Um dos duelos mais conhecidos entre Argentina e Brasil ocorreu há três décadas e meia, pela Copa do Mundo hospedada pela Albiceleste. Ambos dividiam a mesma chave na segunda fase de grupos e fariam um jogo vital: quem vencesse estaria praticamente garantido na decisão, uma vez que ambos haviam ganhado dos outros oponentes do grupo (respectivamente, Polônia e Peru).
Era a segunda partida da Argentina no Gigante de Arroyito, o estádio-caldeirão do Rosario Central, onde Mario Kempes, ex-jogador do clube, finalmente havia desencantado no torneio. Mesmo sem precisar de mais, aquele jogo ainda teria outros temperos extras: desde 1970, o Brasil não perdia para a rival, ao qual inclusive derrotara na Copa do Mundo anterior.
Menotti realizou duas alterações em relação ao jogo anterior: José Valencia, titular até então, cedeu lugar para Kempes, que retornou ao meio-de-campo após ficar de centroavante em razão da ausência de Luque – centroavante original, machucara-se contra a França e enfim voltava aos jogos. Já René Houseman, abaixo do esperado, voltou a ficar no banco de Ortiz para a ponta-esquerda.
Do lado brasileiro, a mudança foi o uso de Chicão no lugar de Toninho Cerezo. Conhecido pela garra em campo, foi uma aposta de Cláudio Coutinho para frear o esperado ímpeto argentino. Em um duelo tenso, ela seria exatamente um dos mais belicosos em campo, atraindo elogios da imprensa brasileira, que provavelmente o tacharia de carniceiro caso jogasse no adversário.
O jogo todo foi marcado por entradas duras e deixadas firmes de pé para os dois lados, especialmente nos primeiros minutos. Um jogo aguerrido que o árbitro Károly Palotai, na maior parte do tempo, deixou correr, aplicando algo exagerado a lei da vantagem e quase nada advertindo aos jogadores. Os amarelos da partida deveriam ser mais numerosos.
Logo nos primeiros dez segundos, Luque deixou o pé em um Batista já sem bola – Palotai já aí aplicou a vantagem, uma vez que a bola permanecera com o Brasil. Aos 2 minutos, foi a vez de Luque sofrer com um pé adversário, acertado por trás por Oscar. Aos 3 minutos, o mesmo Oscar empurrou Bertoni pelas costas tão logo este recebeu um passe de Gallego. Palotai cometeu até o cúmulo de autorizar uma cobrança de falta para a Argentina mesmo com Luque ainda caído no chão, após outra derrubada de Oscar, que, em outro lance, aos 15 minutos, chegou a empurrar também Ardiles ao chão.
Toninho era outro que por vezes se excedia na valentia, especialmente com Ortiz. Já do lado argentino, os mais catimbeiros foram Luque, Tarantini e até o habilidoso Ricardo Villa, que entrou ao fim do primeiro tempo no lugar de Ardiles e ficou mais notado por diversas faltas do que por passes e lançamentos, facilmente neutralizados naquele dia. Ardiles torcera o tornozelo e o momento em que Toninho Baiano ajudou a carrega-lo para fora foi um raro momento de fair play.
Pela Albiceleste, Passarella era quem conseguia empregar desarmes limpos, chegando a roubar aos 10 minutos bola de um Roberto Dinamite lançado por Gil. A defesa argentina, como um todo, porém, deixou mais espaços abertos, não aproveitados pelo Brasil – ou pelas posições de impedimento em que ficavam os brasileiros ou por Fillol, como no lance em que El Pato antecipou-se em bola passada por Dirceu a Roberto, aos 15 minutos.
Mesmo quando assinaladas pelo árbitro, faltas para um lado costumavam receber logo um revide, como aos 40 minutos. Gallego entrara forte em Jorge Mendonça. Na jogada que se seguiu à cobrança, Gil deixou desnecessariamente o pé em Kempes, no lance mais nervoso até então – o primeiro em que o árbitro chegou a ser cercado. Foi outra pernada em El Matador o lance mais célebre para os brasileiros: Chicão calçou-o por trás aos 45 minutos. Palotai sacou ali, enfim, um amarelo, que não intimidou o são-paulino a empurrar o rosto de um já levantado Kempes depois de afaga-lo.
