30 anos do vice argentino na Copa de 1990
Neste 8 de julho, a imprensa alemã não focou em novo aniversário dos 7-1 e sim nos 30 anos do seu tricampeonato mundial. Maradona poderia ter sido ainda mais lenda do que é e melhor comparável a Pelé se aquele título viesse para sua Argentina em frangalhos como o tornozelo dele. Mas, verdade seja dita, a vitória nunca esteve perto naquele dia. Mesmo com os alemães não dando exatamente um show de bola (o espetáculo no Olímpico de Roma se restringiu à cerimônia de abertura com Luciano Pavarotti, um dia após a célebre apresentação dos Três Tenores nas Termas de Caracala), dominaram a partida. O tão criticado árbitro Edgardo Codesal, apesar do polêmico pênalti que decidiu o jogo e de ter ignorado um a favor dos argentinos em lance anterior, não concedeu outros aos germânicos e teria total razão se deixasse a Argentina com um a menos desde o início do jogo: Gustavo Dezotti, o mais atrapalhado em campo.
Dezotti, na temporada que antecedeu a Copa, havia sido o melhor atacante argentino no melhor campeonato nacional da época, o italiano. Tanto por ter sido quem mais marcara gols no calcio na temporada 1989-90 (treze) como por tê-los feito por um clube que terminou rebaixado, a Cremonese. Uma grande evolução para quem dois anos antes era uma mera opção não titular absoluta do ataque do Newell’s campeão de 1987-88 – seu concorrente naquele elenco rojinegro também estava na Copa: era Abel Balbo. Mas nenhum deles era o atacante isolado na retranqueira tática de Bilardo: ninguém melhor para ser acionado nos contra-ataques do que o velocíssimo Claudio Caniggia, El Hijo del Viento. Dezotti fora pensado como Bilardo como uma alternativa se Caniggia estivesse indisponível; também se destacava pela velocidade, que rendeu-lhe o apelido de El Galgo.
Caniggia havia sido herói nos mata-matas com um Brasil bem melhor, nas oitavas, e contra a anfitriã Itália, marcando nesses dois duelos os gols que mantiveram aquela esforçada Argentina viva. Os italianos sequer haviam sofrido gol antes naquela edição, mas Cani não sorriu por último. Uma tola mão na bola naquela semifinal rendeu-lhe do juiz Michel Vautrot um segundo cartão amarelo no torneio – o mesmo árbitro omisso diante da violência camaronesa desenfreada contra os hermanos na estreia, onde dois cartões vermelhos aos africanos ficaram -a acreditem – baratos. O cartão anterior de Caniggia havia sido contra a URSS, ainda na primeira fase, em tempos em que os cartões não eram zerados ao fim dela, bastando para suspender o ponta da final.
Caniggia, claro, não se conformou: “nunca, jamais, enquanto viva, vou perdoar que este francês me tenha deixado de fora do jogo do domingo… por uma mão comum, que me escapou quase instintivamente, me deixa sem algo que sonhei por toda minha vida”, desabafou no calor da agonia. Curiosidade: a derrota na estreia fez o supersticioso técnico Bilardo ordenar a retirada das três listras da Adidas dos calções pretos, pois o título em 1986 (com a Le Coq Sportiff) viera sem elas; o desenho da Adidas para a camisa era o mesmo em relação ao México por ordem do Narigón. Como na Copa anterior não foram usadas calças brancas, não houve a mesma implicância com as listras nelas, especialmente após o êxito contra Romênia e Brasil… e então veio a final.
Final que teria ainda outros desfalques. Como a do volante Ricardo Giusti, expulso no fim do primeiro tempo da prorrogação contra a Azzurra (El Gringo se defenderia em 2016: “no segundo tempo entrou Baggio, o garoto que surgia, olhei Bilardo e me fez o sinal de que o seguisse. Me bateu em uma e eu, caladinho. Na seguinte, fomos os dois disputar por cima, com veemência mas sem má intenção: ele cai e todo o banco de reservas da Itália se levantou e gritou. O garoto era a estrelinha, ficou no chão e depois de uns minutos, o bandeirinha levantou a bandeira e disse ao juiz que eu havia lhe dado e me expulsou”); Julio Olarticoechea e Sergio Batista também se ausentaram da decisão pelo acúmulo de amarelos.
