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50 anos de Caniggia, o Pássaro do Povo

Um dos mais queridos ídolos do futebol argentino hoje chega ao meio século. Trata-se de Claudio Paul Caniggia, um dos jogadores mais carismáticos e populares a ter envergado a camisa alviceleste, onde foi mais indiscutível do que nos dois maiores clubes argentinos, em ambos os quais também atuou. Vale atualizar esta nota publicada há quase cinco anos sobre El Pájaro.

Natural de Henderson, cidadezinha rural do centro-oeste da província de Buenos Aires, não era exatamente feliz em casa: “a mãe, que Deus a tenha na glória, me dizia que era incrível, porque comigo era um cara extrovertido, brincalhão”, relatou Pedro Troglio, colega da Copa 1990 que o conhece desde os 12 anos, dos juvenis do River – onde surgiu ao futebol, levado por um certo Sr. Jaimerena que participava da torcida organizada do River em Henderson. Com medalhas em competições locais de atletismo entre 100 e 1500 metros, estreou no time principal em 15 de dezembro de 1985, em um 3-0 no Unión, justamente no período que culminaria no ano mais mágico da instituição: em 1986, ela foi campeã argentina depois de cinco anos (por aquela temporada de 1985-86), e, pela primeira vez, da Libertadores e da Intercontinental. Objetivamente, foi como um Santos de Pelé, como explicamos aqui.

Embora torcesse pelo Boca, Cani declararia sobre o rebaixamento de 2011 que “no River cresci, amadureci e não gostei do descenso. Foi triste”. Amadurecimento advindo do choque de viver sozinho (depois, com um irmão) na “cidade grande” não ser amenizado com o longo tempo de reserva mesmo nos juvenis, até o técnico daquele River de 1985-87, Héctor Veira, lhe dar espaço nos treinos do time principal. Veira comentou em 2013 como lançou o jovem: “um dia, falando com Pedernera, que era o coordenador de juvenis do River, comentei que precisava de um garoto para substituir Amuchástegui. Me disse: ‘venha ver um garoto do sexto quadro, que é muito bom’. Meia hora me bastou e lhe pedi que o mandasse treinar conosco. Contei a meus amigos do café: ‘estamos preparando um jogador que irão ver em Mar del Plata, é o filho do veeeento, rapidíssimo mas com habilidade’. Esse era Cani“. Vale comentar que o tal Pedernera era jogador da celebrada La Máquina dos anos 40, descrito por Di Stéfano e Obdulio Varela como o maior craque que viram.

Mas foi só em 1987 que o jovem ponta-direita, que assistiu tais conquistas entre os reservas da delegação millonaria, passou a ser regularmente escalado: no campeonato de 1985-86 só foi usado naquela estreia e não esteve em campo na Libertadores nem em Tóquio. Não chamava a atenção propriamente pelo número de gols, mas pela velocidade que lhe renderia as alcunhas de Hijo del Viento, Rayo de Luz e El Pájaro. Mesmo ainda considerado no River como uma boa opção para segundos tempos, recebeu suas primeiras convocações para a a Albiceleste. Primeiramente, tomou parte no pré-olímpico sediado em abril na Bolívia, chegando a abrir o placar de um 3-0 sobre os anfitriões em plena altitude. Na época, as Olimpíadas estavam abertas a qualquer profissional que ainda não houvesse jogado Copa do Mundo, mas a estreia oficial do ponta na seleção ficou para o dia 10 de junho de 1987, em derrota de 3-1 para a Itália em Zurique. Foi incluído no plantel que disputou no mesmo mês a Copa América, sediada na própria Argentina, que não vencia o torneio desde 1959.

