50 anos do primeiro título argentino do interior: o do Rosario Central em 1971

Nota originalmente publicada nos 45 anos do título, em 2016, revista, atualizada e ampliada

Segundo o historiador esportivo argentino Esteban Bekerman, o futebol argentino teria tido três gerações de ouro e a última foi a que formou as seleções campeãs mundiais de 1978 e 1986, formada basicamente por uma camada de jogadores profissionalizados nos anos 70. Além dos títulos, a abundância de craques mesmo em times menores corroboraria tal tese. Fato é que o técnico de 1978, César Menotti, foi o único que, uma vez na seleção, entendeu e valorizou regularmente a qualidade que se espalhava pelo interior argentino: dez convocados por ele em 1978, basicamente metade dos 22 campeões, haviam sido talhados longe da capital federal no início de suas carreiras. Fenômeno que teve como evidente marco inicial o primeiro título argentino entregue fora da Grande Buenos Aires ou La Plata. Como bem resumiu a revista El Gráfico no título da nota pós-jogo: “Rosario merecia. O Central lhe oferendou”.

Primeiramente, cabe explicar como um clube tão antigo e expressivo no futebol argentino, com jogadores na seleção desde os primórdios da Albiceleste, demorou a ganhar o campeonato: fundado na véspera do natal de 1889, ainda antes do primeiro campeonato argentino (em 1891), o Central só foi admitido na associação argentina em 1939. Explica-se: com 30% da população nacional concentrada na região metropolitana da capital federal, a associação chamava-se de “argentina” embora geograficamente só abrangesse um pouco além da Grande Buenos Aires. A rigor, a associação “argentina” era uma associação regional tal como outras que se espalharam pelo país. Entre 1891 e 1939, a exceção foi o pioneiro do futebol rosarino, o Rosario Athletic, fundado em 1867 e participante da edição de 1894 do Argentinão.

Atualmente conhecido pelo nome nacionalizado Atlético del Rosario ou ainda como Plaza Jewell, em referência a seu endereço na cidade, ele chegou a ser campeão inclusive internacional: foi na Tie Cup, torneio que no início do século XX reunia clubes das associações “uruguaia” (também geograficamente bairrista, diga-se, centrada na capital Montevidéu), “argentina” e… rosarina. Foram três títulos, em 1902, 1904 e 1905 – estes dois últimos, sobre o futuro Peñarol. Mas o Athletic voltou-se ao rúgbi, deixando o caminho livre para o futebol rosarino virar domínio de Central e Newell’s. Que não tardaram em mostrar valor frente as potências portenhas em troféus precursores, grosso modo, da Copa Argentina. Em 1912, o Newell’s foi vice do Racing na Copa Honor, vencida pelo Central em 1916 (ano em que os canallas também foram vices do Peñarol naquela Tie Cup) sobre o Independiente.

Mario Killer, Menutti, Pascuttini, Landucci, Fanesi e González; Bóveda, Aimar, Poy, Colman e Gramajo: time da semifinal, repetido integralmente na decisão

Também havia a Copa Ibarguren, um tira-teima entre o campeão “argentino” e o rosarino para definir moralmente (ou talvez mais precisamente) o melhor time do país. O Central provou-se em 1915 melhor que um Racing que de 1913 a 1919 emendou sete títulos seguidos na liga argentina, ainda um recorde. O nanico Tiro Federal também teve o seu momento de glória, batendo por 4-0 o Boca na edição válida por 1920, enquanto que para a de 1921 o Newell’s despachou por 3-0 o Huracán. Também foi em 1921 que a seleção venceu sua primeira Copa América, usando muita gente do interior, sobretudo de times rosarinos, inclusive os pequenos. Houve espaço até mesmo a gente de Córdoba e do Gimnasia y Esgrima de Mendoza. Mas foi algo efêmero e deveu-se mais a fatores políticos.