O técnico Carlos Bilardo já estava acostumado a remendar o time. Para começar, naquele 1990 o técnico sentia-se tão sem opções ao ataque que convencera um jogador aposentado há três anos a voltar a se exercitar por um semestre por um lugar na Copa. Era Jorge Valdano, que, após alguns amistosos, até ganhou figurinha no álbum do torneio – com a camisa de 1986 enquanto os demais vestiam a atual. El Filósofo, porém, lesionou a perna esquerda às vésperas da convocação. Soltou a célebre metáfora “nadei, nadei, nadei e morri na margem”. Gabriel Calderón foi o escolhido no lugar, diante do boicote nunca explicado a Ramón Díaz e dos desempenhos insatisfatórios de Carlos Alfaro Moreno (testado na Copa América de 1989) na seleção.
O saudoso José Luis Brown e Héctor Enrique, invenções de Bilardo na Copa anterior (para 1986, Brown não jogara as eliminatórias e Enrique sequer havia estreado pela seleção antes da convocação ao México), também se lesionaram antes do chamado. Fizeram Bilardo ressuscitar Juan Simón e também Edgardo Bauza, que não defendiam a Albiceleste havia nove anos. Também foi feito um convite a um jovem Fernando Redondo, nunca chamado à seleção principal até então. Nada fã do estilo Bilardo, El Príncipe recusou, alegando foco no seu curso universitário – o que logo foi desmentido ao negociar com o futebol espanhol.
Outra figurinha do álbum da Copa que, como Valdano, ficaria de fora, foi o goleiro Luis Islas. E, como Redondo, este ausentou-se por vontade própria: considerava-se em melhor forma que o titular Nery Pumpido após ser eleito o melhor do campeonato espanhol de 1989-90 no nanico Logroñés enquanto o concorrente vinha da segundona de lá, com o Real Betis. Eles sequer se falavam e Islas, insatisfeito com a reserva, pediu para sair. Pumpido falhou feio na estreia, onde a alegria argentina se resumiu a um empolgado torcedor do recém-ascendido Huracán exibindo-se na transmissão oficial do show da marcante música-tema “Un’estate Italiana”. Apesar do frango, seguiu intocável na segunda partida, contra os soviéticos, mas fraturou uma perna logo no início do duelo. Foi assim que Sergio Goycochea, originalmente apenas a terceira ou quarta opção de gol, saltou para a titularidade.
Goycochea lutava para ser o terceiro goleiro porque Bilardo ainda chegou a testar em 1990 o veterano Julio César Falcioni, rival de Goyco no atrativo narcofútbol colombiano – o jovem pelo Millonarios e o outro pelo América. Falcioni, porém, terminou descartado pelo terceiro mundial seguido, pois as saídas imprevistas de Islas e Pumpido (que pôde ser substituído na delegação já após o início do torneio, na última vez que a FIFA permitiu isso) fizeram Bilardo optar por abrir espaço a Fabián Cancelarich e Ángel Comizzo, que estão no grupo dos jogadores que, embora convocados a torneios, jamais defenderam oficialmente a seleção principal. Afinal, Goycochea não daria chances: como Caniggia, Goyco foi a outra figura argentina dos mata-matas. No seu caso, nas decisões por pênaltis contra Iugoslávia, nas quartas-de-final, e Itália, na semifinal, pegando uma cobrança em cada.
