Há 45 anos, enquanto o futebol argentino chorava Bernabé Ferreyra, o Independiente concluía a largada para a fase mais brilhante de sua história. Na noite de uma quarta-feira útil de 24 de maio, véspera do feriado nacional da independência argentina, a equipe de Avellaneda sagrava-se, pela terceira vez, campeã da Taça Libertadores da América. Foi o primeiro dos quatro títulos que o Rojo abocanharia em seguida na competição – ainda hoje um recorde que, de quebra, o fez ali o maior vencedor do torneio, posto que continua a ser exclusivamente seu.
O clube fora o primeiro argentino a vencer La Copa, e também o primeiro a consegui-la duas vezes, em um bicampeonato seguido em 1964 e 1965. Até 1972, ele recebera a companhia de outros conterrâneos entre os campeões: o arquirrival Racing, em 1967, e o Estudiantes de La Plata, que emendou um tri consecutivo de 1968 a 1970, até então a marca recordista de conquistas em série na Libertadores. Os platenses também haviam se tornado os maiores campeões, juntamente com o Peñarol.
Outras mudanças passavam pelo elenco. Grandes ídolos da década de 60, que já era a melhor da história dos diablos (além das duas Libertadores, faturaram quatro títulos argentinos entre 1960 e 1970), já não se faziam mais presentes. Eram os casos de Roberto Ferreiro, Raúl Savoy, Raúl Bernao, Tomás Rolán, Luis Artime, Rubén Navarro, Héctor Yazalde, Luis Suárez, Pablo Maldonado, Idalino Monges, David Acevedo, Vicente de la Mata (o filho), Mario Rodríguez, Osvaldo Mura e Aníbal Tarabini. Da década anterior, ainda restavam Miguel Ángel Raimondo, Eduardo Commisso, Eduardo Maglioni, José Omar Pastoriza e o uruguaio Luis Garisto.
Mas, dentre os vencedores da Libertadores, só remanesciam outro uruguaio, o lateral e capitão Ricardo Pavoni, e o goleiro Miguel Ángel Santoro. Aquele que viria a ser maior mito do clube, o então jovem Ricardo Bochini, já pertencia ao plantel, mas esquentava o banco. Só viria a ser usado pela primeira vez no mês seguinte à conquista de 1972, e faria sua estreia no torneio somente na finalíssima de 1973. Quem completava a equipe-base eram os novatos Francisco Sá, Agustín Balbuena, Rubén Galván, Miguel Ángel López, Alejandro Semenewicz e Hugo Saggioratto – este, na vaga de enganche que futuramente perderia para Bochini.
Dos novos nomes, destaque especial a Sá, que viria a ser o maior campeão da Libertadores, com seis (estaria em todo o tetra seguido do Rojo e nos dois primeiros títulos do Boca, no bi xeneize de 1977-78). O Independiente chegara à Libertadores de 1972 após vencer um tira-teima com o San Lorenzo na neutra Bombonera, gol do Pato Pastoriza. Era o duelo entre o campeão do Metropolitano com o vice do Nacional do ano anterior; foi a primeira vez que o Metropolitano possibilitou classificação à Libertadores, cujas duas vagas até então eram do campeão e vice do Nacional (foi como vice nacional de 1967 e não como campeão metropolitano que o Estudiantes chegara à vitoriosa Libertadores de 1968).
O Metropolitano de 1971 fora conquistado de forma dramática: este campeonato chegou à última rodada quase que entregue ao Vélez, que estava na liderança e contava com o superartilheiro Carlos Bianchi (36 gols, precisamente a melhor marca dos últimos 62 anos na Argentina). A equipe de Liniers, porém, acabou perdendo, dentro de casa e de virada, para um irregular Huracán, sendo dramaticamente ultrapassada pelos vermelhos (que derrotaram o Gimnasia LP). Além de representar um novo troféu, o Metropolitano de 1971 foi especialmente festejado também por fazer seu vencedor ultrapassar o arquirrival Racing dentre os campeões argentinos no profissionalismo.
A Libertadores, na época, possuía um regulamento bem rigoroso, com apenas o líder de cada grupo avançando para as semifinais. A chave inicial do Rojo em 1972 era composta ainda pelo Rosario Central (que faturara o Nacional de 1971) e dois colombianos: outro Independiente (o Santa Fe, de Bogotá) e o Atlético Nacional, de Medellín. Os estrangeiros não estiveram à altura, somando apenas uma vitória, no triunfo caseiro do Independiente Santa Fe sobre o Nacional, que empataram no outro confronto doméstico.
