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55 anos de Abel Balbo, matador do duro campeonato italiano dos anos 90

O sobrenome começa com Ba; foi goleador da estrelada e retrancada liga italiana nos anos 90; proveniente do interior santafesino, foi formado no Newell’s e logo passado ao River; virou a casaca jogando no Boca; tem no currículo Roma, Fiorentina e três Copas jogadas pela Argentina. Poderíamos estar falando de Gabriel Batistuta. Mas as descrições também são válidas ao potente Abel Eduardo Balbo, nascido em 1º de junho de 1966 em Epalme Villa Constitución. Sua carreira e de Bati, de fato, estiveram algo interligadas. Balbo, além de tudo, chegou a ser o estrangeiro com mais gols na Serie A desde a reabertura dela a forasteiros, nos anos 80 – ultrapassado exatamente pelo ex-colega.

Balbo e Batistuta foram dois dos nomes pinçados pela excelente base do Newell’s forjada em meados dos anos 80 pelo ex-jogador rubronegro Jorge Griffa, convertido em um olheiro que percorria o interior da província de Santa Fe junto do técnico juvenil Marcelo Bielsa. Bielsa, posteriormente, seria efetivado no time principal enquanto Griffa levaria seu olho clínico ao Boca em meados dos anos 90, não por acaso fazendo dos auriazuis o novo polo principal a formar craques na Argentina.

Quando Balbo foi promovido ao time principal, o clube vivia desgostos seguidos. Em 1986, a Lepra conseguiu de forma inacreditável perder a classificação à Libertadores: na final da repescagem com o Boca desestruturado daquela década, venceu-o em plena Bombonera por 2-0 no jogo de ida (dois gols de Gerardo Tata Martino). Na volta, os rosarinos abriram o placar e o oponente ainda teve um jogador expulso. Mas, faltando meia hora para o fim, os xeneizes conseguiram virar para 4-1. Com requinte de crueldade, o último gol veio no último minuto – a vitória parcial por 3-1 não outorgava ainda a classificação direta, apenas encaminhava aos pênaltis.

O pior viria na temporada seguinte. O Newell’s lutou pelo título, mas terminou no vice justamente para o arquirrival Rosario Central, que ainda por cima acaba de voltar da segundona, logrando um raríssimo tipo de bicampeonato no mundo. O próprio técnico leproso na ocasião, Jorge Solari, culpou a sua torcida de pecho fría, gíria argentina para torcedores pouco vibrantes. A resposta começaria a ser dada outra temporada depois. A camisa sangre y luto, em jejum havia quatorze anos desde seu então único título nacional (enquanto o Central já tinha os seus quatro), voltou de forma arrasadora a ser campeã, mesmo ainda sem Bielsa no comando do time adulto.

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Clubes argentinos do atacante: Newell’s, River e Boca, pelo qual torcia apesar do sorriso no rival

Balbo estreou profissionalmente em 30 de agosto de 1987, em um 1-1 com o Deportivo Espãnol válido pela primeira rodada daquele campeonato. Mas só viria a se sobressair na reta final; na primeira metade de campanha, a referência ofensiva foi outro prata-da-casa, Gustavo Dezotti. Os dez gols de Balbo na campanha vieram nas últimas dezesseis das 38 rodadas, roubando a titularidade de Dezotti. O mentor Griffa até brincaria com essa eficiência ao lembrar do pupilo como o jogador mais enfeitado que já vira em campo: “colocava no braço direito uma pulseirinha que a namorada lhe fazia por cada gol convertido. Já tinha oito quando o título estava muito próximo. ‘Me parece que quando me cheguem ao cotovelo, terei que deixa-las’, disse alguma vez”.

Para ver como era um elenco tão especial, ambos os concorrentes acabariam convocados à Copa do Mundo de 1990, juntamente do zagueiro Néstor Sensini. Outro a ir uma Copa foi o goleiro Norberto Scoponi (1994). Balbo marcou em duas goleadas sobre gigantes: o 4-0 no Boca e o 6-1 no dia do título, contra o prestigiadíssimo Independiente daquela década. Ainda um potente diamante não-lapidado, foi logo adquirido pelo River, que montou um pacotão inédito: dezesseis reforços de uma vez, sendo quinze jogadores e o técnico, ninguém menos que César Menotti. E isso porque a negociação com o jovem José Luis Chilavert (que chegou a posar com a camisa millonaria) fracassara: o paraguaio seria trocado pelo San Lorenzo por Sergio Goycochea, mas uma doença de Goyco melou a negociação. Para repor a ausência de Balbo, o Newell’s então promoveu a estreia de Batistuta.

