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30 anos do primeiro título italiano de Maradona (e do Napoli)

O ano de 1986 é mesmo um divisor na carreira de Maradona. Até lá, um craque entre tantos formidáveis da época, pulverizando recordes de artilharia na Argentina (ainda insuperáveis cinco vezes, todas antes dos 20 anos) mesmo no modesto Argentinos Jrs. O que deveria ser o ápice, a conquista da Copa do Mundo, foi na verdade apenas o ponto inicial de um reinado. Na temporada que se seguiu ao mundial, veio a mais mágica temporada na Europa – ou Ma-Gi-Ca, o trio napolitano formado por Maradona, Bruno Giordano e Daniel Carnevale. Seu Napoli não só conseguiu o primeiro scudetto (o primeiro também do empobrecido Sul italiano), há exatos trinta anos, como dali a um mês ainda faria a dobradinha com a Copa da Itália.

“Só mesmo quando Paulo Roberto Falcão conduziu a equipe da Roma ao segundo scudetto da sua história, há quatro anos, uma decisão do Campeonato Italiano despertou tanto interesse no Brasil como agora. A que atribuir as atenções que se concentraram em torno do Napoli e da nova glorificação de Maradona (…)? A resposta pode ser resumida em uma única palavra: admiração”, escreveu a revista Placar em seu editorial de 18 de maio de 1987, na edição seguinte ao título. Interesse esse cultivado pela revista desde o início da temporada italiana 1986-87, aberta pela Copa da Itália em agosto de 1986 – o campeonato começaria em setembro. Seria o último da Era Platini, com a aposentadoria precoce do francês. A Era iniciada era a de Diego.

A Placar fez-se presente no primeiro jogo da Copa da Itália, contra o SPAL. Noticiou que cada toque de Diego na bola trazia ovações, intensificadas ao máximo quando ele serviu Carnevale no primeiro gol; e ainda mais ao anotar o segundo, aproveitando mesmo caído o rebote de uma cabeçada. A chuteira já vinha seguindo calibrada após o mundial, com Maradona marcando aos 42 do segundo tempo o gol de empate da seleção das Américas contra o Resto do Mundo, em 27 de julho. Ao todo, seriam dez gols na Serie A. Números que parecem baixos, mas que fizeram dele o quarto na artilharia geral e o primeiro na do elenco celeste. 

Segundo a reportagem de agosto de 1986, Maradona já era um “Deus vivo” e uma “erupção do Vesúvio” para os napolitanos e o “melhor negócio do planeta” para o clube, sendo mais reverenciado já naquela altura do que José “Mazzola” Altafini ou Omar Sívori. 71 mil carnês para o estádio San Paolo já teriam sido vendidos. Tudo isso após os celestes terem sido “apenas” terceiros em 1985-86. Após cinco jogos e cinco vitórias na fase de grupos da Copa da Itália, começou a Serie A, em 14 de setembro. Simbolicamente, fez o primeiro gol napolitano na jornada, um golaço no 1-0 sobre o Brescia: matou no peito, girou contra o marcador e deixou três adversários para trás antes da conclusão.

Dias depois, polêmica, como não poderia deixar de ser: no dia 19 de setembro, foi noticiado que ele seria pai pela primeira vez, com o nascimento previsto para março ou abril. Seria de Dalma Maradona, nascida em 2 de abril. Só que, no dia seguinte à divulgação da gestação, em 20 de setembro, nascia Diego Sinagra, filho extraconjugal só recentemente reconhecido pelo pai. Outro dia depois, pequena frustração: empate no San Paolo em 1-1 contra uma Udinese cotada para um rebaixamento que acabaria confirmado. Seguido por um 0-0 no clássico regional com o Avellino no dia 28 e a desclassificação no dia 1º de outubro na Copa da UEFA, com Maradona perdendo pênalti contra o Toulouse.

No dia 3 de setembro, um estudante chileno assumiu a paternidade de Diego Sinagra (inverdade confirmada anos depois por exames de DNA que comprovavam a filiação a Maradona). Bastou para abafar o escândalo e Maradona, “apesar de alguns problemas pessoais, voltou a jogar bem no último domingo”, noticiou a Placar em alusão à vitória de 3-1 de virada sobre o forte time do Torino na época. Era o suficiente para deixar os celestes já na vice-liderança. Maradona voltou a marcar, de pênalti, no 2-1 fora de casa sobre a Sampdoria, seis minutos depois do empate genovês. Resultado que pôs os partenopei em liderança dividida com a Juventus.

Só que no jogo seguinte, o Napoli só empatou em casa com a Atalanta (2-2 alcançado no minuto 80, após estar duas vezes atrás no placar para os bergamascos) – e viu Maradona sentir o joelho de sua mágica perna esquerda. Apenas um susto: a liderança foi retomada no jogo seguinte, vencendo-se a Roma dentro da Cidade Eterna. Golaço de Maradona, para variar, deu o 1-0 aos visitantes. Após um 0-0 em casa com a Internazionale, veio o confronto direto pela liderança. A Juventus não perdia do Napoli em Turim havia 29 anos e vencia no San Paolo até o minuto 73. Levou de 3-1.

“Com fogos de artifício e muito baralho, os tifosi fizeram festa até as primeiras horas de segunda-feira. Afinal, ao desbancar a Juve, o time assumiu a liderança isolada do campeonato e mostrou que é o favorito para ganhar o ambicionado scudetto. Foram disputadas apenas nove rodadas, é verdade, mas nunca o Napoli esteve tão cotado para conquistar o título, que persegue desde 1904, ano da sua fundação. Agora, bordar o escudinho com as cores da bandeira italiana – honra que cabe ao campeão da temporada – parece um questão de tempo (…). Os napolitanos já sonham com um carnaval em maio”, cravou a Placar já em novembro de 1986. 