Ao longo dos anos 20, a seleção argentina concentrou-se basicamente no futebol da capital embora as duas forças de Rosario ou o combinado da cidade soubessem fazer jogo duro também contra europeus em excursão: em 1926, a liga rosarina colocou um 3-0 nas redes que a lenda Ricardo Zamora guardava para o Espanyol. Em 1927, aconteceu um Newell’s 4-0 Real Madrid, derrota mais elástica da viagem espanhola. Também por 4-0 foi o placar da seleção rosarina sobre o Barcelona, em 1928, igualmente o revés mais sonoro da turnê catalã, enquanto que em 1929 ela venceu por 2-1 o Chelsea (que vinha de golear por 4-0 a seleção de Buenos Aires). O ano de 1929 também marcou a visita dos dois últimos campeões italianos, Torino (onde brilhava, por sinal, o herói da Copa América 1921, Julio Libonatti, ex-Newell’s) e Bologna. O Newell’s venceu ambos, por 2-0 e 2-1, respectivamente. E, em 1935, a seleção rosarina prevaleceu por 2-0 sobre o combinado Espanyol/Atlético de Madrid.

Mas apenas em 1939 é que a liga argentina cedeu lugares, admitindo diretamente na primeira divisão a dupla Central e Newell’s, enquanto clubes rosarinos médios (como o Central Córdoba, equipe do herói da Copa América daquele 1939 – Vicente de la Mata) tiveram de começar na segundona. Mas a nova realidade não começou fácil ao Central. Logo em sua terceira temporada, foi rebaixado. Nos anos 40, passou a maior parte da década na metade inferior da tabela e voltou a cair em 1950 – até esse ano, o vizinho Newell’s havia se intrometido seis vezes entre os cinco primeiros. No anos 50, escapou duas vezes de novas quedas, em 1955 e em 1959, ambas por dois míseros pontos. No início dos anos 60, continuava normalmente abaixo do 10º lugar. A maré começou a mudar em 1967. Foi só ali que os auriazuis ficaram pela primeira vez no Top 5 do campeonato.

Outros destaques únicos de 1971: Legrotaglie pelo Gimnasia de Mendoza, os juvenis do River festejando contra o Boca e o técnico Labruna no Central

Quem explicou (já 2014) foi Aldo Poy, o grande nome da conquista e desde 1965 no time adulto: “até o ano de 1965 ou 1966, eram equipes profissionais bastante amadoras em muitos aspectos. (…) Os treinos não eram exigentes. Com Don Adolfo Boerio como presidente, mudou muito. Elegeu bem as divisões inferiores, trouxe Miguel Ignomiriello, que as organizou muito bem, e em 1967 lhe ofereceu o time principal. O futebol profissional passou a ser profissional de verdade”. Em 1967, o calendário foi dividido em dois campeonatos: o velho campeonato argentino, que apesar do nome seguia geograficamente restrito, foi renomeado de Metropolitano. Os melhores dele se juntariam depois no Torneio Nacional aos melhores de um torneio regional que envolviam as diversas ligas do interior.

O Rosario Central perdeu por um ponto a classificação às semifinais do Metropolitano e foi 4º no Nacional, empatado em pontos com o 3º. No Metropolitano de 1968, foi o 3º de sua chave e triscou o título do Nacional: 4º lugar, mas só um ponto atrás dos líderes Racing, River e Vélez (que seria campeão após um triangular extra). Costumava emplacar a defesa menos vazada dos campeonatos, o que resultou na venda do goleirão Edgardo Andrada ao Vasco. O negócio custou resultados medianos em 1969 e no início de 1970, mas o clube voltou a ficar muito perto do título no Torneio Nacional de 1970. Foi perdido só na prorrogação para o Boca, em 23 de dezembro. De consolação, a vaga na Libertadores 1971: os canallas foram os primeiros argentinos a disputarem La Copa antes mesmo de um primeiro título na liga doméstica.

Foi necessário esperar praticamente um ano para, em 22 de dezembro de 1971, desengasgar o grito de campeão. Além de Poy (primo do ídolo são-paulino José Poy), outras figuras carimbadas do ciclo eram o lateral uruguaio Jorge González, importado do Racing de Montevidéu em 1966 para ser o estrangeiro com mais jogos no campeonato argentino e o recordista de jogos também pelo Rosario Central (que defenderia até 1978); o zagueiro Aurelio Pascuttini, promovido pela base em 1966 e que ficaria até 1976; e o atacante Roberto Gramajo, trazido de Santiago del Estero em 1967.