O atacante chegava a um River que muito prometia. Afinal, dentre as outras contratações estavam o volante Sergio Batista e o talentoso Claudio Borghi, ambos campeões da Copa de 1986, assim como o veterano ídolo Daniel Passarella, que suspendera temporariamente a aposentadoria. Também vinham Carlos Enrique (lateral do Independiente campeão pela última vez da Libertadores e Mundial, em 1984, e irmão de outro vencedor da Copa de 1986 já presente no elenco riverplatense, Héctor Enrique), Jorge Higuaín (diretamente do rival Boca, zagueiro e pai de Gonzalo), Jorge Rinaldi (outro ex-Boca), além de Julio Zamora e Fabián Basualdo, outras caras daquele Newell’s. Aquela temporada 1988-89 foi, contudo, uma decepção em Núñez. O timaço de papel estreou com duas derrotas, incluindo um 2-0 em pleno Monumental para o Boca.

Houve algum acerto depois, mas o mais próximo que o elenco esteve das cabeças foi um terceiro lugar na 31ª rodada, a sete pontos do futuro campeão Independiente. Mas se o River não chegou a postular seriamente pela taça, Balbo teve um desempenho interessante. Logo em março de 1989, estreava pela seleção argentina, em amistoso com a Colômbia em Barranquilla. Terminou incluso no elenco da Copa América de 1989 e mesmo sem ter sido titular no torneio, foi adquirido pela Udinese. A equipe friulana, que voltava à elite, levou também Sensini. E, da mesma forma que o Newell’s fizera, o River também trouxe Batistuta para substituir Balbo.

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Em sua passagem longeva pela Roma e ao voltar, com Batistuta: dupla lá (e na Fiorentina), na seleção e carreiras interligadas

Ele teve um recorde negativo sem vitórias em seus primeiros jogos na seleção, não ganhando oito dos nove jogos realizados até a Copa do Mundo de 1990 – ou nove, pois as estatísticas oficiais não incluem o 1-1 com o clube Valencia em 25 de maio, o último amistoso pré-Copa. O primeiro gol saiu só no oitavo jogo, 1-1 contra a Suíça em Berna. Mas terminou convocado ao mundial mesmo sofrendo também o rebaixamento da Udinese. Eram outros tempos: sua equipe caiu mesmo ficando a sete pontos do último classificado à Copa da UEFA, amostra do equilíbrio enorme que havia no calcio. Balbo foi o artilheiro do time com onze gols (pelo River em 1988-89, em uma liga menos complicada para um atacante, fizera doze).

A estreia na Copa, contra Camarões – uma nova derrota -, contudo, foi sua única participação. Fora escalado bem longe de sua posição, como um volante para segurar as lesões de Maradona e Jorge Burruchaga. Tanto que, ao fim da campanha, sua convocação foi uma das criticadas pela radiografia da revista El Gráfico – “os garotos novos (os Lorenzo, os Sensini, os Balbo, os Dezotti) vieram sem experiência. Para que os colocamos?”, se dizia. Dezotti foi o reserva preferido pelo técnico Carlos Bilardo para a titularidade na final, quando os hermanos entraram em campo sob quatro desfalques. Balbo passaria anos ausente da seleção, deixando de ir às Copas América de 1991 e 1993, últimos títulos da Albiceleste, até por ficar duas temporadas na Serie B. No calcio, teve então um retorno triunfal na elite: 21 gols no campeonato de 1992-93 e vice-artilharia ao lado do melhor do mundo, Roberto Baggio. Deixou a Udinese após 65 gols em 134 partidas, contratado pela Roma.

Assim, mesmo em meio à euforia do bicampeonato na Copa América, a mesma El Gráfico agora já frisava: “que ninguém esqueça dos gols que Balbo meteu na Itália”. Com efeito, ainda sem ele de volta, a Argentina esteve perto de não se classificar à Copa do Mundo. Como Maradona, Balbo foi uma das novidades de emergência para as repescagens contra a Austrália, logo mostrando serviço: fez o gol do empate em 1-1 em Sydney no jogo da ida, tranquilizando a tarefa em Buenos Aires. Na temporada que antecedeu à Copa dos EUA, Balbo foi o artilheiro da Roma e fez meio gol por jogo nos amistosos da seleção, um deles no 2-1 sobre a campeã mundial (e vice europeia) Alemanha, partida da foto que abre essa matéria. No mundial, para acomodar Claudio Caniggia, recém-saído da suspensão por cocaína, o técnico Alfio Basile escalou Balbo como um ponta recuado em um tridente formado também com… Batistuta.

O romanista marcou um gol, na dramática eliminação por 3-2 contra a Romênia – oportunista, aproveitou rebote para dar uma sobrevida aos hermanos, que já perdiam de 3-1. Após a Copa, continuou com tudo na capital italiana: 22 gols (um deles, em um 3-0 no clássico com a Lazio) e nova vice-artilharia, abaixo justamente de Bati. O novo técnico da seleção, Daniel Passarella, não teve dúvida em junta-los como a dupla ofensiva para a Copa América de 1995, o melhor ano de Balbo pela seleção: foram quatro gols, um deles em nova eliminação, para o Brasil, nas semifinais. Continuou como artilheiro da Roma na temporada seguinte, mas perdeu espaço na Albiceleste. Cansado de viajar e não jogar, ele chegou mesmo a renunciar expressamente à seleção. A dupla Ba-Ba acabou não virando contraponto à Ro-Ro (Romário e Ronaldo), que surgia no país vizinho.