O argentino abriu a goelada de 4-0 sobre o Empoli. Seguiu-se dois 0-0 contra Verona e Milan (no San Siro), que não tiraram a liderança celeste, e um 2-1 no Como antes da pausa de fim de ano. Na janela de inverno, Maradona já era especulado por Real Madrid, Bayern Munique e até Corinthians na pausa. O Napoli declarava-se despreocupado, mas a torcida já imaginava conspirações do norte italiano que envolveriam até uma tentativa de atentado ao craque. O negócio especulado ainda em dezembro que acabaria confirmado seria a compra de Careca, declarado reiteradamente por Diego como o melhor atacante do mundo.

Na retomada, em 6 de janeiro, a primeira derrota: 3-1 fora de casa para a Fiorentina, com Diego descontando. O primeiro turno se encerrou com o 3-0 sobre o Ascoli. Resultados que fizeram do Napoli pela primeira vez “campeão de inverno”. O ex-craque ítalo-brasileiro do Napoli, Altafini/Mazzola, já vaticinava: “o time costuma cair de produção nas fases decisivas do campeonato. Mas, se o Maradona continuar jogando no mesmo nível do Mundial, não há quem segure o Napoli”, declarou em entrevista publicada na mesma Placar que em fevereiro de 1987 publicou em sua capa caricaturas de Careca e Maradona juntos no Napoli. O brasileiro sairia do São Paulo rumo ao San Paolo ao fim do Brasileirão de 1986 (depois, após a Libertadores de 1987), que se encerraria em março de 1987.

O segundo turno começou com quatro vitórias seguidas: 2-1 no Brescia, 3-0 no Udinese e (sem Maradona, poupado por lesão) no dérbi com o Avellino e 1-0 no finalzinho (gol de Giordano com assistência maradoniana) sobre o Torino em Turim. Destaque especial ao jogo contra o Udinese, batido em Friuli com dois gols do argentino, que jogou com suspeita de lesão contraída em amistoso beneficente em Tóquio pela seleção sul-americana em prol do UNICEF. Eram quatro pontos de vantagem quando a vitória só valia dois e não três. A Copa da Itália, interrompida em setembro, foi retomada no fim de fevereiro, já na fase mata-mata. Maradona abriu o 3-0 sobre o Brescia – o jogo da volta só viria em abril.

Pela Serie A, veio o empate em 1-1 com a Sampdoria em casa (os celestes começaram perdendo e empataram com Maradona), 1-0 fora sobre a Atalanta, 0-0 em casa com a Roma e derrota no finalzinho para a Inter em Milão. A Juventus foi novamente derrotada, dessa vez em Nápoles, por 2-1. O Empoli segurou o 0-0 e o Verona impôs um 3-0 (Diego perde pênalti), ambos jogos fora de casa para os partenopei – entre os dois jogos, o Brescia perdeu por outro 3-0, em casa, pela Copa da Itália. Recém-pai de Dalma, Maradona marcou o gol da vitória sobre o Milan em 26 de abril. Três dias depois, nova festa, pela Copa: 3-0 no Bologna com Dieguito marcando o último.

Pelo campeonato, o Como fez jogo duro em casa e só não venceu porque Carnevale empatou nos últimos quinze minutos. A partida seguinte, pela Copa da Itália, foi um 4-2 fora de casa sobre o Bologna (Maradona, de pênalti, fez o quarto): os celestes se garantiam nas semifinais, a se iniciarem só em 27 de maio. As atenções se voltaram para a rodada de 10 de maio na Serie A, a penúltima. Com três pontos de vantagem sobre a Inter e quatro sobre a Juventus, o Napoli pode ser campeão até perdendo, dependendo da concorrência.

A Fiorentina conseguiu ser a única invicta contra os napolitanos. Maradona inicia a jogada Ma-Gi-Ca (com o perdão do trocadilho) do gol: lança a Carnevale, que tabela com Giordano, recebendo dele de calcanhar para tocar na saída do goleiro. A comemoração no San Paolo não pára: no minuto seguinte, é anunciado que a Atalanta abriu o placar contra a Internazionale. No jogo em Nápoles, o único violeta a oferecer perigo é outro argentino, velho conhecido no San Paolo: Ramón Díaz. Foi em falta sofrida por ele que a Fiorentina empata, em cobrança de sua revelação Roberto Baggio. 

Como a Inter não reagia, o empate em 1-1 terminava benéfico a Napoli, que assegurava o título, e Fiorentina, que com ele escapava do rebaixamento. O segundo tempo foi morno e cheio de devoluções de bola aos goleiros, algo ainda permitido com os pés na época. Não houve invasão de campo, com os carabineri inibindo-a eficientemente para que jogadores, comissão, fotógrafos e alguns mascotes celebrassem em paz no gramado, além dos irmãos Hugo e Raúl (já profissionalizados por Argentinos Jrs e Boca, respectivamente). Houve mesmo quem lamentasse em Nápoles: segundo a Placar, a máfia local da Camorra, controlando as apostas esportivas, levou prejuízo de 250 milhões de dólares. Pouco, comparável ao valor maradoniano: “hoje, nem os tesouros do Vaticano o tirariam de lá”, observou a revista brasileira naquele maio de 1987.

Epílogos: em 13 de junho, viria o título na Copa da Itália. Foi apenas a terceira vez que a Bota viu um clube ganhar os dois troféus nacionais na mesma temporada. No mesmo mês, Careca enfim chegaria a Nápoles, após um simbólico amistoso em 2-2 entre o São Paulo e seu novo clube. Ah, ainda em junho, a Placar noticiou no dia 10 que “os encontros entre Pelé e Maradona têm sido os únicos momentos em que reina alguma cordialidade entre eles”…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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