Os irmãos Daniel e Mario Killer. Daniel ainda era reserva, mas seria o único vencedor aproveitado na Copa do Mundo de 1978. Curiosidades: ambos jogaram no Newell’s depois, e Mario esteve no Independiente enquanto Daniel passou pelo rival Racing

A eles se juntaram na espinha-dorsal alguns promovidos na entressafra, casos do insinuante ponta Ramón Bóveda (promovido ainda em 1968, mas só firmado em 1970); do meia Ángel Landucci (promovido em 1969), futuramente vice da Libertadores de 1978 pelo Deportivo Cali; do duro zagueiro Daniel Killer, estreante em 1970 e único daquele elenco a integrar a seleção na Copa de 1978; de seu irmão caçula Mario Killer, raçudo lateral; e do volante Carlos “Cai” Aimar, que surgiram naquele próprio ano de 1971. O forte setor defensivo, que sofreu só 14 gols em 16 jogos, possuía ainda Jorge Carrascosa, que só não foi capitão da seleção na Copa de 1978 pois, por motivos políticos, desistiu de disputá-la. A imagem que abre a matéria mostra a comemoração de Aimar com Landucci.

Inicialmente, o comandante em 1971 foi quem viria a ser o técnico mais vitorioso da história canalla: Ángel Tulio Zof, campeão dos três títulos expressivos seguintes do Central (1980, 1987 e Copa Conmebol 1995) e quem já no século XXI promoveria no clube outro Ángel, o Di María. Mas, naquele 1971, Zof ainda estava longe do renome que construiria em Arroyito. O time vice com ele no Nacional de 1970 não soube conciliar a Libertadores com o Metropolitano – havia, é verdade, um regulamento duríssimo no torneio continental onde apenas o líder avançava da fase inicial de grupos, mas o segundo lugar na chave mascara que os rosarinos já não tinham chances de classificação no último compromisso, ao mesmo tempo em que faziam feio no Metropolitano: não venceram uma sequer nas seis primeiras rodadas, ocorridas em paralelo à desclassificação na Libertadores.

Zof ainda durou até a 14ª rodada, em maio. O ex-jogador centralista Carlos Griguol, futuro técnico histórico do futebol argentino nos anos 80 e 90, assumiu interinamente até que que um novo Ángel descesse em Arroyito, a partir da 25ª rodada do Metropolitano, no fim de junho. Era o ex-craque Labruna, em baixa após não tirar seu amado River de um jejum que perdurava quando ainda jogava, desde 1957. Maior ícone riverplatense do século XX, Labruna vinha em uma nova carreira crescente. Em 1967, trabalhou tanto no Platense semifinalista do Metropolitano como no Defensores de Belgrano campeão da segunda divisão (embora o acesso não se consumasse diante de um regulamento que impunha um torneio repescatório extra contra os piores da elite); era possível concilia-los pois, além da relativa vizinhança geográfica de ambos no norte da Grande Buenos Aires, a segunda divisão era sempre jogada aos sábados e a primeira, aos domingos.

História: a primeira decisão por pênaltis do futebol argentino ocorreu na semifinal entre Independiente (Pastoriza se refresca, Raimondo parece tranquilo antes de desperdiçar sua cobrança) e San Lorenzo (o herói Chazarreta se alonga ao lado do técnico Domínguez)

O bom 1967 conciliando dois times diferentes foi a credencial para que voltasse a seu River. De fato, seria sob o ídolo que aquele jejum terminaria, mas apenas em 1975. Pois, em um primeiro momento, o Labruna treinador do Millo amargou nada menos que quatro vice-campeonatos seguidos, entre o Nacional de 1968 e o Metropolitano de 1970, cada um com seus dramas específicos. Inclusive, estava abertamente magoado com a equipe de Núñez naquele momento. Naquele 1971, Labruna estava no Argentinos Jrs quando foi requisitado por cores auriazuis que a princípio poderiam até não lhe cair bem. Mas já chegou arrancando um maluco 5-4 contra o Gimnasia LP. Conseguiu seis vitórias e três empates naquelas quatorze rodadas finais do Metropolitano, sobretudo um 2-1 no Clásico Rosarino na casa rival e um 1-0 sobre o próprio River.

