seleção colombiana que disputou o Sul-Americano sub-20 de 1988 – onde o goleiro só figurou em uma partida. Naquele ano, foi então profissionalizado pelo Deportivo Cali. Até chegar ao Boca, o goleiro, então, pulou de clube em clube: disputou alguns amistosos pelo Atlético Nacional enquanto o titularíssimo René Higuita se ocupava com a seleção principal. Embora já titular da seleção sub-20 no Mundial da categoria realizado em 1989, ainda foi emprestado em 1990 ao Quindío antes de 1991 ser vendido ao Millonarios, que sentia a lacuna da saída do argentino Sergio Goycochea. Em 1993, começou o ano no Once Caldas, enfim estreando em 31 de março pela seleção adulta da Colômbia, em 4-1 amistoso sobre a Costa Rica; Higuita estava preso por ligações com o narcotráfico.

Titular na campanha semifinalista dos cafeteros na Copa América, não impediu a queda para a campeã Argentina, justamente nos pênaltis. O desempenho rendeu ao goleiro uma volta a Cali, agora para jogar no América, fomentado pelo principal cartel operante em uma época de caça desenfreada a Pablo Escobar – líder dos narcos rivais de Medellín. “Em minha carreira, percorri vários clubes. E o máximo que permaneci em uma instituição foram quatro anos”, reconheceria já em 2001 o goleiro, que não tardou a obter ainda em 1993 um troco contra os hermanos: nas eliminatórias, a Albiceleste sofreria um escatológico 5-0 para Córdoba e colegas – em Buenos Aires. Ainda que o placar não transmita exatamente o que foi o jogo, longe de ser uma surra visitante em todos os 90 minutos.

Os colombianos tiveram simplesmente um dia mágico de eficiência em suas poucas chegadas ao gol (a título de exemplo, foram seis chutes a gol no segundo tempo, com quatro acertos), pois Córdoba seria o personagem do jogo se o placar fosse menos dilatado. Quando essa partida completou vinte anos, em 2013, listamos algumas das intervenções do goleirão: ainda antes do primeiro gol, sua presença de área fez com que Batistuta se atrapalhasse no domínio de bola na chance mais clara dos argentinos até então; pouco depois do 1-0, Batigol foi lançado, mas Córdoba chegou antes do matador na bola. Ele também salvou uma tentativa de José Luis Saldaña, em jogada cuja sequência gerou o contra-ataque que assinalou o 2-0 logo no início do segundo tempo. Vieram então os minutos de bombardeios mais frenéticos dos hermanos: lançado por Redondo, Batistuta fuzilou Córdoba pela ponta-direita, mas o goleiro soube salvar para escanteio, em cuja cobrança a bola chegou a Bati – que, concluindo à queima-roupa de Córdoba, viu o goleiro novamente se agigantar.

O histórico trio colombiano do Boca: Bermúdez, Córdoba e Serna. À direita, souvenires da Libertadores de 2000 no museu boquense: medalha, ingresso, postal do Morumbi… e as luvas do colombiano

Pouco depois, Córdoba defendeu tentativa de Medina Bello e se saiu bem ao interceptar cruzamento de Claudio García para um Ruggeri sem marcação. O arqueiro ainda precisaria espalmar para outro escanteio um  chute pela ponta-direita de um fominha Medina Bello; e, pouco após a cobrança, Borelli colocou Batistuta livre na cara do goleiro, que saiu a tempo. Pouco depois, García, acossado por dois, serviu a Altamirano cruzar para Ruggeri, que perdeu de frente para Córdoba ao cabecear e, em rebote, chutar fraco. Córdoba ainda se anteciparia bem em lançamento de García para um Acosta livre antes de os colegas enfim conseguirem o 3-0 aos 27 minutos, abrindo de vez a torneira. Se houvesse um sexto gol, a Argentina, terrivelmente prejudicada no saldo de gols, teria sido eliminada ali. Mas pôde prevalecer nos critérios de desempate contra o Paraguai e rumou à repescagem contra a Austrália. A envolvente Colômbia então chegou aos EUA com pinta de favorita ao título.