No River, paradoxo: na época mais dourada do clube, não era titular e ainda assim foi à seleção

O país estreou mal, apenas empatando com o Peru no grupo formado também com o Equador. Contra esta outra seleção, vindo do banco, Caniggia começou a cair nas graças dos hinchas: substituiu aos 45 minutos do primeiro tempo Roque Alfaro, colega do River, e, aos 5 do segundo, marcou pela primeira vez pela Argentina: após trocar passe com Hernán Díaz, este cruzou para o próprio Cani cabecear e abrir o marcador, ampliado duas vezes por Maradona, de quem se tornaria grande amigo. Os 3-0 encaminhariam bem a classificação às semifinais, assegurada com o empate de peruanos e equatorianos no último jogo da chave. Pedido pela torcida, foi enfim posto como titular na semifinal.

Todavia, à semelhança do que ocorreu na Copa América de 2011, os uruguaios despacharam os rivais e anfitriões. Caniggia permaneceu entre os titulares no jogo pelo terceiro lugar, marcando a quatro minutos do fim o gol de honra na derrota de 2-1 para a Colômbia e terminou por ser um dos poucos poupados por mídia e público na campanha decepcionante dos argentinos (que até então sempre haviam vencido as Copas América que sediaram). Em julho, enfim teve seu primeiro e único troféu como titular no River, a Copa Interamericana (antigo tira-teima entre o vencedor sul-americano e o da CONCACAF, em edição válida pelo ano anterior).

Na ressaca do vitorioso 1986, a equipe de Núñez não foi tão bem nas primeiras temporadas que se seguiram, mas Caniggia seguiu sendo chamado para a seleção. Ainda que não fosse às Olimpíadas, em 1988 transferiu-se ao futebol italiano, onde passaria os seis anos seguintes. Foi uma novela: sondado inicialmente pela Juventus, chegou até a posar com o uniforme bianconero até ser dado como vendido à Roma. Mas o atraso na entrada do pagamento foi a brecha usada pelo presidente riverplatense para cancelar o negócio e vendê-lo por 500 mil dólares a mais ao Verona. Desenvolvendo grande amizade com Maradona, manteve-se nas convocações por imposição deste ao técnico Bilardo. O próprio Diego contou que, em um ultimato ao Narigón, declarou que recusaria ir à Copa 1990 se o parceiro não estivesse entre os chamados. De fato, El Pájaro seguiu regularmente na seleção, participando de quase todos os jogos de 1989 (com a Copa América incluída) e dos amistosos preparativos para o mundial mesmo com um desempenho um tanto aquém no calcio.

Isto porque, no Verona, onde ficou (com o amigo Troglio) seu primeiro ano na Europa, marcou só três vezes em 21 partidas da edição de 1988-89 da Serie A. Na temporada que antecedeu à Copa, ele até foi o artilheiro da Atalanta, mas fez menos gols no campeonato de 1989-90 (oito) que os concorrentes Balbo (onze com a Udinese), Dezotti (treze pela rebaixada Cremonese) e também que o veterano Ramón Díaz, o preterido – a despeito de pedidos do próprio presidente argentino Menem em favor de Díaz (de quinze gols pelo Monaco na liga francesa após ser o vice-artilheiro da Internazionale campeã italiana em 1988-89), que por outro lado não contava com a simpatia de Maradona. Caniggia não só foi confirmado para o mundial como nele ocuparia a única vaga do ataque programada pelo defensivo esquema tático argentino.

Iniciante na seleção na Copa América de 1987. Só com falta os soviéticos brecavam a velocidade do Pájaro em 1990

Em uma seleção que no exterior ficou malquista justamente pela retranca (o Brasil não foi o único sul-americano a polemizar em 1990 usando líbero), pelo ataque pouco operante (cinco tentos em sete partidas) e pelo antijogo (os argentinos formaram justamente o time mais faltoso e que mais recebeu cartões na Copa), Caniggia foi, com Maradona e o goleiro Goycochea, um oásis em um plantel bem inferior ao que quatro anos antes havia sido bicampeão do mundo. Se El Pibe era a imagem da garra, sacrifício e genialidade e Goyco foi o tapa penales, Claudio Paul destacou-se, sobretudo, por gols-chave na campanha que levou a Argentina à final. Começou na reserva, mas convenceu ainda na estreia, contra Camarões. Eletrizou a defesa africana e as brecadas necessárias para para-lo renderam duas expulsões, de André Kana-Biyik e a mais recordada, de Benjamin Massing, o terceiro a lhe dar pancada no mesmo arranque, Massing – perdendo no lance a chuteira tamanha a velocidade brecada.

