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40 anos do Huracán campeão pela última vez

Buglione, Chabay, Russo, Basile e Carrascosa; Houseman, Brindisi, Avallay, Babington, Larrosa e Roganti: time-base que encantou no primeiro turno

Parque de los Patricios, embora não esteja longe do centro turístico, não é um bairro pop para o grosso dos visitantes de Buenos Aires, associado à classe trabalhadora/média baixa. Mas, aos que veem beleza e charme na decadência da capital, poucos lugares reproduziriam isso tão bem. O bairro parece parado no tempo em relação às zonas mais finas – reflexo disso é que só recentemente o metrô o alcançou. Em seu ar mais cadenciado, 1973 parece não ser tão distante. Sensação reforçada pelo Huracán, emblema de Parque Patricios, não ter mais vencido a elite desde então. Vamos então recapitular rodada a rodada aquela conquista via El Gráfico.

Se o Globo não é campeão há 40 anos, na ocasião encerrou um jejum de 45, desde os anos 20, década em que fora uma potência: seus quatro títulos anteriores vieram nela, época em que contava com Guillermo Stábile, artilheiro da primeira Copa do Mundo, e Cesáreo Onzari, autor do primeiro gol olímpico. Entre 1928 e 1973, as taças se resumiram a pequenas Copas oficiais, mas de importância crescentemente desbotada, fazendo o outrora “sexto grande” distanciar-se do grupo oficial dos cinco: o rival San Lorenzo, Boca, River, Racing e Independiente. San Lorenzo que, no ano anterior, se tornara o primeiro a vencer tanto o Metropolitano quanto o Nacional, os dois torneios anuais do país (veja).

A resposta quemera foi quebrar em altíssimo nível a seca, com um futebol vistoso, ofensivo e limpo e, enfim, campeão. Um título que ressoaria meia década mais tarde: a Argentina venceu pela primeira vez a Copa do Mundo em 1978 tendo consigo o técnico César Menotti, que chegara à seleção credenciado por seu trabalho naquele Huracán hoje quarentão. Clube que, até dois anos antes, era comandado por nada menos que Osvaldo Zubeldía, de estilo bem oposto, mais aguerrido e mecanizado à europeia: era o técnico do mal afamado Estudiantes tri seguido na Libertadores 1968-70, e “mestre” de Carlos Bilardo, jogador daquele Estudiantes e futuramente o outro técnico campeão mundial com a seleção, em 1986, com um estilo à la Zubeldía e naturalmente rival ao de Menotti.

Em 1971, o clube tinha nada menos que a base de 1973 mesclada com ídolos sanlorencistas: Alberto Rendo (que na verdade voltava ao Huracán), Héctor Veira e Narciso Doval, emprestado pelo Flamengo, estavam lá. Só que houve muita irregularidade; ainda em 1971 Menotti veio. Já estavam Miguel Brindisi, Carlos Babington, Daniel Buglione (crias do clube) e o experiente centroavante Roque Avallay, campeão da Libertadores com o Independiente nos anos 60. Do rival deste, o Racing também campeão da Libertadores, chegaram naquele 1971 os defensores Alfio Basile (que declararia que “aquele Racing logrou tudo, este Huracán é mais vistoso”)  e Nelson Chabay. Do Platense, o volante Francisco Russo.

Menotti é o primeiro sentado na grama, da esquerda para a direita

Completaram a base o goleiro Héctor Roganti, vindo em 1972 das inferiores, e três da seleção-base que Menotti prepararia para a Copa 1978: o lateral-esquerdo Jorge Carrascosa, que só não jogou a Copa – era “só” o capitão da seleção na época dela – por desistência; e os pontas Omar Larrosa e René Houseman, presentes na decisão. Carrascosa vinha do Rosario Central, onde Menotti fora ídolo como jogador. Larrosa, mal aproveitado no Boca, vinha da Guatemala. E Houseman havia acabado de ser, em 1972, campeão da 3ª divisão com o nanico Defensores de Belgrano.

O esquema de Menotti foi um 4-3-3 com Carrascosa e Chabay nas laterais; Basile e Buglione na zaga central; Russo como meio-de-campo recuado com Babington, pela esquerda, e Brindisi, pela direita, fazendo a ligação com o ataque do trio Larrosa-Avallay-Houseman, por vezes trabalhando como um quinteto com as chegadas de Babington e Brindisi. Houseman não se atrevia só com meias arriadas: esperado como um alemão loiro, corpulento e alto, chegou como um moreno esmirrado e baixinho que surpreendia com os dribles. Em 17 de maio daquele 1973, já fazia sua primeira aparição pela Argentina, que na época tinha Brindisi como jogador que mais vezes a defendeu – ele pararia nos 46 jogos. Houseman também seria dono da marca, chegando posteriormente até os 55.

