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30 anos dos únicos minutos da lenda Ricardo Bochini em Copas do Mundo

Bochini com a camisa belga, Batista e Trobbiani comemoram a vaga na final, há 30 anos

A história das Copas está repleta de campeões mundiais considerados fenomenais, mas não pelo que produziram na campanha vencedora, pelos mais diversos motivos: José Leandro Andrade e Pedro Petrone (1930), Felice Borel (1934), Aníbal Paz (1950), Mazzola (1958), Pepe (1958 e 1962), Jimmy Greaves (1966), Leão (1970), Günter Netzer (1974), Norberto Alonso e René Houseman (1978), Franco Baresi (1982), Ronaldo e Raí (1994), Kaká (2002), Francesco Totti e Alessandro Del Piero (2006) e Fernando Torres (2010) são alguns dos que vivenciaram esse paradoxo. Em 1986, foi a vez de Ricardo Bochini, o maior ídolo da história do Independiente. Pentacampeão da Libertadores, é o maior vencedor do clube, defendeu os Rojos por vinte anos e era ídolo de Diego Maradona. Só experimentou cinco minutos de Copa do Mundo.

Bochini já foi dissecado neste outro Especial e na Wikipédia lusófona, onde seu verbete foi redigido por este que vos escreve. El Bocha, cujo estilo se assemelhava ao de Andrés Iniesta (ambos calvos, low profile e de passes precisos, jogadas que na Argentina acabaram sendo chamadas de bochinescas), tinha bola para estar nos mundiais de 1974 a 1990, sem exagero. Em 1974, embora fosse um bicampeão reserva na Libertadores, já havia sido o homem decisivo no primeiro título mundial do Independiente – sobre a Juventus e dentro da Itália. Foi convocado nas eliminatórias, estando na problemática preparação para a partida contra a Bolívia em La Paz: Falamos aqui.

Tinha muito mais bola em 1978, já como tetra (seguido) da Libertadores e quem em janeiro de 1978, no dia do próprio aniversário, carregou um título nacional dos mais épicos: foi dele o gol do título no finzinho na casa adversária, na qual  os Rojos atuavam com três jogadores a menos e contra a ditadura e a arbitragem. Esteve na maioria dos amistosos preparatórios, entrando em campo dez vezes em 1976 e seis em 1977. Mas tanto ele como Maradona foram solenemente ignorados por César Menotti, que levou José Valencia, Ricardo Villa e o citado Alonso como opções de meias-armadores.

Em 1982, as chances de Bochini, que não defendia a Albiceleste desde a Copa América de 1979, se dissiparam com uma lesão que o afastou por meses. E em 1990 uma convocação de El Bocha não seria coisa de outro mundo: ainda protagonista, havia no ano anterior sido campeão argentino com sobras e vice da Supercopa; além disso, o próprio técnico Carlos Bilardo quase tirara Jorge Valdano, mais novo, da aposentadoria – o ponta havia parado de jogar em 1987 e fora convencido a retomar a forma. Esteve até no álbum da Copa (com a camisa de 1986, diferentemente dos demais hermanos), mas uma lesão no fim o cortou, rendendo sua pérola “nadei, nadei e morri na margem”.

Por ironia, a Copa de Bochini acabou sendo mesmo a de 1986. Ironia pois não defendia a seleção desde 1984, não participando das eliminatórias (desenroladas só em 1985, em tempos em que elas eram enxutas, se dando por grupos e não todos contra todos). Voltou a ser chamado ainda em 1985, já após as eliminatórias, para dois jogos em novembro contra o anfitrião México. Acabou incluso no álbum da Copa e a convocação, confirmada. A declaração abaixo, sobre sua relação com o técnico Bilardo, deu-se em longa entrevista em 2009 (o Olimpia é o prêmio dado pela imprensa ao melhor jogador do campeonato argentino, equivalente à Bola de Ouro da Placar).

“Aí houve curto-circuito. (…) Foi em sua primeira convocação, porque em 1983 eu andei muito bem, me deram o Olimpia, e ele não me convocou, só o fez para a excursão de 1984 pela Europa, e eu estava meio fulo com isso. Ele dizia que (eu) não ia chegar ao mundial porque estava veterano, mas também convocava Morete, Trossero, Marangoni, Sabella, todos da minha idade. Depois me convocou e aceitei, porque a verdade é que a pessoa pode ter problemas com um técnico, com um companheiro ou o que seja, mas a seleção está acima de qualquer coisa. Isso é certo, pelo menos para minha maneira de pensar”. Não havia mesmo como ignorar Bochini em 1984, ano em que venceu as últimas Libertadores (dominando o Grêmio no Olímpico) e Mundial (bailando sobre o Liverpool) do Independiente.