Córdoba, pessoalmente, sofrera apenas um revés pela seleção em uma sequência de vinte jogos entre a disputa do terceiro lugar na Copa América de 1993 e o último amistoso pré-Copa. Mas não pôde contra a genialidade maradoniana de Hagi na estreia contra a Romênia, posteriormente algoz dos próprios colegas do Maradona original. Tampouco contra o nervosismo que tomou conta de todo o time no jogo seguinte, contra os anfitriões, sendo pego no contrapé no lance literalmente fatal do gol contra do “outro” Escobar, o zagueiro Andrés. O goleiro ainda defendeu a Colômbia nos Pan-Americanos de Mar del Plata em 1995, chegando ao bronze. Mas a saída de Higuita na prisão e a consagração deste na campanha finalista do Atlético Nacional na Libertadores (com direito a gol de falta e defesa de pênaltis para eliminar o River nas semifinais) e o posterior protagonismo de Faryd Mondragón no Independiente campeão acidentado da Supercopa ao fim do ano tiraram Córdoba da titularidade cafetera, em ausência que chegaria a dois anos.

Nesse ínterim, ele não vinha conseguindo títulos com o América, em tempos onde era o cartel de Cali quem começava a sentir o cerco se fechando. Já nesse contexto, porém, chegou com o time à final da Libertadores em 1996, eliminando nas semifinais o Grêmio, então detentor da taça. Trivice seguido em La Copa no embalo de uma colônia argentina nos anos 80, o clube parecia espantar a pecha azarenta ao bater o River em casa no jogo de ida. Mas o placar mínimo do triunfo foi revertido com derrota de 2-0 em Núñez, com uma saída desastrada de Córdoba pesando decisivamente no lance do segundo gol. O título colombiano da temporada 1996-97 foi um alento que fez Córdoba voltar à seleção, embora não a tempo de ir à Copa América; reapareceu em 20 de julho de 1997, em duelo contra o Equador pelas eliminatórias. Com uma pressão de resolver uma situação de quatro jogos seguidos sem triunfos da seleção.

Ainda em evidência na Argentina, o goleiro foi sondado inicialmente pelo River. Mas o Boca, órfão de outro nativo da Colômbia – Carlos Navarro Montoya – e ainda desconfiado com Roberto Abbondanzieri e sem acertar com Chilavert, fechou com o goleiro cafetero, a estrear em 27 de agosto de 1997 em 1-1 com o Independiente de Mondragón pela Supercopa. Abbondanzieri precisou ser paciente: o colombiano, que chegou a La Boca junto com Sergio Bermúdez (seu colega desde os tempos de seleções juvenis e também no América vice continental em 1996; o xerife veio mesmo a tiracolo, explicando em 2010 que o técnico boquense Héctor Veira “estava falando com Córdoba para trazê-lo e queria um zagueiro colombiano para que houvesse entendimento com o goleiro”) logo tomou a posição. Córdoba e Bermúdez, inclusive, foram os xeneizes melhor avaliados na partida que marcou a despedida de Maradona naquele segundo semestre de 1997: nada menos que um Superclásico ganho de virada dentro do Monumental.

Bermúdez, Serna e Córdoba juntos novamente, agora celebrando no Morumbi vazio a Libertadores de 2000. O goleiro voltaria a superar duelo com Marcos em 2001

Cansado de sucessivas lesões musculares, Dieguito sentiu a gota d´água dias depois do triunfo, diante de fake News sobre a morte de seu pai. Mesmo desfalcados do astro a partir da metade do torneio, os auriazuis fizeram uma das melhores campanhas da história dos torneios curtos: seus 44 pontos só foram superados seis vezes no formato, mas uma delas foi justamente ali. Embora derrotado no duelo direto, o rival somou um ponto a mais e foi campeão. Córdoba, do seu lado, jogou mais duas partidas das eliminatórias, incluindo o 1-1 contra a Argentina em Buenos Aires – em jogo mandado em La Bombonera, diante das memórias ainda vívidas daqueles 5-0.  O goleiro ainda foi titular em três amistosos pré-Copa, mas na França apenas Mondragón foi utilizado: o Boca esteve um tanto à deriva no primeiro semestre de 1998 (contexto em que o meia-atacante Diego Latorre, em tom de crítica, diria que o clube estava um “cabaré”, daí o emprego do termo em nossa introdução), embora se reforçasse em janeiro com um terceiro colombiano, o volantão Mauricio Serna. Mas o trio se recuperaria logo da ressaca da queda na primeira fase na França.