Avallay e Babington também eram frequentes na seleção. Ela é que seria o maior obstáculo à taça: a grande fase inicial “submeteu” regularmente os craques quemeros às eliminatórias à Copa 1974, desfalcando muitas vezes o time. O rendimento caiu e o destaque maior ficou para o caudilho Basile. Mas o grande aproveitamento já obtido permitiu que o clube fosse campeão com duas rodadas de antecipação mesmo perdendo, em casa, para o Gimnasia LP. Nada que atrapalhasse famílias inteiras (“até os cachorros”) do bairro de soltarem naquele 16 de setembro um grito de “campeão” preso havia quase meio século. Já falamos aqui aqui, mas é necessário um texto mais longo que o normal.

Lamentos há 40 anos, mesmo, ficaram para ausências: Avallay, Babington e Brindisi estavam no Paraguai pelas eliminatórias da Copa 1974. Mas, mesmo ali, houve comemorações de fãs na frente do hotel, tanta que o técnico da seleção, Omar Sívori, teve que deixar os três descerem. Outra muito sentida foi a de Herminio Masantonio, maior goleador do clube mas que nunca fora campeão argentino por ele. Masa, que pela Argentina jogou 19 vezes e marcou 21, brilhara nos anos 30 e 40 e falecera já nos 50. “El de Menotti y de Roganti/de Carrascosa y de Chabay/El de Buglione, Russo y Basile/Arriba Globo, dale Huracán/Es el de Babington y Brindisi/El de Larrosa y de Houseman/Y Masantonio allá en el cielo/Está aplaudiendo a Roque Avallay” foi a música que embalou tudo.

Houseman, olhando para um lado, o branquelo Babington para o outro, Larrosa (agachado), Avallay e Basile para a câmera. À direita, o capitão Carrascosa

A sofrida gente de Parque Patricios, naturalmente ligada ao peronismo, via seu time renascer na mesma época em que Juan Domingo Perón voltava à presidência. O clube ainda chegou perto em 1975 e 1976, ano do golpe militar que derrubou Isabelita Perón, viúva e vice do general. Para não parecer que os elogios são romantismo alimentado pela nostalgia, usaremos primordialmente relatos da época, via textos da principal revista esportiva do país, a El Gráfico, sobre aquele espetacular 1º turno que praticamente garantiu a taça. Em itálico, datas. Em negrito, manchetes relativas aos resultados:

4 de março: 6-1 Argentinos Jrs. A goleada do Huracán: “Foi um arranque impressionante. Com toda a potência goleadora que se vislumbra quanto a bola cruza a metade da cancha e se inicia a vertigem do contra-ataque. Com toda a capacidade de toque rápido e tiroteio que são capazes de empregar Brindisi, Avallay, Babington e Houseman. Foram seis gols no Argentinos Jrs. Para todos os gostos e em todos os estilos. Foram seis gols e poderiam ser mais. (…) Este Huracán demonstrou que quando a bola está no poder de seus atacantes, cada avanço traz metido o sabor do gol”.

9 de março: Newell’s 0-2. Huracán segue metendo gols: “O Globito mostra uma vocação inquebrável: o gol (…). Os locais foram aos vestiários com vários problemas a resolver. Todos esses problemas criava o Huracán: os movimentos de Russo bloqueando junto à linha de quatro mais o retrocesso de Babington e Brindisi, que também se juntavam atrás na espera. Mais  a incrível dinâmica de Omar Larrosa para correr gente, que lhe tapava todas as possibilidades de definir com claridade superando a zona dos três quartos de cancha. (…) O Huracán já era o dono absoluto da partida. (…) O Huracán seguia juntando. O Huracán seguia tocando. O Huracán seguia chegando. Fiel a esse futebol que já é religião. Por isso, Avallay afirmava que o Globo está para campeão”.

Parêntese político: em 11 de março, ocorreram as primeiras eleições livres na Argentina em dez anos, após período ditatorial sob os generais Juan Carlos Onganía, Roberto Levingston e Agustín Lanusse. Perón estava exilado na Europa desde o golpe de Estado sofrido em 1955. As eleições foram ganhas por Héctor Cámpora, peronista de esquerda (sim, há diversas vertentes do peronismo), gerando expectativa de anistia ao viúvo de Evita.