O desempenho não impediu a inesperada derrota, com gol solitário exatamente do irmão de Kana-Biyik. Era necessário vencer os soviéticos para afastar uma vergonhosa eliminação precoce e Caniggia já passou a titular indiscutido, cavando inclusive nova expulsão adversária (de Volodymyr Bezsonov). Após uma primeira-fase cambaleante – os detentores do título só se classificaram como um dos melhores terceiros colocados dos grupos –, vieram as oitavas-de-final, contra o Brasil. Os rivais também vinham decepcionando: haviam vencido os três jogos da primeira fase, mas sem convencer em nenhum. Naquele 24 de junho em Turim, os brasileiros pareciam deslanchar. Dominaram a partida, com direito a três boladas na trave. O desfecho é conhecido de todos: Maradona, cujas condições físicas do tornozelo lhe permitiam apenas caminhar em campo, não inspirou o cuidado que deveria logo no momento em que finalmente teve mais liberdade. A dez minutos do fim, atraiu para si Alemão, Dunga, Ricardo Rocha e Mauro Galvão, que não só não lhe pararam como deixaram Caniggia desmarcado.

“Eu não estava com o palpite de que marcaria, mas sabia que Maradona poderia resolver. Quando a bola chegou, eu só tinha de matar Taffarel”, sintetizou o loiro, no lance lembrado no verso Cani lo vacunó (“Cani o f…”) do hit de 2014 “Brasil decime qué se siente”. O menos lembrado é que ele marcou outro gol, ainda no primeiro tempo, mas anulado por impedimento. Nas quartas-de-final, foi bem anulado pela defesa iugoslava. Após sofridos pênaltis depois de um empate sem gols, a Argentina se habilitou para encontrar a anfitriã Itália, em Nápoles. A Azzurra e seus tifosi estavam confiantes para um inédito tetracampeonato, com os gols de Schillaci, o talento de Baggio e a defesa inexpugnável formada por Bergomi, Baresi, Maldini e o goleiro Zenga, ainda não vazado no certame.

Os gols mais marcantes pela seleção: Brasil e Itália em 1990

Essa invencibilidade ruiu aos 23 minutos do segundo tempo, quando Caniggia, de costas para o gol, desviou para as redes cruzamento de Olarticoechea antes que um mal colocado Zenga interceptasse a jogada, empatando ali o escore aberto por Schillaci. A igualdade foi mantida até o fim da prorrogação. Se a Argentina logrou classificar-se outra vez nos pênaltis, houveram poréns. Um deles, com o próprio Caniggia, suspenso da final após usar infantilmente a mão na bola cerca de quinze minutos depois do gol – jamais perdoaria o que julgou um rigor excessivo do árbitro Michel Vautrot no que julgava ter sido um toque involuntário, pois ao receber o segundo amarelo no torneio, terminou suspenso para a decisão. Desfalcados também de Batista, Olarticoechea (outros a acumularem o segundo amarelo contra os italianos) e Giusti (expulso), os argentinos a perderiam, mas Cani já havia cavado seu lugar na história das Copas.

Embalado, realizou duas boas temporadas na Atalanta, sendo em ambas novamente o artilheiro do clube. Curiosamente, ao lado de brasileiros com quem formou duplas: Evair em 1991, Careca Bianchezi em 1992. Entre elas, participou ativamente do título da Copa América de 1991, entendendo-se muito bem com o iniciante Gabriel Batistuta em um elenco altamente renovado, com apenas três remanescentes do Mundial, no fim de mais de trinta anos sem títulos continentais da seleção. Pela Argentina, venceria seguidamente ainda a Copa Rei Fahd (embrião da Copa das Confederações) de 1992 e, no ano seguinte, a Copa Artemio Franchi (extinto duelo entre os campeões da Copa América e da Eurocopa), marcando nas decisões destas duas. Com cartaz, após a desventura de 1988, ele enfim chegou à Roma para a temporada de 1992-93. Agora, como o sexto jogador mais caro do mundo.