O 10º lugar na tabela pareceu satisfatório perto da situação que os canallas sentiam até então e eles apostaram em Don Ángel para aquele Torneio Nacional, que seria de tiro curto, iniciado já em outubro. Seria o primeiro título de primeira divisão também do próprio Labruna como treinador, profissão onde seria igualmente vitorioso. Seu sucessor no River, por sinal, era brasileiro: o ex-craque Didi, em alta no futebol argentino após ter desclassificado a seleção da Copa de 1970 treinando o Peru.

A longo prazo, o trabalho do Príncipe Etíope ficou bem reconhecido por ter promovido e bancado diversos jovens da categoria de base fundamentais quando o jejum enfim caiu. O problema é que, na gestão do brasileiro, eles ainda estavam verdes demais para chegarem longe, embora naquele Nacional até dessem pinta de campeões. O torneio reuniu todos os participantes do Metropolitano, exceto os dois rebaixados, além do melhor time interiorano do Nacional de 1970 (O Gimnasia de Mendoza, 5º colocado e cujo craque Víctor Legrotaglie se permitia recusar Real Madrid e Internazionale) e vencedores das ligas regionais de Bahía Blanca, Chaco, Chubut, Córdoba, Mar del Plata, Mendoza (com o San Martín juntando-se ao rival Gimnasia), Misiones, Salta, Santiago del Estero e Tucumán. 28 clubes se dividiram em dois grupos com jogos em turno único. Os dois melhores de cada travariam semifinal e final em jogos únicos em campo neutro.

A mitológica “Palomita de Poy”, na outra semifinal, um clássico histórico entre Newell’s e Central

E o resto do país soube se valorizar naquele Nacional. Na tabela de artilheiros, os líderes foram José Luñiz, do Juventud Antoniana de Salta, e Alfredo Obberti, do Newell’s (e futuro maior goleador estrangeiro que o Grêmio teve no século XX). Um dos vice-líderes foi Eduardo Quiroga, do Belgrano de Córdoba, terceiro colocado no Grupo A – perdeu por dois pontos a vaga para o Newell’s de Obberti. Já o quarto na artilharia foi Pablo Díaz, do Central Córdoba de Santiago del Estero. Coletivamente, além da dupla rosarina, quem mais se destacou foi novamente o Gimnasia de Mendoza – que, além do craque Legrotaglie, tinha consigo também o futuro talismã da seleção nas eliminatórias à Copa de 1974, Oscar Fornari. A grande exibição dos mendoncinos foi um 5-2 fora de casa sobre o San Lorenzo.

Ironia: por um ponto a mais, o Sanloré passaria às semifinais, mas não o Lobo de Mendoza. Pois o time do Papa também era grato ao interior: seu atacante Héctor Scotta (irmão mais novo de Néstor Scotta, de papel destacado naquele 1971 pelo Grêmio no Brasileirão) terminaria em terceiro na artilharia após ter sido pinçado no Unión de Santa Fe, apesar do rebaixamento desse clube em 1970. Além do Gimnasia, o Ciclón passou raspando também pelo Boca, eliminado no critério de desempate por ter apenas um gol a menos no saldo. Os xeneizes acabaram prejudicados pelo W.O. do Huracán de Ingeniero White, lanterna que se jogasse provavelmente seria goleado e permitira a classificação boquense.

O Rosario Central de Labruna, por sua vez, tratou de impor autoridade naquela chave desde o início, estreando com um 5-1 no San Martín de Tucumán: Colman, de cabeça, abriu o marcador aos 27 e Gramajo ampliou já aos 36. Aos 5 minutos do segundo tempo, Aimar sofreu pênalti convertido por Jorge González. Aos 25, Gramajo fez outro e aos 28, Poy anotou o 5-0 para os tucumanos então descontarem a dez minutos do fim. Em seguida, bateu-se fora de casa o Central Córdoba de Santiago, placar mínimo garantido aos 4 do segundo tempo por um cabeceio de Landucci. A terceira vitória seguida veio sobre o Estudiantes, recém-finalista da Libertadores, mas já sob desmanche do fim de ciclo de quatro decisões continentais seguidas. Um novo cabeceio de Landucci aos 17 do primeiro foi corroborado pelo 2-0 assinado por Gramajo aos 22 do segundo. Na visita àquele forte Gimnasia de Mendoza, o 0-0 provou-se um resultado dos mais satisfatórios: no fim das contas, apenas dois pontos separariam essas equipes.