Houseman fez muita falta em 2009 contra o Vélez; Brindisi e Avallay, que segundo a El Gráfico deveria poder usar “granadas de mão” contra quem o golpeava, celebram goleada

18 de março: 5-2 Atlanta. Ao Huracán já não se pode pedir: joga, ganha e goleia: “Joga porque isso é o que pretende Menotti e porque pode. E a identificação entre o técnico e seus dirigidos já amadureceu o necessário. (…) Este Huracán que vi domingo entusiasma com um fervor contagioso. (…) Isso é futebol para todo o mundo, porque tem beleza e contundência, porque é limpo e agressivo, porque acaricia e mata… (…) Se isto do domingo se repete, aceite minha sugestão. Mesmo que você seja do Boca, do River ou do Racing, vá ver o Huracán. Vá, que não se arrependerá. E o preço do ingresso – apesar do aumento – lhe parecerá barato…”. Na mesma edição, a revista mencionou “a extraordinária eficácia do Huracán nas três primeiras rodadas (marcou 13 gols)”.

25 de março: Colón 1-3. Santa Fe também o comprovou: que futebol tem o Huracán!: “O Colón não representou perigo nem problema. A partir do golaço do Inglés [Babington], na cancha houve uma só equipe: o líder do campeonato. (…) Apenas passada meia hora de jogo, Guerreño e Brítez estavam advertidos por agarrar e golpear Houseman. Esses dois cartões amarelos estavam indicando uma verdade: para parar o pibe de Bajo Belgrano, os defensores colonistas deviam apelar a qualquer recurso desleal ou violento.” Na eleição de melhores momentos do mês, o Globo já apareceu como melhor time, e o melhor gol foi um de Babington nesse jogo.

“O líder do certame mostrou a riqueza, a harmonia e a contundência de seu jogo em toda a cancha. Não só nas zonas onde acionam SEUS CINCO ATACANTES, que é a grande conquista tática, estratégica e humana desta equipe a qual vale a pena ver e aplaudir, como aplaudiu a mesma torcida colonista. Atrás dessa linha ofensiva, há um relógio como Russo, um caudilho como Basile, um marcador como Carrascosa, um homem de ofício como Chabay e um correto goleiro como Roganti”. Em outra nota, a revista destacou “a notável campanha do Huracán”: “com seu novo triunfo e os 16 gols convertidos, o Huracán passou a ser a equipe do profissionalismo que ganhou as quatro primeiras partidas de um campeonato com maior número de gols”.

4 de abril: 5-0 Racing: “a partir dos 20’ da segunda parte, a grande festa do Huracán. O primeiro golaço de Avallay e toda a tribuna aplaudindo. E aplaudindo até o final. Quatro gols mais que não só importam a cifra, mas a qualidade de todas as jogadas prévias”. Sim: todos os cinco gols saíram a partir dos 20 do segundo tempo… em outra nota, se destaca que o Huracán nunca havia ganhado mais de cinco jogos seguidos ao começar um campeonato.

O camisa 10 era o “Inglês” Babington, titular com Carrascosa, Brindisi e Houseman na Copa 1974 (Avallay só não foi por lesão) e técnico que tirou o time da segundona em 1990 e 2000. Como presidente é que não foi unanimidade…

7 de abril: Vélez 0-1. Certeza que o Quixote era torcedor do Huracán, Sancho do Vélez…: “Que foi o Vélez? Cérebro. Cálculo. Qual foi seu argumento? Impedir. Destruir. (…) A favor dos golpes que supõem fortaleza, virilidade, está denunciando, justamente, consciência de inferioridade, pusilânime dependência. (…) No sentido prático e realista dos Sanchos, está contemplada a importância de Houseman. Que Sancho ganhou muitas vezes? Sim. Geralmente ganha. Todos os dias sucumbimos ante seu grande sentido prático e realista da vida. Mas não conquista. Não seduz. Não enamora”.

12 de abril: 3-3 Estudiantes: “Excelente desempenho do Estudiantes na primeira meia hora, concretando um 2-0 surpreendente e justificado. Depois, ao levantar Huracán pelo trabalho de Brindisi, Houseman e Larrosa, começaram as fricções. Descontou Huracán, foi expulso Medina, Estudiantes conseguiu o 3-1 mediante um penal executado três vezes, e até o final foi assédio permanente do Huracán contra uma defesa reforçada e o goleiro que fazia cera. Pôde ganhar o local por sua maior ofensiva, mas alcançado o empate, entrou no jogo do Estudiantes”.