A equipe da capital procurava um substituto para Rudi Völler, mas El Pájaro ficou bastante abaixo da expectativa: fez só três gols no campeonato. O pior viria depois: um antidoping em 1993 escancarou que ele, tal qual Maradona, era usuário de cocaína. Acabou recebendo suspensão de treze meses, assim como El Diez sofrera dois anos antes, pelo mesmo motivo. Ela o tirou da Copa América de 1993 (em que a Argentina conseguiu o bicampeonato seguido), mas não o afastou do mundial de 1994. A menos de um mês para a Copa, voltou a jogar pela Albiceleste, em amistoso preparatório contra o Equador. Já no Estados Unidos, os argentinos encantaram nos dois primeiros jogos, esbanjando um jogo atraente com ele, Maradona, Batistuta e Fernando Redondo exibindo grande forma.

Pela Roma (em amistoso contra o River), jogou pouco pela suspensão por cocaína. Mas esteve na Copa de 1994 – foto da sua partidaça contra a Nigéria

Caniggia saiu-se bem especialmente no segundo, virando em sete minutos o placar que Siasia abrira aos 10 do primeiro tempo para a Nigéria. Primeiramente, aproveitando aos 22, também da primeira etapa, rebote de Rufai em uma conclusão de Bati. Depois, finalizando de direita aos 29 um cruzamento que pedira a Diego. Numa única partida, igualou em gols seu desempenho nas Copas América de 1987, 1989 e 1991 e na Copa do Mundo anterior, nas quais também marcara duas vezes em cada. Aqueles gols em Boston, um dos quais o de número 1.500 das Copas, seriam os últimos que faria pela Argentina. Mas a terceira partida foi um anticlímax. Maradona havia sido expulso do mundial por um antidoping positivo para efedrina, um estimulante e emagrecedor.

A situação piorou no jogo contra os búlgaros: aos 26 minutos da primeira etapa, Caniggia teve de ser substituído por Ortega após lesionar-se. O time de Stoichkov venceu por 2-0. Cani acabou tendo de acompanhar do banco os companheiros serem eliminados nas oitavas-de-final pela Romênia. Depois do mundial, duas mudanças: Caniggia foi jogar no Benfica, onde foi razoável. Já na seleção, perdeu espaço com o novo técnico, Daniel Passarella. Após um ano em Portugal, retornou ao futebol argentino, logo no arquirrival de onde surgira. Maradona havia acertado com o Boca e Caniggia fez o mesmo, repassado da Luz para a Bombonera em transferência costurada pela Parmalat, que patrocinava os encarnados e os auriazuis. Tal como vinha fazendo com sucesso no Palmeiras, a empresa de laticínios procurou montar um esquadrão no Boca.

O time acabou perdendo um campeonato que, a cinco rodadas do fim, parecia ganho, quando liderava com seis pontos de vantagem o Apertura 1995. A derrota de 6-4 para o Racing em casa na antepenúltima rodada, concedendo ali a mesma quantidade de gols que recebera em toda a competição até então, abalou os xeneizes, que já vinham de dois empates. Nas outras duas rodadas que restavam, o time somou só um ponto e terminou com seis atrás do campeão, o Vélez. Caniggia, por seu lado, só faria Passarella ter motivos para repensar a partir do ano seguinte, quando começou a anotar gols regularmente pelo Boca. Em um único semestre, conseguiu dez – números que ele só tivera em um único torneio pela Atalanta em 1991, mas em uma temporada anual.

Ficou em terceiro na artilharia do Clausura 1996 e voltou à seleção, participando de três jogos das eliminatórias para a Copa 1998, entre abril e julho. O Clausura, encerrado em agosto, foi outro que escapou, a despeito dos nomes reunidos em La Boca: El Pájaro e Maradona conviviam com Navarro Montoya, Vivas, Gamboa, Fabbri, Kily González, Basualdo e Verón, treinados por Carlos Bilardo.