A tática argentina para aquela final de 30 anos atrás, com Maradona não podendo sair do ritmo da caminhada (e, com isso, facilmente desarmável), pareceu contar com nova decisão por pênaltis e foi um deles que decidiu a grande final. Para o azar argentino, veio muito mais cedo. E, paradoxalmente, também muito tarde: aos 40 do segundo tempo. O talismã até acertou o canto escolhido por Andreas Brehme… mas era humano. Foi uma final tão sofrível que Goycochea mal trabalhou até aquele lance, mesmo com todo o domínio alemão – o volume de jogo do adversário era tão grande que as vaias italianas a Maradona (o árbitro Codesal atiraria nesse 2020 que pensou mesmo em expulsa-lo antes do início do jogo, ao ouvir-lhe vociferar hijos de puta contra as vaias da casa ao hino argentino) mal se ouviram durante a partida, pois ele mal tinha a oportunidade de conduzir um pouco a bola.
A Argentina deu a saída de jogo e o primeiro toque alemão foi justamente desarmando Dieguito. Após algumas tabelinhas envolvendo ele e Jorge Burruchaga no início, os argentinos notaram que não conseguiriam armar nada pelo meio. Nas poucas oportunidades que tentavam criar, usavam chutões pelas laterais. Maradona só voltaria a tocar na bola já depois de meia hora de jogo. Goycochea mal trabalhou porque os alemães, quando não erravam passes (até Lothar Matthäus teve erro crasso no quesito), falhavam miseravelmente na hora de concluir, mandando para longe nos arremates de Jürgen Klinsmann e nas acrobacias quase patéticas de Rudi Völler – como aos 14:40, 21:50, 34:00, 1:07:20, 1:19:15, 1:47:40 do vídeo ao fim da nota. Alguns sustos vieram em um quase gol contra (em contra-ataque alemão após bola roubada pelo meio) após bola cruzada por Brehme aos 24:10 ou quando Völler foi excessivamente fominha e perdeu a bola próximo à meta argentina em vez de tocar para Klinsmann.
Se Maradona mal podia fazer, Dezotti, por nervosismo ou falta do entrosamento que Maradona tanto tinha com o suspenso Caniggia, fazia atuação estabanada. Ao parar com falta um ataque alemão no início do jogo, recebeu amarelo de Codesal. Que, se ainda é criticado pelo pênalti discutível no fim do jogo, amenizou ao não exibir o vermelho ao atacante, que não se inibiu de reclamar energicamente daquela primeira punição e de cometer faltas durante todo o primeiro tempo: aos 26:00, entrando duro em Guido Buchwald; aos 33:30, perdendo a bola no ataque e com isso empurrando o marcador Jürgen Kohler; aos 37:35, dessa vez sobre Pierre Littbarski. Corria chutando forte demais a bola (perdendo-a aos 38:05, estragando tentativa de contra-ataque) e ainda quase entregou um gol após péssimo recuo na defesa argentina aos 01:12:20.
Burruchaga alternou-se entre a inoperância e, quando teve a bola, o desastre. Aos 44:40 do vídeo, Burru tentou primeiro inverter. A bola foi interceptada por um pé alemão e lhe voltou, com ele recuando para ninguém e permitindo ao adversário avançar a galope. Depois, aos 47, tocou a mão na bola perto da própria área argentina, com Codesal interpretando o lance como não-intencional e mandando o jogo seguir. O meia-atacante seria substituído no início do segundo tempo por Calderón.
Se o lado germânico vez ou outra forçava Goycochea a ficar atento mesmo que sem se mexer tanto, o outro goleiro, Bodo Illgner, só foi defender algo dos argentinos aos 57 minutos do vídeo. Até então, só usara as mãos para agarrar recuos dos pés alemães, algo ainda permitido nas regras do jogo. No segundo tempo, Illgner pôde permanecer quase estático enquanto a carga sobre Goyco aumentou: aos 1:04:20, Littbarski desfilou contra três defensores argentinos e de fora da área fez a bola passar muito perto da trave esquerda. Aos 1:06:00, Thomas Berthold deu susto ao cabecear falta cobrada por Matthäus.