Comemorando o título com a roupa social da delegação ao lado de Clausen e Burruchaga, colegas de Independiente: riso pouco escancarado de quem não havia sido relacionado à final

Mas em 1986 ele chegou a dar a entender que não se sentia campeão do mundo. Em 2009, a versão foi esta: “nos campeonatos que havia ganho com o Independiente jogava de titular, metia gols, gerava outros e me sentia muito protagonista; diferentemente, no mundial só havia jogado uns minutos e por isso não sentia tanto. (Mas me sinto) Sim, porque tenho a medalha e porque apesar de haver jogado só seis minutos contra a Bélgica, estive em boa parte do processo prévio”.

Em outra declaração, em 2011, pelos 25 anos do título da Copa, assinalou que “já era uma surpresa ir ao banco, porque até essa partida nunca havia sido nem reserva, então quando Carlos (Bilardo) me disse que entraria nem o escutei”. Na época, apenas cinco jogadores de linha poderiam ficar disponíveis no banco de reservas, os demais suplentes teriam que se resignar a ver toda a partida nas tribunas. Foi o caso do craque até as semifinais.

Assim como contra a Inglaterra, Maradona assinalou os dois gols da vitória sobre a Bélgica. Bochini, que em 2011 defendeu que Diego foi ainda melhor contra os belgas do que contra os ingleses, entrou nos últimos seis minutos, no lugar da Jorge Burruchaga, com quem compunha no Independiente um quadrado mágico no meio-campo com Ricardo Giusti e Claudio Marangoni. Marangoni e Bochini eram os mais habilidosos, mas por ironia o primeiro não foi convocado e a estrela principal amargava a reserva. A lenda diz que ao ver o ídolo adentrando, Maradona o recebeu com “passe, maestro, o estávamos esperando”.

Sobre isso, Bochini declarou na entrevista que “não me lembro (das palavras de Maradona). A única coisa que queria fazer era entrar, o jogo estava lindo para jogar, 2-0 favorável e me sentia 10 pontos, nos treinos andava uma barbaridade e sabia internamente que se entrasse poderia render bem. Feito, entrei, fizemos umas lindas tabelas e pensei que na final isso se repetiria, mas nem sequer fui ao banco. Aí sim me decepcionei”. Em 2011, lembrou que ao fim daquela partida saiu feliz, realmente esperançoso em estar na final. Mas Bilardo preferiu relacionar para armador reserva Marcelo Trobbiani, outro usado no finzinho só para gastar tempo.

Atualização em 18-02-2020: nesse dia, publicamos especial sobre o tal Trobbiani pelos 65 anos do volante, cujo único toque na bola em Copas do Mundo foi de calcanhar que quase serviu de assistência. Classe!

Bochini e Maradona haviam jogados juntos muito bem em um amistoso do Argentinos Jrs (pelo aniversário de 75 anos do clube, em 1979; dividiram entre si os cinco gols marcados na ocasião), no qual El Bocha trocara por uma noite a camisa vermelha do Independiente pela do clube de Dieguito – que, por causa da idolatria por Bochini, declarava-se na época torcedor rojo e não do Boca.

Há 30 anos, o fã buscou aproveitar o tempo diminuto e buscou bastante trocar jogadas com o ídolo, que das quatro vezes em que tocou na bola em três foi por passes do fã – duas delas, de calcanhar. Logo na primeira, o colega Héctor Enrique foi estraga prazeres: levou uma bolada na cara no lance que pôs a bola de passe dos hermanos, aproveitou para fazer uma cera e o árbitro decidiu interromper a jogada tramada entre Bocha e Diego. Em outra, eles trocaram passes e Maradona foi acionado pela esquerda por Sergio Batista. O camisa 10 tentou entregar ao ídolo, mas acertou na zaga adversária. “Se houvéssemos compartilhado mais minutos, teríamos andado melhor, com certeza”, lamentou Bochini em 2011. Pior para a Copa do Mundo.

*Para saber mais dos 2-0 sobre a Bélgica, clique aqui para ver matéria publicada em 2011 a respeito.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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