O irmão do Scotta que brilhou no Grêmio naquele 1971 abriu o placar na final argentina: San Lorenzo 1-0

Gramajo então acertou duas vezes as redes do Huracán de Ingeniero White (aos 9 e aos 14 do segundo) e Landucci arrancou a quinze minutos do fim um 1-0 sufocante contra o Guaraní Antonio Franco (treinado, aliás, por um velho colega de Labruna nos tempos de La Máquina do River dos anos 40 – o coringa Aristóbulo Deambrosi), pois Colman chegara a perder pênalti aos 16 do primeiro. A invencibilidade caiu na sétima rodada, e teria ares irônicos no fim dessa história. É que o San Lorenzo, com dois gols do Gringo Scotta, sapecou um 5-1 em seu estádio, sem chances aos rosarinos: Aldo Villagra descontou quando já sofriam de 4-0 para a equipe treinada pelo ex-goleiro flamenguista Rogelio Domínguez. A turbulência pareceu afetar o duelo contra o gigante seguinte, um Racing à deriva desde o fim dos anos 60 (o time de Avellaneda seria apenas 8º no grupo, bem distante do páreo) e que abriu 2-0 já aos 9 do segundo tempo em pleno Arroyito.

Os futuros campeões, porém, mostraram as cartas. Aos 25, já haviam conseguido uma virada-relâmpago. Primeiramente, o zagueiro Gabriel Arias converteu um pênalti ainda aos 17; Hugo Zavagno usando a cabeça para igualar aos 23 e ele mesmo anotou o gol da virada, garantida a sete minutos do fim por um cabeceio de Daniel Astegiano. Labruna precisou de uma licença e Griguol assumiu interinamente nas duas rodadas seguintes, sem deixar a peteca cair: mesmo no bairro de Liniers, o Central virou para cima de um Vélez recém-vice do Metropolitano (Julio Asad, primo do talismã noventista velezano Omar, abriu aos 12, Rubén Rodríguez cabeceou para empatar já aos 18 do primeiro e aos 25 do segundo o adversário Mario Olivera marcou contra) antes de uma exibição de gala: Rubén Rodríguez, Zavagno, Astegiano duas vezes e novamente Zavagno abriram um 5-0 sobre um Boca no páreo por uma das vagas. Os gols de honra boquenses só sairam nos oito minutos finais de um 6-2 inapelável.

O jogo seguinte, com Labruna de volta, foi interzonal, um Clásico Rosarino no campo rival. Os rojinegros não faziam menos feio; o Ñuls tardaria até 1974 para ser enfim campeão, por sinal justamente em clássico contra o Central. Mas o autor do gol do primeiro título leproso, Mario Zanabria (depois regente das duas primeiras Libertadores do Boca, no bi de 1977-78), já declarou que o elenco mais refinado que integrara era mesmo o de 1971 (cujo treinador, Pedro Dellacha, também ergueria duas Libertadores, com o Independiente já em 1972 e em 1975). Naquele 27 de novembro, ninguém riu: mesmo em casa, a Lepra não saiu do 0-0, enquanto os canallas se ressentiam por um pênalti perdido por Jorge González aos 10 do segundo. Pela frente, justamente o clube então comandado por Ángel Tulio Zof, o Atlanta – onde destacava-se um futuro talismã do Atlético de Madrid e da seleção espanhola, Rubén Cano.