Amizade com Maradona começou na seleção e o levou ao Boca

A alegria da campanha, mesmo, veio a quatro rodadas do fim, em um Superclásico dos mais lembrados. Em um segundo tempo infernal, Caniggia marcou pela primeira vez contra o River, recebendo de Maradona o que os dois rotularam de “beijo de alma”. El Hijo del Viento marcaria ainda outras duas diante do antigo clube (campeão da Libertadores havia três semanas) naquela noite na Bombonera; em uma delas, aproveitando rebote de um pênalti desperdiçado pelo amigo. Foi justamente ali a primeira vez em que conseguiu três gols em um só jogo. O que se encaminhava para ser uma carreira relançada, despertando novos interesses no exterior – que incluíam desde o Corinthians a clubes ingleses – acabou sofrendo um enorme baque. Um mês e meio depois daquele 4-1 no River, ocorrido exatamente uma semana após o terceiro jogo de Caniggia na seleção de Passarella, a mãe do atacante, com quem estaria distanciado, suicidou-se em Buenos Aires.

Somado a desavenças com a esposa, que preferia viver morando na Europa (onde o ponta se encontrava na ocasião da tragédia. Para o enterro, voltou a Henderson após oito anos), ele ficou um ano parado. Sondado pelo Independiente em janeiro de 1997 e descartando voltar ao River, regressou aos campos e ao Boca já no final de agosto. O time, por sinal treinado por Héctor Veira, fez um excelente Apertura, onde sofreu apenas uma derrota, para o Lanús. Ainda assim, o título escapou por um ponto a mais para o River, vencido dentro do Monumental no Superclásico quando os xeneizes lideravam. Foi a única derrota do millo no torneio, com a quantidade menor de empates fazendo-lhe a diferença adiante. Tal confronto direto, por sinal, acabou sendo a despedida de Maradona. A divulgação, dias depois, da falsa notícia da morte de seu pai foi a gota d’água para que ele, cansado do assédio da imprensa, resolvesse antecipar a aposentadoria.

A perda do campeonato e a retirada de Diego deixaram o Boca à deriva: no Clausura 1998, os bosteros terminaram em sexto e 17 pontos atrás do Vélez, o campeão. Caniggia foi um dos poucos a se salvar: depois de não ter feito nenhum gol na grande campanha do semestre anterior, marcou cinco vezes, destacando-se a de um outro Superclásico, em abril. Fez também contra outros dois grandes, Independiente e Racing, despertando pedidos para que fosse incluído por Passarella na Copa 1998. O treinador não se convenceu e Caniggia deixou o futebol por outro ano, não renovando contrato com o Boca. A aposentadoria foi interrompida no segundo semestre de 1999, quando ele retornou à Atalanta para ajudá-la na segunda divisão.

A equipe de Bérgamo até foi campeã da Serie B de 1999-2000, mas Cani decepcionou. Marcou apenas uma vez e foi utilizado em menos da metade dos 34 jogos do certame. Da Itália saiu para o obscuro Dundee. No pequeno clube escocês, foi bem. Formou boa dupla com o compatriota Juan Sara e angariou a idolatria dos torcedores, com muitos comparecendo com perucas loiras no estádio Dens Park em meio ao frenesi que Caniggia e seus sete gols na Premier League geraram, incluindo um em cada clássico contra o Dundee United e um outro no Rangers em vitória em pleno Ibrox. Ao fim da temporada 2000-01, acabou contratado pelo mesmo Rangers, maior campeão nacional, enquanto o Dundee, animado com argentinos, chegou a formar um time com sete. Ao inaugurar em 2009 seu Hall da Fama, o Dundee tratou de incluir El Pájaro já na primeira leva dos contemplados.

