40 anos do fim do mais longo ciclo de domínio do San Lorenzo
Ainda não houve período mais longo de dominação sanlorencista na Argentina do que os seis anos entre 1968-74. Acostumado às conquistas bissextas, o time do Papa tivera seu melhor momento entre os anos 20 e 30, com quatro troféus entre 1923 e 1933. A mesma quantidade que demorara dez anos foi conseguida naqueles seis na virada dos anos 60 para os 70. Eram tempos em que o clube do Papa ofuscava a quase todos, incluindo a dupla Boca e River. Tinha constantemente titulares na seleção, ao contrário dos períodos mais recentes, em que pese a Libertadores só ter sido vencida agora.
Foi um ciclo tão prolífico que quem pôde estar nele do início ao fim teve por décadas o recorde de profissional mais vezes campeão nos azulgranas. Era o caso do goleiro Agustín Irusta, do lateral Sergio Villar e dos volantes Victorio Cocco e Roberto Telch. Só foram deixados para trás precisamente 40 anos depois, exatamente por conta da Libertadores 2014 – ao erguê-la, o armador Leandro Romagnoli somou sua quinta taça às do Clausura 2001, Mercosul 2001, Sul-Americana 2002 e Inicial 2013.
O período teve capítulos históricos no próprio futebol argentino. Ao vencer o Metropolitano 1968 (falamos aqui), o San Lorenzo tornou-se o primeiro campeão da elite profissional invicto. As taças só voltariam após quatro anos, mas constantemente disputou as cabeças: ficou a 4 pontos do campeão Vélez no Nacional 1968, a 2 do campeão Boca do Nacional 1969 e do Independiente no Metropolitano 1970 e foi finalista do Nacional 1971. Em 1972, então, as conquistas vieram em dose dupla – logrou-se outro ineditismo, o de vencer os dois torneios do ano, Metropolitano e Nacional: veja aqui.
Em 1973, aquele timaço foi semifinalista da Libertadores (eliminado justo pelo único rival em fase ainda melhor, o Independiente, no período tetra continental seguido) e disputou o quadrangular final do Nacional. Em meados de 1974, porém, aquele ciclo vencedor parecia ter acabado. O técnico da dobradinha de 1972, Juan Carlos Lorenzo, havia ido treinar o Atlético de Madrid e levou alguns ex-comandados (o zagueiro Ramón Heredia e o atacante Rubén Ayala) ao elenco quase campeão da Liga dos Campeões de 1973-74. Um sucessor vitorioso na Europa, Luis Carniglia, ex-técnico do Real Madrid de Di Stéfano, do Milan e da Juventus, não emplacou. Também não foi duradouro Roberto Ferreiro, treinador do primeiro título mundial do Independiente, em 1973.
Parecia ser a vez do arquirrival Huracán dominar: com um celebrado futebol, o Globo já vinha de boas campanhas em 1972, ofuscadas pela dobradinha azulgrana, e em 1973 encerrara no Metropolitano um jejum de 45 anos sem títulos argentinos (confira). O rival também havia chegado nas semifinais da Libertadores 1974, ano em que chegou ao quadrangular final do Metropolitano – torneio em que o San Lorenzo tivera sua primeira campanha sofrível em anos: em seu grupo com 9 times, ficou só em 6º, 9 pontos atrás dos classificados em uma época em que a vitória só valia 2 pontos e não 3. O técnico que chegou ao San Lorenzo em 1974, por sinal, havia treinado o Huracán anteriormente: Osvaldo Zubeldía, eternizado no futebol pelas táticas do seu Estudiantes tricampeão da Libertadores entre 1968-70.
Mas o início foi terrível: foi pela sétima rodada daquele esquecível Metropolitano 1974, um sacode de 6-0 para o Boca. Foi no Nacional que os resultados enfim apareceram. O torneio, batizado oficialmente de “Campeonato Nacional Presidente da Nação Tenente-General Juan Domingo Perón” em memória do presidente, falecido naquele ano durante a Copa do Mundo, contou com 36 equipes, recorde na era profissional: as 18 do Metropolitano (torneio restrito à Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario) com as 18 melhores de diversas ligas do interior, dentre as quais o Talleres de Córdoba apareceu como grata surpresa – La T começou a despontar nacionalmente naquele torneio. Os times foram divididos em quatro grupos de 9, com os dois primeiros indo a um octagonal final em turno único.
O Talleres, liderado em campo por Daniel Willington (protagonista do Vélez campeão pela primeira vez, em 1968, e coadjuvante importante de Mario Kempes no Instituto de Córdoba estreante nacional no ano anterior), terminou em primeiro em grupo com o Newell’s, recém-campeão do Metropolitano, River e o tradicional Argentinos Jrs, e ficaria em quarto no octagonal. Seu técnico era o ex-craque Ángel Labruna, que com esses resultados se credenciou para voltar a seu River no ano seguinte, agora para treina-lo e tira-lo do maior jejum já vivido nos millonarios: dezoito anos sem taças desde 1957, quando o mesmo Labruna, então à beira dos 40 anos, dava seus últimos chutes em campo.
Mas isto é outra história. A do San Lorenzo campeão começou em outro grupo, o C, em que a surpresa do interior foi o San Martín de Tucumán (onde estava emprestado Héctor Pitarch, volante reserva dos bicampeões de 1972), empatado na 3ª colocação com o Racing. Outro espanto foi o Ferro Carril Oeste: acostumado à metade inferior da tabela, o verdolaga ficou em segundo. O Ferro “forneceu” uma das duas únicas derrotas do líder Sanloré nos 18 jogos daquela primeira fase.