22 de abril: River 1-0. Isso é futebol, senhores!: “River conseguiu seu gol mediante um penal (…) a só 120 segundos do apito final. (…) Assim caiu o invicto Huracán em Núñez. Assim se apoleirou o River no alto da tabela.(…) Fica o grande saldo de um jogaço protagonizado por duas equipes que entram no campo com a mesma filosofia futebolística: jogar, atacar, buscar gols, brindar-se generosa e invariavelmente pelo espetáculo”. O River ganhou de pênalti, o Huracán perdeu dois. Outra nota destaca o “grande respeito pela bola, pelo adversário e pelo público” dos dois times. E Avallay afirma que La Quema “está jogando igual que no ano passado. Mas agora temos um pouco mais de experiência”.

27 de abril: 2-1 All Boys. Nem Huracán na ponta, nem All Boys último: “A partir da última sexta-feira, necessito destacar outro atributo talvez mais destacado. Que esse Huracán, com essa convicção, com essa modalidade, com essa higiene para ‘tratar’ seus compromissos, contribui a gerar partidas como essa que vimos frente ao All Boys. Huracán, na ponta da tabela. All Boys, modestamente em último. E, apesar disso, foram iguais. Porque este Huracán carece de armadilhas. (…) Sai a jogar e nada mais que a jogar. Sai a ganhar e nada mais que a ganhar. E, então, convida, estimula o rival que jogue. (…) Não há colisões, não se veem fricções. Não se contabilizam interrupções. Isso elogiamos às duas equipes”. Outra nota destaca que o líder só vem vendendo menos ingressos que os gigantes Boca e River. O gol de Houseman contra o Vélez e a derrota para o River são eleitos o melhor do mês.

Brindisi em uma das seis capas do Huracán 1973 na El Gráfico; Larrosa, artilheiro do campeão com 14 gols, seguido por Basile; e Houseman carregado do violento clássico contra o San Lorenzo

6 de maio: Rosario Central 0-5. Huracán passeou por Rosario. Paravam para vê-lo…: “Ali dentro havia uma equipe jogando futebol. Ali dentro havia um loco que quer divertir-se e divertir aos que estão fora. Quem é esse cara? De onde saiu esse atrevido que se burla de todos os que nos sentimos sensatos? Sabe quem é? René Houseman. Um pibe que apareceu no Huracán em apenas, apenas onze datas (…). Leva onze datas e já o identificamos todos. Mas, ocorre que não podemos defini-lo ninguém”.

“Vi uma grande equipe. A tal ponto que me custa determinar se o Central produziu uma baixa atuação. Porque está é a conclusão mais comum. Foi superado. Imensamente superado por um grupo de onze jogadores que sempre controlaram a partida. Que sempre foram os únicos proprietários de tudo. Do ritmo, da pausa, da surpresa. Do aspecto defensivo. Do aspecto ofensivo. E por último, dos gols. Dos cinco gols que deviam ou podiam ser mais”. Outra nota destaca o Huracán como o time mais goleador das 10 primeiras rodadas dos últimos 35 anos.

13 de maio: 2-0 Chacarita.Tratando-se do Huracán, pode-se dizer isto: ganhou só por dois gols de diferença: “Dois a zero. E sem jogar bem. Tratando-se do Huracán, é quase um fracasso. Que mal se acostuma a gente!”. Outra nota atesta que, após início promissor, o Globo foi freado pelo visitante. “No segundo tempo, diminuiu a produção da maioria dos protagonistas e as expulsões completaram um espetáculo muito pobre”. Os dois expulsos eram do Chacarita.

20 de maio: Independiente 1-2. Ao Huracán lhe alcançaram duas explosões: “Ao Huracán, agora, se lhe exige que ganhe sempre por seis gols e com baile. E isso não se pode dar sempre”, reclamou Menotti. O jogo mal começou e em 12 minutos o Huracán já ganhava por 2-0, com destaque para um de Brindisi logo no início em que “a bola correu 80 metros, passou pelos pés de vários jogadores do Huracán sem que nenhum do Independiente a tocasse e a jogada finalizou com a mesma clareza que arrancou desde o fundo”. Mas o rival equilibrou depois, com destaque para uma promessa que dali a uns meses se tornaria herói na Intercontinental, a primeira roja: “esse pibe Bochini foi quem mais nos complicou. Não podíamos tirar-lhe a bola (…). É um jogadoraço”, afirmou Babington.