O empate do Central em quatro quadros

No duelo auriazul no bairro portenho de Villa Crespo, os visitantes foram indigestos contra o antigo comandante: Gramajo abriu o placar aos 19 do primeiro, Landucci ampliou aos 20 do segundo e, após o desconto adversário, Zavagano selou o triunfo anotando aos 45 o 3-1 e a classificação. Labruna até manteve os titulares nas duas rodadas finais, mas mesmo em Rosario pareceu imperar um ritmo de jogo-treino: 0-0 contra o Colón e derrota de 1-0 para o Chacarita. Ainda assim, a liderança se manteve com 21 pontos, contra 20 de San Lorenzo e Boca e 19 do Gimnasia de Mendoza. Em contraste, o River de Didi chegou a liderar seu grupo e manter-se invicto até a penúltima rodada para então ver a vaga escorrer pelos dedos. Para a torcida, ficou na memória o Superclásico ganho por 3-1 com os juvenis do brasileiro contra o time principal do Boca – os jogadores principais do Millo estavam em greve e mesmo com o fim dele o a garotada foi mantida (detalhamos aqui).

Aquele Superclásico memorável foi pela 11ª rodada, gerando uma festa tamanha que os pupilos do brasileiro não venceram mais. Empataram na 12ª rodada em 1-1 com o Huracán e na 13ª (a penúltima) fizeram o famoso “jogo de seis pontos” (ou melhor, de quatro, pois vitórias valiam dois) contra o Independiente. E, mesmo no Monumental, um Rojo liderado por um dos caudilhos da greve, José Omar Pastoriza, venceu por 3-2 com direito a gol do próprio Pastoriza, um volante. Na 14ª e última rodada, 1-1 com o Ferro Carril Oeste e adeus classificação: o time de Didi ficou em quarto, a dois pontos do Newell’s e a três do Independiente. E abaixo também dos cordobeses do Belgrano. De modo cruel, o Monumental foi usado como palco neutro das duas semifinais. Em 18 de dezembro, Independiente e San Lorenzo fizeram o duelo de gigantes, a entrar para a história: pela primeira vez, houve uma decisão por pênaltis no campeonato argentino.

O Rojo havia sido o campeão do Metropolitano ao fim de uma maluca rodada final e se colocou firme na luta por algo inédito até então, o de ser campeão dos dois torneios anuais do calendário. Foi uma decisão curiosa: toda a série inicial de cinco cobranças a cada lado foi convertida. Os dois times então trocaram de arco, mas não para uma série alternada, e sim de mais duas cobranças a cada; Miguel Raimondo perdeu a primeira delas para a trave, mas nem o posterior acerto azulgrana eliminou de imediato o pessoal de Avellaneda, que ainda acertou depois com Francisco Sá. Foi preciso uma segunda cobrança cuerva, de Enrique Chazarreta, para garantir o Sanloré na decisão.

O gol da virada e do título. À direita, Poy comemora

Se uma semifinal foi o duelo de gigantes, a outra, no dia 19, não foi menos histórica, reservada a novo Clásico Rosarino, que mereceu anteontem um Especial à parte. Foi a ocasião da Palomita de Poy, um gol de peixinho considerada pelos canallas como o mais comemorado do mundo. Não é exagero: Poy precisa reencenar aquele cabeceio a cada aniversário daquele clássico. Já Labruna se permitiu desengasgar por antecipação no seu tão querido Monumental: “por sorte nos calhou o vestiário visitante… o outro tem um azar que vem desde 1957… ontem à noite usou o Independiente e já viu como lhe foi…”. Mais ironia o palco neutro da grande final, no dia 22, seria justamente o estádio do Newell’s. Mas, em tempos mais sadios das rivalidades da Argentina, a revista El Gráfico chegou mesmo a noticiar que houve torcedores rojinegros que deixaram o clubismo de lado em prol do ineditismo de ver a cidade campeã.

O feito do Central se tornaria ainda maior com o tempo também pelo ineditismo que o Independiente buscava de ser campeão dobrado no ano ser garantido no ano seguinte por um San Lorenzo que já reunia em 1971 a mesma espinha-dorsal histórica de 1972. Quem não permaneceria seria justamente o técnico Rogelio Domínguez (o ex-goleiro flamenguista saltaria ao Boca para substituir o ex-atacante vascaíno Bernardo Gandulla e veria Juan Carlos Lorenzo saborear o filé mignon com os azulgranas), a escalar Agustín Irusta, Rubén Glaria, Ricardo Rezza, Ramón Heredia e Antonio Rosl, Enrique Chazarreta, Roberto Telch e Antonio García Ameijenda, Héctor Scotta, Rodolfo Fischer e Rubén Ayala.