No início do segundo tempo, novas catimbas mútuas. O recém-colocado Villa acertou mais canelas do que bolas e recebeu seu amarelo, atribuído também a Edinho quando foi derrubado pelo zagueiro do Fluminense. Leão quase foi amarelado também, em uma tentativa de cera ainda aos 2 minutos da segunda etapa. Zico também recebeu um amarelo, insatisfeito com outras entradas não-punidas de Villa. Em compensação, Palotai não puniu Toninho quando este pôs a mão na bola, aos 28 minutos.
Em um jogo truncado, foram pouquíssimas as chances mais claras de gol. As tentativas se resumiram praticamente a chutes fracos de longa distância que não deram trabalho a Fillol ou Leão. A melhor chance argentina ocorreu aos 37 minutos do primeiro tempo: Bertoni cruzou rasteiro e Ortiz, livre, chutou para fora; ele acabaria substituído. Não por Houseman, mas por Norberto Alonso – que, como Luque, retornava após lesionar-se contra os franceses.
Já o Brasil teve duas boas chances, ambas com Roberto Dinamite. Aos 24 do segundo tempo, Zico, após triangular com Batista, deixou o artilheiro vascaíno na cara do gol, mas Fillol saiu bem. Aos 43, Roberto, entre dois adversários, chutou para o alto. O goleiro argentino já havia levado a melhor também aos 6 minutos do segundo tempo, bloqueando-lhe cara-a-cara, com a bola ainda batendo na trave na sequência de um lance invalidado instantes antes pelo impedimento de Roberto.
Ao fim, o empate acabou melhor para os argentinos. Na imprensa brasileira, mesmo com o polêmico resultado de Argentina-Peru na rodada seguinte, também sobrou espaço para críticas ao comportamento dos canarinhos contra os anfitriões, no sentido de que ficaram de fora da final por falta de méritos próprios: “não ousamos tentar vencer a Argentina, em Rosario. Nosso capitão declarou-se satisfeito com o empate em zero, embora todos temêssemos um saldo de gols insuficiente, o que acabou acontecendo. (…) Faltou a decisão de atacar (…). O Brasil poderia ter se classificado ali. Essa aparente contradição seria repetida ainda no jogo contra a Polônia. E, talvez, mesmo fazendo mais gols nesse dia, nossa Seleção fosse eliminada”, escreveu-se na Placar na edição pós-Copa da revista.
A mesma revista também informou algo profético, na edição anterior à última rodada da segunda fase de grupos: “Mas a Argentina tinha ganho, apesar do 0-0. Simplesmente porque é mais fácil prever uma vitória dos argentinos sobre os já desmotivados peruanos do que uma do Brasil sobre a Polônia (…). Não é improvável que a Argentina enfie três no Peru, ainda mais que ela jogará sabendo quantos gols precisará fazer. (…) Mesmo uma vitória [sobre a Polônia] não será motivo de grandes festejos [para o Brasil] – ela poderá apenas garantir a disputa pelo terceiro lugar.”
Ainda na edição pós-jogo de 35 anos atrás: “Se a Argentina é, realmente, tudo aquilo que o técnico César Luis Menotti andou dizendo (…), ninguém deve duvidar de sua classificação para a final de domingo, no Monumental de Núñez. Quarta-feira, enfrenta o Peru, um velho freguês, e uma goleada é considerada líquida e certa pelo técnico”.
FICHA DA PARTIDA – Argentina: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Osvaldo Ardiles (Ricardo Villa 46/1º), Américo Gallego e Mario Kempes, Oscar Ortiz (Norberto Alonso 31/2º), Leopoldo Luque e Daniel Bertoni. T: César Menotti. Brasil: Leão, Toninho Baiano, Oscar, Amaral e Rodrigues Neto (Edinho 34/1º), Batista, Chicão e Dirceu, Jorge Mendonça (Zico 22/2º), Gil e Roberto Dinamite. T: Cláudio Coutinho. Árbitro: Károly Palotai (HUN).
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