Parêntese político: em 25 de maio, o eleito Héctor Cámpora tomou posse como presidente argentino.

Depoimentos de personalidades “quemeras” sobre o título (clique para ver ampliado): Masantonio recordado três vezes. O de Bonavena foi mencionado no especial de boxe

27 de maio: 5-2 Ferro Carril Oeste. Parque de los Patricios: Palácio do Gol: Huracán abriu o placar, Ferro terminou o 1º tempo virando para 2-1. Mas “ao Ferro se podia pedir a façanha de virar aquele 1-0 do começo, mas não se pode pedir o milagre de modificar este 4-2 em 20 minutos. (…) Apenas um tempo. E alcançou para golear. (…) Quatro gols, um penal errado e o pé levantado do acelerador porque já não fazia falta. Parque de los Patricios, em sua hora mais gloriosa, tem algo mais que a satisfação de ter o cômodo líder do Metro. Tem a alegria de saber que os triunfos não saem de uma complicada máquina de fazer resultados. Parque de los Patricios, templo do toque, a habilidade e o atrevimento. Parque de los Patricios – hoje – palácio do gol”. Em outra nota, novamente o Huracán está entre os melhores do mês, no quesito jogo, contra o Rosario Central, e gol, de Brindisi contra o Independiente.

1 de junho: Gimnasia LP 2-2. A revolução do Huracán já está no povo: “para quem se guia pelos resultados, este empate não supõe um descenso na revolução ganhadora do Huracán. A revolução segue em marcha… E, a despeito do resultado, (…) foi a equipe com maior hierarquia e com maior clareza desde a saída até a chegada”.

10 de junho: 2-2 San Lorenzo. Até que o San Lorenzo se lembrou de jogar futebol, tudo era do Huracán: “o que fez o San Lorenzo durante o primeiro tempo foi lamentável como expressão de futebol e de conduta. O cartão vermelho que expulsou Glaria chegou com bastante demora, quando Avallay e Houseman haviam sido reiteradamente golpeados por defensores do San Lorenzo que confiavam em sua total impunidade. Logo quando viram que não gozavam de ‘imunidades especiais’, os jogadores visitantes se dedicaram à sua missão específica de jogar com a bola e não com o físico de seus rivais. Os jogadores do San Lorenzo demonstraram que sabem jogar muito bem sem necessidade de apelar sistematicamente à intimidação e violência”.

“O Huracán não participou nunca do jogo sujo, nem ainda como represália, e, se decaiu na segunda etapa, não foi por falta de virilidade ou excesso de suavidade, mas porque é uma equipe invariavelmente honesta. Se os juízes não defendem as equipes que jogam lealmente das agressões perpetradas por adversários que se sentem ‘mais machos’ porque os amparam arbitragens contemplativas, seguiremos sem ter futebol ofensivo nem atacantes com gol na República Argentina”.

Houseman, Brindisi e Avallay juntos na seleção, ironicamente a maior inimiga daquele Huracán. E Basile erguido na volta olímpica

“Alguma vez, disse Borocotó: ‘Bernabé [Ferreyra]  tinha direito a entrar na cancha com um revólver para defender-se dos que o golpeiam’. Hoje, pensamos que o bom Roque [Avallay] tem o mesmo direito, mas com uma granada de mão (…). Quanto ao pibe Houseman, é dos que reagem e não faltará o árbitro que um dia o expulse por protestar ou devolver um golpe. Mas terá sido ‘em legítima defesa’. (…) Poderia reprovar-se o Huracán sua excessiva parcimônia, sua quase irritante falta de agressividade para arrematar seu adversário estando com um homem mais (…). Mas o Huracán chegou onde chegou com essa modalidade. (…) Perdeu um ponto por guardar fidelidade à sua linha de conduta. E o aplaudimos.”

Parêntese político: em 20 de junho, Perón, anistiado, retornou do exílio. Foi recepcionado pelo presidente Héctor Cámpora e por milhões de simpatizantes no Aeroporto Internacional de Ezeiza. Mas a ocasião terminaria em tragédia: franco-atiradores alvejaram a multidão, matando treze e ferindo cerca de 360 pessoas, no que ficou conhecido como “Massacre de Ezeiza”. A rodada seguinte registraria a pior partida do campeão.