Outro fator a majorar a façanha centralista, claro, foi o 5-1 ocorrido apenas um mês antes, a causar soberba no próprio técnico adversário: “depois do que fizeram no sábado estes rapazes, estão para qualquer façanha. Nós já jogamos três partidas no ano e não puderam nos ganhar, inclusive chegamos a golear-lhes” foram as infelizes palavras pré-jogo de Domínguez constantes naquela matéria pós-título da revista El Gráfico. Outra declaração autoconfiante pré-jogo, de Pascuttini, foi mais certeira: “há muita fé no triunfo. Aqui em Rosario são vários os rapazes que rendem o dobro do que rendem em Buenos Aires”. Mas ele teve seu momento de crise: aos 5 minutos, seu peito rebateu um cruzamento de Telch e a bola sobrou livre para o oportunista Scotta encher a canhota para fuzilar Menutti. Mesmo 50 anos depois, ele ainda diz que a falha fez com que não desfrutasse por completo a festa.

Só que, com 23 minutos de jogo, aquele placar já estava virado. O empate começou com Poy (a exaltar hoje que nunca jogou tanto como na semifinal e na final daquele torneio) penetrando pela esquerda, servindo então para Gramajo, cujo pé esquerdo tocou na saída de Irusta. A tática se repetiu no 2-1: o iluminado Poy (que em 1974 se tornaria o primeiro jogador a representar o clube em uma Copa do Mundo, ao lado do futuro colega Mario Kempes) venceu Heredia na linha de fundo esquerda e rolou a bola à área. Rezza até tentou afastar, mas seu toque na bola foi apenas isso mesmo, um toque e não um chutão – ela sobrou em boas condições para Colman encher o pé direito rumo ao segundo pau e correr para o abraço.

E os homens de Labruna não se acomodaram: pressionaram bastante pelo restante do primeiro tempo, com um voleio de Poy rendendo a defesa mais destacada de Irusta. Enquanto os rosarinos atacavam com até sete homens, o San Lorenzo resumia sua referência ofensiva em Fischer – o futuro ídolo botafoguense, contudo, era anulado por Fanesi. No segundo tempo, houve mais equilíbrio de posse de bola, mas só. O lance perigoso mais agudo foi do Central, com Irusta salvando uma bomba de Bóveda, enquanto o Ciclón perdia Fischer para uma lesão inoportuna em dividida com Jorge González aos 24 minutos.

Hugo Promanzio substituiu Fischer ao mesmo tempo em que Labruna reforçava sua defesa trocando Bóveda por Miguel Bustos, com uma “intenção clara: é preciso segurar a bola, escondê-la se puder”. Os chuveirinhos finais dos azulgranas tentavam encontrar Scotta, mas terminaram facilmente repelidos por Pascuttini ou Fanesi ou ainda segurados por Menutti. O precoce 2-1 se manteve até o fim e foi suficiente para o Rosario se converter em uma cidade “que não pensa em dormir”, emendando a glória com a noite feliz de comemora seu aniversário oficial de fundação precisamente em uma véspera de natal. Mas era com já com ares de carnaval antecipado que a festa de 22 de dezembro de 1971 começou  as idas e vindas na década mais gloriosa do clube e do interior argentino, como se nota nos Especiais dedicados aos outros títulos do Central no século XX.

40 anos do 2º título argentino do Rosario Central (nota de 2013 sobre o título do Nacional 1973)

35 anos do 3º título nacional do Rosario Central, com Edgardo Bauza de artilheiro (nota de 2015 sobre o título do Nacional 1980)

Rosario há 25 anos: Central (bi)campeão argentino, Newell’s vice (nota de 2017 sobre o título da temporada 1986-87)

25 anos de uma das maiores reviravoltas do futebol: a Copa Conmebol do Rosario Central (nota de 2020 sobre a Copa Conmebol 1995, sobre o Atlético Mineiro)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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