Aos 01:13:50 e aos 01:14:45, os alemães reclamaram de dois pênaltis para si. O primeiro lance foi entre Pedro Monzón e Klinsmann em disputa aérea de bola na grande área após cruzamento de Matthäus, com Klinsmann enfeitando na queda. No outro, Matthäus lançou Klaus Augenthaler livre na entrada da pequena área. Ele chocou-se com a saída de Goycochea e a bola respingou em atrasado beque argentino. Pareceu pastelão: a bola reagiu indo em direção ao gol argentino, sendo salva com alguma sorte em cima da linha por outro hermano. O zagueiro Juan Simón ainda recordava desse lance, em entrevista em 2013 onde se conformava com ressalvas com a arbitragem:
“Já passou. O que me chama a atenção é que antes do pênalti que apitou houve um muito mais evidente de Goyco em Augenthaler e então pensas: não apitou antes para não nos dar tempo de reagir? Esse pênalti do Goyco foi muito claro, mas enfim, havíamos desarmado um grande negócio, a final era Itália-Alemanha. A tal ponto a desarmamos que nossas mulheres, que estavam na Itália e iam comer sempre no mesmo lugar, depois de eliminar a Itália não as deixaram entrar mais”. Aceso, Goycochea chegou a catar borboletas em escanteio aos 1:17:35, mas o chute oponente não furou o bloqueio dos homens de azul.
A periclitante situação argentina piorou aos 20 do segundo tempo (1:21:35 no vídeo): Monzón, que havia entrado no intervalo no lugar de mais um lesionado (Oscar Ruggeri, sofrendo de pubalgia), levantou o pé para parar Klinsmann, que após cair jogou os próprios pés ao alto e deu três roladas no gramado como se estivesse sofrendo convulsão. Atuação que convenceu Codesal a exibir diretamente o cartão vermelho a Monzón, o primeiro jogador expulso em uma final de Copa. O beque, em entrevista em 2013 à El Gráfico, negou ter ido com maldade e aceitou o rigor excessivo do juiz: “não. Se quisesse lhe bater de verdade, o teria machucado. E eu ainda estaria preso na Itália. Pensei que chegava na bola… mas não cheguei. E lhe toquei. Foi um pouco espalhafatoso, mas fui bem expulso”.
O beque, de fato, isentou o árbitro não só sobre aquele lance: “não sou de me colocar a pensar ‘que teria acontecido se…’. O que passou, passou, acredito nisso, que as coisas ocorrem porque têm que ocorrer. [Sobre a impressão de má fé do juiz,] Não acredito. Vi várias vezes Codesal e temos uma boa relação. O conheci em um estádio, olhando um jogo das divisões inferiores no México, ele como diretor de arbitragem e eu como espectador. O reconheci e o fui cumprimentar. Um senhor que estava com ele lhe disse: ‘é Pedro Monzón, quem expulsaste na final de 1990’. Aí se lembrou, me deu um cartão e mais de uma vez fui a seu escritório na Federação Mexicana tomar um café. Me atendeu muito bem e me recomendou a muitos presidentes”.
Ainda segundo Monzón, “nunca falamos da final: nem da expulsão, nem do pênalti. Nunca quis pergunta-lo porque assim como eu me equivoquei muitas vezes na vida, e o fiz sem querer, ele também pode ter se equivocado e não me agrada julga-lo”. O zagueiro não escondeu ter sofrido até de depressão diante dos inevitáveis xingamentos das torcidas rivais do seu Independiente, mas já não guardaria mais traumas: “[ter sido expulso em uma final de Copa] significa que joguei a final de uma Copa. E que cumpriu-se, com muito esforço, o sonho que tinha de garotinho. Não me assustei [em jogar a final], porque eu já havia jogado finais importantes com o clube dos meus amores, o Independiente. Bilardo vinha nos preparando durante três anos para jogar sete partidas de um Mundial, e nos dava todos os dados dos possíveis rivais”.