Desde 1976, o Boca só havia ganho duas vezes o campeonato argentino, em 1981 e em 1992 (esses onze anos foram inclusive o pior jejum doméstico do clube). Essa conta foi igualada em uma única temporada, a de 1998-99, com as conquistas seguidas do Apertura e do Clausura vindo em embalo de 40 jogos de invencibilidade – um recorde no profissionalismo argentino, desbancando os 39 do Racing campeão de tudo entre 1966 e 1967. Inicialmente criticado, pois tomou seis gols ao longo das três primeiras rodadas do Apertura, Córdoba recuperou-se com direito a um pênalti defendido contra Gallardo para impor o 0-0 em Superclásico no Monumental. Ao fim do Apertura, seria justamente ele o goleiro da defesa menos vazada no certame, com 18 gols em 19 jogos, e o Boca pôde inclusive ser pela primeira vez campeão argentino invicto. Córdoba retomou o posto em sua seleção nesse embalo, o que incluiu um 3-3 com a Alemanha em Miami em fevereiro de 1999, mas uma inoportuna lesão tirou-o de campo entre 28 de março e 2 de junho.

Embora se recuperasse a tempo de disputar os jogos finais do vitorioso Clausura, acabou de fora da Copa América. O bi do Boca esteve perto de virar um inédito tri no Apertura 1999, mas o River soube terminar dois pontos à frente. O que o Millo não soube foi matar o duelo direto nas quartas-de-final da Libertadores 2000. O rival, que venceria em paralelo o Clausura, ganhou de 1-0 em casa no jogo de ida e teve boas chances na Bombonera evitadas pelo colombiano – em especial, dois mano-a-mano, um contra o compatriota Juan Pablo Ángel ainda no primeiro tempo e outro diante de uma bomba de Víctor Zapata pouco após os xeneizes devolverem provisoriamente o 1-0. O placar se dilataria enganosamente nos seis minutos finais, quando os donos da casa puderam tranquilizar-se com um 3-0 que consagrou em especial um Martín Palermo de muletas; o ídolo voltava de seis meses de lesão no joelho, entrou no finzinho e teve tempo de anotar o terceiro. Mas, para a El Gráfico, o melhor em campo foi Córdoba, avaliado com nota 8.

Se os pênaltis puderam ser evitados naquele Superclásico histórico, terminaram necessários na decisão contra o Palmeiras, que já se julgava favorito após sair da Bombonera com um 2-2 onde esteve duas vezes atrás do placar. Mas os alviverdes não souberam cumprir a missão em São Paulo diante de um Boca inflamado: “quando li que Scolari declarou que já se sentiam campeões, pensei: ‘tem que usar isso, não se pode desperdiçar’, então fui e fiz 50 fotocópias”, declarou um especialista em Morumbi, o técnico Bianchi (“já havia feito isso com o Vélez, porque Telê Santana havia dito algo parecido”). O 0-0 permitiu que dessa vez Córdoba fosse o protagonista maior e não os colegas de linha, mesmo concorrendo com Marcos. O colombiano pegou seguidamente os chutes do compatriota Asprilla na direita e de Roque Júnior na esquerda, na segunda e terceira cobranças brasileiras. Bastou aos xeneizes acertar a quarta tentativa, por meio do também cafetero Bermúdez, que um jejum de 22 anos se encerrou para o manto azul y oro em La Copa.