Passarella chamou-o à seleção três vezes em 1996, quando fez três gols no River. O ano sabático prejudicou-lhe mais que os cabelos

Já no clube de Glasgow, o veterano vinha indo bem para os seus 35 anos. Mas seu retorno à seleção argentina surpreendeu. Marcelo Bielsa o chamou, em fevereiro de 2002, para um amistoso ali na Grã-Bretanha (contra o País de Gales, em Cardiff) e inclusive o pôs entre os titulares do empate em 1-1. Voltou a ser relacionado entre os onze argentinos que entrariam jogando para o amistoso seguinte, contra Camarões, em 27 de março, uma semana depois de marcar duas vezes na final da Copa da Liga Escocesa de 2001-02. Jogou praticamente a partida inteira nas duas ocasiões, sendo nelas substituído somente depois dos 44 do segundo tempo, alimentando a sensação de que poderia ir à Copa 2002.

Porém, em 4 de maio, Caniggia lesionou o joelho no início da final da Copa da Escócia, na Old Firm diante do Celtic. Ainda assim, Bielsa decidiu convocá-lo no lugar de Javier Saviola, que vinha de boa temporada individual no Barcelona mas que, na visão do Loco, não saberia atuar na ponta, já havendo Batistuta e Hernán Crespo como centroavantes. No Japão, Caniggia só fez esperar com os demais suplentes por uma chance e, em meio ao vexame argentino de cair na primeira fase, o Pájaro, mesmo sem ter jogado, também teve sua mancha: no terceiro jogo, contra a Suécia, irritou-se com uma falta não-marcada em Ariel Ortega nos acréscimos do primeiro tempo (com a partida ainda sem gols) e xingou o juiz Ali Bujsaim. Caniggia só não imaginava que o quarto árbitro, Michael Ragoonath (de Trinidad e Tobago), entendesse espanhol e repassasse o teor dos impropérios ao juiz.

Com Batistuta no Qatar

Além de receber o cartão vermelho em pleno banco de reservas (algo inédito na competição), tomou dois jogos de suspensão e 2.200 dólares de multa. Seu último jogo pela Argentina acabou sendo aquele 2-2 amistoso diante de Camarões. Esta partida, curiosamente, tal qual a de seu debute, ocorreu na Suíça (mas em Genebra). Claudio Paul prolongou a carreira por mais dois anos. Em seu segundo no Rangers (por sinal, ainda é o único convocado para a Argentina vindo do futebol escocês), foi ainda melhor que no anterior. Ganhou novamente a Copa da Liga, a Copa – com gol dele em outra Old Firm na final – e, desta vez, também o campeonato da Escócia (em que ele também marcou na partida decisiva) na temporada 2002-03.

Depois, pendurou as chuteiras no Qatar, cujo campeonato recrutara também em 2003 Batistuta (Al Arabi), Guardiola (Al Ahly), Hierro (Al Rayyan) e Romário (Al Sadd). No Oriente Médio, Caniggia (pelo Qatar Sports Club) despediu-se com o título de 2004 da Copa do Príncipe.

Em 2012, ele, até então vivendo no balneário espanhol de Marbella e ocasionalmente participando de jogos de showbol, acertou uma retomada à carreira de jogador profissional e ao futebol britânico, ao ser contratado pelo Wembley Football Club, que reuniu um elenco de astros veteranos, dentre os quais o argentino.

Além do futebol, uma outra paixão sua é a música rock. Durante a Copa  1994, a banda Poison o recrutou para tocar bateria em um show em Wisconsin. A música “Al Fondo de la Red”, ao ser regravada pelo popular grupo argentino Bersuit Vergabarat, passou a ser associada ao jogador muito por conta dos versos “como quiebra la cintura y la razón/ se acomoda en el aire el pájaro/para pintar ese gol al domingo“. E, provavelmente por ter sido alguma quantidade de vezes associado ao vocalista dos Guns N’ Roses pela certa semelhança física, batizou um dos quatro filhos como Axel.

A boa fase individual no Boca em 1998 não o levou à Copa. Esteve na de 2002 vindo do Rangers (onde chegou a enfrentar Ronaldinho Gaúcho, ainda no PSG)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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