De todo modo, a final, que vinha tranquila, viu uma confusão que paralisou o jogo por três minutos. Brehme quase marcou na cobrança da falta assinalada, tirando tinta da trave. Vale lembrar que o rigor empregado a Monzón não foi usado por Codesal em outro lance passível de pênalti anterior “àquele”. Aos 01:25:55, Klinsmann foi derrubado por Néstor Lorenzo no início da grande área mas o apito se referiu ao impedimento do atacante. Por outro lado, os argentinos também reclamaram de um penal para si, aos 01:34:30: em escanteio aos argentinos, a bola foi rifada ao início da grande área e Matthäus se preparava para afasta-la, mas Calderón tomou-lhe a bola e em seguida foi derrubado pelo capitão.
Calderón ainda remoía, em 2008: “foi um penal maior que uma casa. Senti nesse momento e confirmei há pouco tempo quando a TV suíça me deu imagens dessa final com a Alemanha. Caí mal, torpemente, mas se vê claramente que Matthäus me levanta o pé de apoio e me derruba”. Seis minutos depois, veio o lance capital. Eram 40 minutos do segundo tempo quando um belo passe de Matthäus chegou a Völler, que caiu após disputa com Néstor Sensini. A câmera jamais deixou claro se Sensini atingiu somente a bola ou não. Em longa entrevista à revista El Gráfico em 2008, El Boquita respondeu exatas cem perguntas. E a primeira foi, na íntegra e sem maiores referências, “foi falta ou não foi falta?”. A resposta foi um curto “não”.
Depois, Sensini ainda detalhou que “o que houve é que Codesal está nas minhas costas, e só nota que eu vou ao chão, não vê bem a jogada. O que sim poderia vê-la era o bandeirinha, mas como o árbitro já havia apitado…”: veja aqui. Apesar do lance, quem na ocasião foi amarelado foi o zagueiro Pedro Troglio, pelo exagero na reclamação. Goycochea, por sua vez, se resignaria quanto a Codesal, em declarações de 2002: “que vou lhe dizer: te equivocaste, jogaste subornado, és um desastre? Já não serve. Me orgulho quando me dizem que batizaram o filho de Sergio Javier por minha causa, que fraturaram um membro festejando o último pênalti contra a Itália… nem todos que deram coisas à seleção têm o reconhecimento que eu desfruto diariamente”.
Totalmente diferente foi a opinião ainda remoída por Maradona em 2007, quando a El Gráfico perguntou a quem daria uma boia se visse o árbitro Codesal, João Havelange e Guillermo Coppola (ex-empresário do astro, que teria sofrido golpes dele) se afogando: “que morram os três, não daria a ninguém. Eu não perdoo”. Sem toda a espera prévia entre o fim de uma prorrogação e uma decisão por pênaltis, Goyco não teve como cumprir sua superstição prévia a essas decisões: urinar. Ele ainda contaria uma ironia extra àquela situação: indagado naquela mesma entrevista de 2002 se guardara as luvas usadas na Copa, respondeu que “tenho as da final, justo as que não pegaram o pênalti…”.
Ele explicou: “as da Iugoslávia atirei ao público. E as que usei contra a Itália presenteei [o jornalista] Adrián Paenza. Antes do jogo, me disse: ‘vamos empatar, vamos aos pênaltis, vais pegar dois e vais me presentear as luvas’. Como não as ia presentear se acertou tudo? O assunto é que fiquei com as luvas que não pegaram nenhum pênalti”. Não ter defendido justo aquela cobrança não impediu que voltasse como herói. Além de ser capitalizado de diversas formas piratas (“fizeram pôsteres, bonequinhos, camisas, de tudo. Mas fiquei de fora, não vi um mango, salvo um acordo para impulsionar uma linha de luvas”), ele, buscando aproveitar o auge do prestígio, não se inibiu em aceitar uma proposta do Racing para conviver de perto com os novos fãs conquistados país adentro embora torcesse pelo rival Independiente; o novo ídolo nacional estava desde 1988 no futebol estrangeiro.