O páreo, então, sobrou para os dois argentinos. Nisso, acabaram pesando as disputas diretas, com os de Avellaneda logrando um empate na partida inicial, no Gigante de Arroyito, e uma vitória na Doble Visera. Destaque aos dois gols do Pato Pastoriza, ambos em cobranças de falta com curvas perfeitas. Bastava até empatar na última rodada com o Atlético Nacional em casa para carimbar a presença nas semifinais, e conseguiu-se um 2-0, restando inútil a vitória, pelo mesmo placar, dos rosarinos sobre o outro Independiente.
O Tricolor (que, por sinal, seria o derrotado na decisão de 1974), porém, pecara diante do outro membro da chave, o Barcelona de Guayaquil, do quase aposentado Alberto Spencer (o maior artilheiro da história da Libertadores, goleador do grande Peñarol dos anos 60). Os equatorianos disputaram as quatro primeiras partidas do grupo, empatando as duas diante dos brasileiros.
As semifinais não reuniam quatro equipes em dois mata-matas, como atualmente, e sim seis, divididas em dois grupos com três em cada disputando partidas de ida e volta por um lugar na final. A única derrota do Independiente na campanha viria aí, contra o São Paulo, na capital paulista, gol solitário de Toninho Guerreiro (um dos quatro artilheiros daquela Libertadores) no fim do jogo, punido a estratégia excessivamente defensiva do técnico Dellacha.
Os argentinos também empataram fora de casa contra o Barcelona, mas souberam vencer em seus domínios, com algum escândalo: os equatorianos se retiraram do campo em protesto após a expulsão de León. O árbitro então antecipou o fim do jogo. Com isso, a derrota para o São Paulo, se revertida em Avellaneda, lhes permitiria avançar à final e foi o que aconteceu, com um 2-0, gols do Mencho Balbuena (um gol olímpico! Saggioratto chegou a disputar no ar com o goleiro Sérgio e o uruguaio Pablo Forlán, mas a bola não tocou em nenhum deles antes de entrar) e de Dante Mírcoli. Raimondo e Maglioni saíram lesionados, mas festa não faltou em La Gata Alegría, a pizzaria de Pastoriza em La Boca, onde os vitoriosos se reuniram depois.
A final teria pela primeira vez um time peruano, o Universitario. Eram os anos dourados do futebol do Peru. Sua seleção portava-se na época como a força sul-americana alternativa ao trio Argentina-Brasil-Uruguai, papel que as gerações atuais acostumaram-se a ver no Paraguai: seria campeã continental em 1975, na primeira vez em que o nome Copa América foi utilizado para a competição. Em 1970, comandada por Didi, ela soubera dar trabalho ao Brasil nas quartas-de-final da Copa do México, mundial para o qual fora após eliminar a Argentina em plena La Bombonera.
Como no cenário peruano os craques estavam espalhados em vez de, como no Uruguai e Paraguai, estarem concentrados em poucos times, porém, suas equipes não chegaram a ter grande sucesso internacional naquela época. Mas o Universitario conseguiu ser uma exceção, tendo outros dois artilheiros daquela Libertadores: Oswaldo Ramírez, autor dos gols que haviam eliminado a Argentina na Bombonera, e Percy Rojas (o outro goleador da edição também foi peruano – Teófilo Cubillas, do rival Alianza Lima). O outro único clube do país a chegar à final do torneio seria o Sporting Cristal, que perdeu em 1997 para o Cruzeiro.
O oponente dos argentinos em 1972, por sua vez, deixara para trás nas outras semifinais simplesmente a dupla uruguaia Nacional (detentor do título) e Peñarol, em um grupo equilibradíssimo em que todos terminaram com quatro pontos. La Crema (apelido alusivo ao uniforme bege) terminou favorecida pelo melhor saldo de gols. Além da dupla artilheira Ramírez e Rojas, contava com outro nome importante, o zagueiro Héctor Chumpitaz. O técnico uruguaio Roberto Scarone acabaria sendo empregado também pela seleção de seu país. Havia alguma honra em jogo do lado argentino, estando fresca as expulsões a rodo que haviam marcado um Boca x Sporting Cristal no ano anterior.