24 de junho: Boca 4-1. “Huracán com seu argumento habitual de bola mais tocada e a busca da tabela. Boca com maior potência para desequilibrar na bola posta ao vazio e na velocidade de surpreender no contra-ataque. (…) Assim se fez um trâmite de grande mobilidade e ritmo no que o Boca voltou a demonstrar sua enorme riqueza para chegar ao gol ainda nos momentos em que o Huracán era superior. Na segunda parte, legitimou sua condição de ganhador inquestionável”. No primeiro tempo, 1-1. No segundo, o Boca conseguiu dois gols em quatro minutos, a partir dos 26 disputados.

Parêntese político: em 12 de julho, o presidente Héctor Cámpora e seu vice renunciaram a seus cargos, a fim de promoverem novas eleições, nas quais Perón poderia competir.

Comoção pós-título e Menotti carregado pela torcida campeã

A partir dali, os resultados foram 2-1 no Argentinos Jrs (fora), 3-2 no Newell’s (casa), 1-0 no Colón (casa), 1-0 no Atlanta (fora), 0-0 Racing (fora), 1-0 no Vélez (casa) e no Estudiantes (fora). Aquele ímpeto arrasador acabara, mas houve aí uma série que incluiu cinco jogos sem sofrer gols: “o time de Menotti, sem ser defensivo, (…) sabe diminuir espaços para quitar projeção ao adversário”, escreveu-se na revista. Também que “computando as primeiras 23 partidas jogadas em todos os campeonatos do profissionalismo, a vantagem que logrou o Huracán é a mais ampla obtida por um líder”. Era de 7 pontos.

O clube havia somado 33 pontos em 40 disputados. “Por algo sua torcida cantou tão alegremente durante toda a partida de domingo e produz essas arrecadações que tranquilizam o tesoureiro huracanense. (…) O único medo lógico (…) é que Sívori pense um momento e leve o Inglés [Babington] à Seleção. E a verdade é que tinha que estar, não?”, escreveu-se contra o Atlanta. Em 12 de agosto, derrota para o River, 1-0 em casa. Só ele venceu duas vezes o campeão e naquele momento ficou 4 pontos atrás, na vice-liderança. “O grande ciclo do Huracán começou em 30 de agosto de 1972, quando ganhou do Boca (5-1) em Parque Patricios pelo Metropolitano. A partir de então, (…) jogou em seu campo 21 partidas dos quais ganhou 14, empatou 5 e só perdeu 2”, incluindo esta.

Dali, nova série invicta que só acabaria, ironicamente, no dia do título: 2-0 no All Boys (fora), 1-1 contra o Rosario (casa), 0-0 contra o Chacarita (fora), 1-0 no Independiente (casa) e 0-0 contra o Ferro (fora). A duas rodadas do título, já se especulava Que lindo que vai ser! no relato da vitória sobre o Independiente: “Dizem que ainda não é campeão. Isso deve ser pela tabela. (…) Nada mais que isso… porque eu penso que o que se viveu no domingo em Parque de los Patricios era um festejo definitivo. Como para pedir um violão e um bandoneón no lugar de uma máquina de escrever e conta-lo (…). O campeão da América segue rezando na cúspide de seus brasões. Mas apenas pode servir como consolo. Não há nada que fazer. (…) Agora vivemos a era do Huracán…”. O gol foi de Houseman, que só ali marcou pela primeira vez no estádio do clube.

A conquista foi selada em 16 de setembro. Data na qual cabe os últimos parênteses políticos: exatamente uma semana depois, no dia 23, ocorreriam as novas eleições argentinas de 1973, com Perón vitorioso por 62% dos votos (ele, já em dezembro, condecoraria Brindisi por este recusar-se a ir ao futebol europeu); em contraste, o dia 16 foi também a data provável do assassinato do músico de protesto Víctor Jara pelas forças armadas do Chile, que cinco dias antes haviam derrubado o presidente Salvador Allende (no dia 23, inclusive, foi a vez de falecer o escritor Pablo Neruda, cujo câncer avançado não eliminou circunstâncias suspeitas). Selada a conquista futebolística, o título do editorial seguinte da revista El Gráfico sintetizou tudo: Huracán: o campeão que todos devemos aplaudir.

Algumas filmagens daquele time campeão aparecem a partir do primeiro ao segundo minuto do vídeo abaixo. Mais abaixo, clipe que contém filmagens coloridas dos festejos na última rodada, com o vice-campeão Boca perfilado aplaudindo os campeões:

Epílogos: anúncio de jogo realizado quase um mês depois da taça (contra o Huracán, Pelé se despediu dos argentinos). E Perón condecorando Brindisi em dezembro

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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