Após o gol de Brehme, ainda houve jogo. Aos 01:43:30, Illgner fez sua segunda e última intervenção em lance argentino, um chute fraco de Lorenzo que praticamente recuou-lhe a bola. Aos 01:44:00, a partida estava paralisada após Maradona ter colocado a mão na bola e as câmeras focavam nas bandeiras campeãs tremulando. De repente, a plateia grita: Dezotti “coroara” sua atuação ao simplesmente rodopiar Kohler pelo pescoço e enfim foi expulso por Codesal, enquanto o desconsolado Maradona levava amarelo por reclamar.
Ainda houve uma última chance dada aos argentinos para empatar, no clássico tiro livre no meio de campo em que praticamente toda os jogadores buscam a área adversária, aos 01:47:40. Não deu em nada e no contra-ataque Klinsmann novamente chutou muito para cima. Não era mesmo o dia dos argentinos, alegrando um pouco os brasileiros, que naquele mesmo 8 de julho enterravam Cazuza (morto na véspera) e se angustiavam por João Saldanha (a falecer dali a quatro dias na própria Itália, onde fora enviado para cobrir o torneio). Bilardo tratou de ordenar que a delegação cercasse Maradona, para impedir que as câmeras captassem as lágrimas do seu protegido.
Para El Narigón, a decepção tinha um adicional, tendo ele contado em 2001 que “não tenho nem uma foto com a taça. Em 1986, disse: ‘na próxima Copa vamos ganhar também’. Em 1990, quando via Beckenbauer com a taça, tinha umas ganhas de dizer-lhe: ‘dê-me para tirar uma foto'”. Maradona, por sua vez, pensava como Simón: “estava tudo armado. Nós cagamos [o organizador Antonio] Matarrese e a Itália uma final forçada à mão, que era Itália-Alemanha. Já estava todo o negócio, cagamos 180 millardi (milhões) do ente que fazia o Mundial, cagamos a bandeira, cagamos a buzina, cagamos o festejo, a televisão, lhes fizemos um desastre total. E tinham que nos passar a conta”.
O filme documental de Asif Kapadia (o diretor de Senna) sobre Diego teoriza que até mesmo a máfia napolitana descontou no astro, furiosa com lucros potenciais que também perdera e retirando-lhe a proteção nos bastidores. Conspiração ou não, coincidência ou não, logo começaria a rápida decadência do craque, apanhado no antidoping na temporada pós-Copa. Segundo palavras de 2005 do meia laziale Pedro Troglio, isso se deu em meio a uma perseguição generalizada a argentinos, pois ele próprio fora “estranhamente” sorteado 23 vezes em 38 chances para fazer o exame: “eu me safei sempre, hahaha. Era uma asquerosidade”.
O que pensamos? Já defendemos o 6-0 sobre o Peru em 1978 como uma goleada legítima, com base em leitura da própria mídia brasileira – veja aqui. Mas, pênalti de Sensini ou não, não há razão para criticar a arbitragem de Codesal como se mal intencionada fosse. Ruim, ela foi, mas prejudicando mais os próprios alemães. O que dá para se lamentar é que a Alemanha, no retrospecto geral (ou seja, incluindo-se jogos amistosos), é freguesa da Argentina. O problema é nas Copas do Mundo, com a desvantagem germânica se invertendo até em favor da antiga Alemanha Oriental, conforme demonstramos neste outro Especial.
Pelos 30 anos desse jogo, vale lembrar ainda de outro Especial, relembrando os principais jogadores argentinos de origem alemã, publicado em 2019 pelos 30 anos da queda do Muro de Berlim.
Atualizações após a matéria: pela tarde, a revista El Gráfico resgatou seu arquivo fotográfico, narrando o jogo 30 anos depois. Vale reproduzir o dos lances polêmicos menos lembrados e a reação da seleção ao fim do jogo:
Pingback: Diego Maradona: Confira as melhores histórias do craque argentino