O Independiente utilizou praticamente o mesmo time nas duas contendas. Em Lima, ela ficou sem gols. Na Doble Visera, os titulares dos mandantes foram Santoro; Commisso, Sá, Garisto e Pavoni; Pastoriza, Raimondo e Semenewicz; Balbuena, Maglioni e um deslocado Saggioratto (originalmente, um armador). O técnico era Pedro Dellacha. Ele, que venceria com o clube também no “fechamento do ciclo”, em 1975, ironicamente fora, como zagueiro nos anos 50, um dos maiores ídolos do Racing. A única modificação em relação ao onze inicial que ele escalara em Lima, uma semana antes, foi a entrada de Maglioni no lugar de Mírcoli. Maglioni havia sido poupado após estirar a coxa contra o São Paulo.
Mírcoli era o artilheiro do time, com 4 gols, mas só entraria já no decorrer da segunda partida (no lugar de Saggioratto), quando Maglioni já demonstrava que o substituíra à altura: mesmo não sendo tecnicamente muito hábil, este sabia usar os dois pés para vazar as redes. E com eles fez os dois dos tricampeões naquela noite de 24 de maio de 1972, contra a formação Humberto Ballesteros (argentino ex-River), Eleazar Soria, Fernando Cuéllar, Héctor Chumpitaz, Julio Luna, Rubén Techera, Luis Cruzado, Hernán Castañeda, Juan Muñante, Percy Rojas e Oswaldo Ramírez.
O primeiro veio logo aos 6 minutos do primeiro tempo, com Maglioni enchendo a canhota após receber passe de Pastoriza (em impedimento, de acordo com a imprensa peruana. Já os argentinos ressaltaram a assistência de calcanhar de Pastoriza) para bombardear a bola no canto direito. Também aos 6 minutos, mas da segunda etapa, Pastoriza deu-lhe nova assistência, agora completada para o gol com a direita mesmo com o centroavante prensado por Cuéllar. Maglioni terminou especialmente emocionado: “fiquei dez dias na cama, sem me mexer, para jogar a final”. Havia suplicado aos médicos para jogar, prometendo que faria gol e sairia. Cumpriu, sendo substituído por Manuel Magán.
La U já vinha pressionando e continuou a fazê-lo, conseguindo botar algum fogo na partida ao descontar a onze minutos do final, em um chorado gol de Rojas em bate-rebate na pequena área. Ele, por sinal, viria a ser um ídolo no próprio Independiente. Participou do último capítulo do tetracampeonato, em 1975 (marcando outra vez nas finais), ano em que venceu também com sua seleção, na referida Copa América (em que o Peru eliminou o Brasil nas semifinais, então em duas partidas, vencendo dentro e fora de casa).
Ao fim, ambos foram aplaudidos pelo fair play: “um agradecimento final para o Universitario e para o Independiente. Porque limparam a Copa Libertadores, que havia ficado manchada com os incidentes dos últimos tempos, com o uso e abuso da consigna feroz e selvagem do triunfo do mais forte a qualquer preço, com o uso e abuso da irritação e o ressentimento dos quem não queriam perder. O do Independiente e Universitario foi admirável. O do Independiente, através de toda a Copa, com atuações invariavelmente francas e honestas”, escreveu a El Gráfico.
O reencontro com o troféu da Libertadores credenciou que quatro de seus campeões em 1972 compusessem a equipe titular que a Argentina viria a utilizar no mês seguinte, em meio às disputas da Taça Independência, no Brasil: Santoro, Raimondo, Semenewicz e Pastoriza. Foi um torneio com vinte seleções comemorativo dos 150 anos da independência brasileira. A Albiceleste ficou na terceira colocação. Mais Rojos do que nunca (o time passara a habitualmente deixar de lado os tradicionais calções e meiões azuis-marinhos por um uniforme todo vermelho), os diablos iniciavam há quarenta e cinco anos uma série de dominação jamais vista antes ou depois na mais importante competição de clubes sul-americanos. O Independiente passaria então a ostentar o apelido que mais lhe orgulha: El Rey de Copas.
Versão revista e atualizada deste Especial publicado nos 40 anos, em 2012.
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