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1990 (com Sensini, colega também no Newell’s, Udinese e Parma), 1994 e 1998: Balbo está no seleto grupo de quem jogou três Copas pela Argentina

Enquanto Passarella dava mais chances a Hernán Crespo, Balbo era mais uma vez artilheiro romanista em 1996-97, com 17 gols que o deixaram em terceiro na artilharia geral (empatado com… Batistuta). Foram bem menos gols em 1997-98, com o anotador máximo do elenco giallorosso sendo pela primeira vez Francesco Totti – que fizera treze. Isso e a renúncia em 1996 proporcionaram a grande surpresa da convocação à Copa de 1998: Passarella primeiramente anunciou 21 dos 22 nomes e durante uma semana esperava-se que a última vaga fosse do meia velezano Christian Bassedas, presente em todo o ciclo; ou torcia-se para que fosse de Caniggia, em bom momento individual em um Boca sofrível – ou de Fernando Redondo, recém-campeão da Liga dos Campeões com um Real Madrid que não a vencia há 32 anos. Ficou com Balbo.

O técnico justificou que decidira “com a razão e não coração”, frisando que o eleito seria um dos que mais treinavam em seu clube. No mundial da França, o atacante jogou pelas últimas duas vezes por seu país, saindo do banco – foi na estreia, contra o Japão, e como aposta em eventual prorrogação contra a Holanda: entrou aos 44 minutos do segundo tempo, logo antes de Dennis Bergkamp decretar a eliminação. Além daquela partida contra o Valencia, Balbo ao todo somou 37 jogos oficiais pela Argentina, 27 deles como jogador da Roma, ainda sendo quem mais a Albiceleste importou da Loba. Fez 11 gols, dez deles no ciclo de 19 jogos entre 1993 e 1995 no qual foi titularíssimo. Já em curva descendente, foi vendido ao emergente Parma, onde foi um reserva útil na mágica temporada de 1998-99: os auriazuis venceram a Copa da Itália e a Recopa Europeia (onde Balbo marcou em todos os mata-matas até a final). Foram os primeiros troféus do atacante na Itália.

O retrospecto razoável para a idade o levou à Fiorentina na temporada seguinte, reencontrando Batistuta. Não foi tão bem em Florença, mas em 2000 a dupla foi adquirida pela Roma. Balbo, dessa vez, não teve a importância de outrora, jogando pouquíssimo em sua nova passagem pelos giallorrossi, mas enfim pôde somar o título italiano com a camisa que mais lhe caiu bem. Após outra temporada inoperante, decidiu parar. Mas não sem antes experimentar o clube do coração: o Boca, que já o sondava desde o início de 2001, vendo nele alguém renomado o suficiente para suprir a venda de Martín Palermo ao Villarreal. Chegando tarde demais para ser inscrito no Clausura, o veterano pôde ser habilitado para os mata-matas da Libertadores de 2002, a partir do fim de abril – praticamente emendando o fim de temporada no calcio (concluído na primeira semana de maio).

Seus quatro jogos pelos xeneizes, os últimos da carreira, foram os dois pelas oitavas-de-final, contra o El Nacional, e os dois das quartas, contra o futuro campeão Olimpia. Balbo não jogou bem e deu azar: além de fraturar o segundo dedo do pé esquerdo, aquela foi a única edição entre 2000 e 2004 em que o Boca, que estava sob o comando técnico do uruguaio Oscar Tabárez e não de Carlos Bianchi, ausentou-se da final. O atacante, contudo, já declarou orgulho por estar na escalação do primeiro gol de Carlitos Tévez (no 1-1 com o Olimpia). Sem emplacar uma carreira de técnico iniciada com dois pedidos seguidos de demissão no modesto Treviso, ele manteve-se no futebol mais como comentarista da emissora italiana RAI. Em 2020, voltou ao Newell’s na função de diretor esportivo.

Em eleição dos vinte melhores argentinos do calcio promovida em 2014 pela Calciopédia, principal site brasileiro sobre o futebol italiano, Balbo ficou em 14º lugar., à frente de gente do naipe de Passarella e Caniggia, dentre outros.

Nota originalmente publicada nos 50 anos de Balbo, em 01-06-2016

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Na colônia argentina do grande Parma de 1999, com Crespo, Verón e o velho compadre Sensini, foi um bom reserva. Na Udinese, brilhou sozinho

https://twitter.com/Newells/status/1399750606944980993

https://twitter.com/Udinese_1896/status/1399626234330599424

https://twitter.com/OfficialASRoma/status/1399705504860065792

https://twitter.com/acffiorentina/status/1399626276135186433

https://twitter.com/UEFAcom_it/status/1399637187591815171

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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