Guillermo Barros Schelotto, com camisa trocada do Real Madrid, ergue o Mundial de 2000, entre Serna e Córdoba

No segundo semestre, veio então uma inédita tríplice coroa ao clube, com a conquista da Libertadores se emendando com a do Mundial (com Córdoba sobressaindo-se em bombardeio do Real Madrid por quase todo o jogo, onde os três gols do placar saíram ainda nos primeiros 11 minutos) e, dias depois, com a do Apertura. Agora não havia dúvidas na seleção: Córdoba atuou em paralelo nove vezes pela Colômbia no ano. Titularidade que se reforçou em 2001: o Boca foi bi da Libertadores devendo muito a seu goleiro, em nova decisão por pênaltis na finalíssima e também nas semifinais – em reencontro com o Palmeiras, o colombiano pagou os tiros de Alex e Basílio ao passo que na decisão frente à Cruz Azul, impediu que a surpreendente vitória mexicana na Bombonera não fosse mais dilatada para então salvar o de Pablo Galdames e ver José Alberto Hernández e Julio César Pinheiro em seguida também desperdiçarem. Na sequência, a Colômbia sediou a Copa América que consagrou definitivamente o goleirão, enfim presente na competição.

Ainda que a edição recebesse uma equipe B do Brasil e não contasse com a participação da Argentina, temerosa com as FARC, os anfitriões levantaram seu único título em alto estilo: aquela ainda é a única seleção campeã sem sofrer nenhum gol. Os 540 minutos sem ser vazado ainda são um recorde exclusivo de Córdoba no torneio, embora ele não servisse para embalar uma nova classificação à Copa do Mundo. O goleiro também não evitou a perda do Mundial para o Bayern Munique no fim da prorrogação – Bianchi reconheceria a ironia de que aquela foi a melhor exibição que seus comandados tiveram em comparação com os Mundiais de 2000 e de 2003, embora só fossem derrotados justamente naquela. Após o dramático revés diante dos alemães, Córdoba só atuou mais três vezes no futebol argentino, na reta final do Apertura 2001. Com quase 32 anos, não recusou o chamado europeu do Perugia.

Depois de um semestre no calcio, construiria cinco anos de futebol turco, consagrando-se de cara na temporada 2002-03, que permitiu a seu Beşiktaş ser campeão em ano de centenário. Tudo ainda acompanhado pelos argentinos: em outubro de 2002, Goycochea, indagado sobre o melhor goleiro do mundo àquela altura, respondeu que “Oscar Córdoba é muito completo, igual a Oliver Kahn”. Foi também em 2003 que Córdoba despediu-se da seleção, justamente em um 1-1 com a Argentina no fim do ano, após ter sido titular pelos finalistas da Copa das Confederações. Era visto como uma “debilidade de Bianchi”, no sentido de que o desejo por seu retorno não era escondido pelo treinador enquanto Abbondanzieri não terminava de convencer – El Pato, vale lembrar, só teve a forra de estrear pela Argentina já em 2004, após ganhar tudo naquele 2003. O colombiano então permaneceu nos alvinegros de Istambul até 2006, despedindo-se como campeão da copa nacional.

Córdoba ainda jogou por mais três anos, com uma temporada cada por Ankaraspor (ainda na Turquia), Deportivo Cali e Millonarios, já de volta à Colômbia. Embora tenha defendido diversos clubes em seu país, sua única conquista na terra natal foi mesmo a liga de 1996-97, bem diferente do que logrou na Argentina – onde “chegou como um desconhecido e saiu como uma lenda”, na frase que conclui seu perfil na seção do livro oficial do centenário boquense dedicada aos cem maiores ídolos auriazuis. “Sóbrio, veloz, seguro”, “voador “e de “bom jogo com os pés” foram descrições dadas pela edição especial da El Gráfico que, em 2010, similarmente escolheu os cem maiores ídolos xeneizes. No Brasil, Carlitos Tévez o elegeu para seu time dos sonhos, ao ser indagado pela Placar. E nós colocamos Córdoba para o time dos sonhos do Boca para os 110 anos do clube, em 2015.

Voando para pegar o pênalti de Galdames na final da Libertadores de 2001. A Cruz Azul não conseguiu acertar mais nenhum depois

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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