A caminhada foi na maior parte bastante tranquila: antes da derrota para o Ferro, na oitava rodada, os cuervos haviam goleado quase sempre – 3-0 no Aldosivi (fora de casa), 6-1 no San Martín, 2-0 no Godoy Cruz (fora), 3-0 no Racing, 1-0 no Atlético Regina e 4-0 no Deportivo Mandiyú. Também houve um 4-1 no Chacarita, bastante prestigiado na época, que depois foi derrotado em casa por 3-1.
Caracterizado pela solidez defensiva, Zubeldía apertou-a no octagonal final, onde o San Lorenzo foi o menos vazado, 8 vezes. Destaque para duas apostas do treinador para aquele setor: o voador goleiro Alfredo Anhielo foi bancado no lugar do ídolo Irusta e do também experiente Roberto D’Alessandro. Mas Zubeldía teve mérito sobretudo em usar Jorge Olguín, há alguns anos na equipe mas ainda não firmado na titularidade. Olguín foi deslocado com sucesso da zaga para a lateral e seria o único sanlorencista titular de uma Argentina campeã do mundo, na primeira vez disso, em 1978.
Não por acaso, Olguín declarou neste ano em entrevista à revista El Gráfico que o título que mais desfrutou com o San Lorenzo foi “o de 1974, com Zubeldía, porque se armou com muito sacrifício. Lorenzo se foi em 1973 e venderam meio time. Queriam me dar ao San Lorenzo de Mar del Plata, mas Zubeldía me deu a oportunidade e ganhei o posto”. As saídas do elenco recente de fato não se resumiam a Ayala, Heredia e ao técnico Lorenzo: o lateral Antonio Rosl, a quem Olguín substituiu, voltara ao Gimnasia LP; o matador Rodolfo Fischer havia ido ainda em 1972 ao Botafogo.
Ídolos antigos que haviam voltado em 1973 também se despediram, casos do atacante Pedro González e do meia Héctor Veira, eleito no centenário em 2008 o principal nome do clube. Mesmo um reserva útil como outro atacante, Luciano Figueroa, fora embora também. Já o defensor Ricardo Rezza e o ponta Carlos Veglio seguiam, mas as lesões lhes impediram maior continuidade na campanha. Para o lugar de Rezza, Zubeldía promoveu o reserva Juan Carlos Píris. E Veglio foi muito bem substituído por outra figura já presente na casa, Oscar Ortiz – que, como Olguín, seria titular da Argentina de 1978.
Foi naquele torneio que se afirmou uma celebrada dupla entre os dribles e cruzamentos de El Negro Ortiz para os gols de Héctor Scotta, que só também não foi à Copa 1978 por estar no Sevilla – embora El Gringo brilhasse na Espanha (confira), o fato de jogar no exterior na época costumava atrapalhar nas convocações. Inicialmente, quem ensaiou ser o homem-gol foi Juan José Irigoyen, que marcou em cada um dos 3 primeiros jogos. Reserva no bi de 1972, ele foi murchando e Scotta é quem terminou triunfando como matador: fez 17 nos 20 jogos em que atuou.
Mas os gols não se centralizavam em Scotta (irmão do ex-gremista Néstor Scotta, que jogava no Racing). Nisso, destaque a dois titulares remanescentes de 1972: Enrique Chazarreta, que havia ido à Copa do Mundo, deixou 5 e o volante Victorio Cocco, lembrado pelos gols de cabeça, foi o vice-artilheiro do elenco campeão, com 9. Com Roberto Telch e Roberto Espósito fazendo o trabalho pesado no meio-campo, os azulgranas foram praticamente impecáveis no tiro-curto que foi o octagonal em turno único. Em 7 jogos, venceram 5. O detalhe é que nenhum foi na casa do clube, o Gasómetro.
Todos os classificados jogavam em campo-neutro. Venceu-se por 2-1 o Newell’s no estádio do Vélez, por 1-0 o Boca no do Racing, daí veio a única derrota na fase (1-0 para o Independiente), seguida de um 2-1 no Talleres na Bombonera. Quem vinha concorrendo mais fortemente era o Rosario Central de Mario Kempes, justamente quem levara a melhor sobre o Sanloré nos nacionais de 1971 e 1973. O jogo seguinte foi contra ele em Rosario e, no estádio do Newell’s, os cuervos arrancaram um precioso 1-1 que faria a diferença adiante. Os rosarinos venceram os dois jogos seguintes, os últimos.
Só que o San Lorenzo também triunfou nas duas últimas rodadas, encerrando um ponto à frente do Central após vitórias por 2-1 sobre o Vélez na Bombonera e um suado 3-2 de virada no Ferro Carril Oeste, na Bombonera. Com um gol para cada homem-chave da parte ofensiva: Scotta, Cocco e Ortiz enfim davam um troco nos rosarinos naquele 22 de dezembro de 1974. Ofuscavam o aparente renascimento do Huracán. E, sem saber, encerravam um capítulo de ouro no clube de Boedo, que se afundaria em más administrações a resultarem apenas meia década depois na venda de Olguín e do próprio estádio Gasómetro (veja). No rebaixamento, o primeiro de um clube grande no país, em 1981. E em jejum de mais de 20 anos na elite, até 1995. Mas tudo isso também são outras histórias…