Foi um dominó. Em 9 de novembro de 1989, caiu o Muro de Berlim, gatilho para nosso Especial sobre os teuto-argentinos do futebol, no sábado retrasado. Oito dias depois, uma repressão policial a estudantes em Praga desencadeou a pacifista Revolução de Veludo. Um bom gatilho para a vez de lembrar os nomes do futebol argentino provenientes da antiga Tchecoslováquia – terra que teve seu peso na história dos hermanos.
Afinal, a pior derrota da Argentina foi para aquele país, na Copa de 1958. Maior potência histórica da América do Sul, a Albiceleste, por diversos fatores extracampo, se recusara a jogar até as eliminatórias dos mundiais de 1938, 1950 e 1954 – e já havia enviado para a de 1934 uma equipe obscura ao invés dos principais jogadores do país, profissionalizados em uma liga rebelde enquanto a associação oficial para a FIFA permanecia oficialmente amadora. Na vez do Mundial da Suécia, os argentinos enfim voltavam a se fazer “realmente” presentes desde 1930 e chegaram confiantes. Então sofreram o 6-1 para os comunistas. Até hoje, essa derrota só foi igualada pelo mesmo placar aplicado na altitude de La Paz pela Bolívia em 2009; e pela Espanha em 2018.
Base da seleção após um tri seguido de 1955 a 1957, o River foi diretamente afetado pelo vexame. O time de Núñez entraria em seu maior jejum, só quebrado em 1975. O mais afetado foi um mito: Amadeo Carrizo era o goleiro e o trauma na recepção em Buenos Aires sob chuva de objetos foi tanto que ele se recusou a voltar a Mundiais e a outras convocações. Embora seja comumente visto como o maior arqueiro que a Argentina já teve, mal somou duas dezenas de jogos pela seleção em decorrência disso, mesmo que ainda jogasse esporadicamente por seu país até 1964. Já outros nomes consagrados tiveram seu ciclo encerrado definitivamente ali, a exemplo de Ángel Labruna e do treinador Guillermo Stábile, há cerca de vinte anos no cargo. Nasceu também uma crescente preocupação resultadista e defensiva a marcar o futebol nacional na década seguinte, em detrimento do enfoque em espetáculos.
O curioso é que o chamado “desastre da Suécia” foi justamente o único revés da Argentina no duelo contra tchecos e eslovacos. Houve quem atribuísse o vexame ao desconhecimento dos argentinos sobre o futebol europeu, após anos ilhados em duelos sul-americanos e longe das Copas, uma falácia; desde os anos 50, a Inglaterra (três vezes), Espanha, Portugal, Itália (duas vezes cada) e Irlanda já haviam enfrentado a Albiceleste, além da própria Tchecoslováquia – derrotada em outubro 1956 com um 1-0 no estádio do San Lorenzo. O que é verdade é que em um ano e meio os dois times mudaram muito: do lado europeu, só Ladislav Novák, Jaroslav Borovička e o astro Josef Masopust estiveram nos dois jogos.
Já dos vencedores, não iriam à Suécia o goleiro Rogelio Domínguez, o atacante Antonio Angelillo (autor do gol), os meias Ernesto Grillo e Omar Sívori, os pontas Ernesto Cucchiaroni e Rodolfo Micheli, além de Héctor Guidi, Norberto Conde e Adolfo Benegas. Exceto os quatro últimos, os demais já estavam todos no futebol europeu na temporada 1957-58 (o Real Madrid e Domínguez e o Milan de Grillo e Cucchiaroni inclusive fizeram a final da Liga dos Campeões) e não se convocava quem atuasse no exterior na época.
Em junho de 1961, veio um 3-3 em reencontro em Brno. O craque Omar Corbatta era o único em campo nos 6-1 (foi dele o gol de honra) a remanescer. Reserva em 1958, José Sanfilippo marcou dois e outro grande goleador, Luis Artime, buscou o terceiro empate. Masopust e Novák também estiveram nesse terceiro jogo, embora além deles só Ján Popluhár fosse outra cara de 1958.
Posteriormente, vieram encontros anuais entre outubro de 1980 e março de 1982, no ciclo de amistosos preparados por César Menotti para uma seleção já qualificada de antemão à Copa de 1982 como detentora do título anterior. Em 1980 e em 1981, o Monumental viu um 1-0 (gol de Roberto Díaz, maior artilheiro do Racing nos últimos 40 anos) e um 1-1 (gol de Américo Gallego) e Mar del Plata recebeu um 0-0 em 1982. Após a separação do país, só houve entre seleções principais um amistoso com a Eslováquia em 1995: 6-0 em Mendoza, com Gabriel Batistuta e Marcelo Gallardo anotando dois gols cada em placar fechado por Javier Zanetti e Diego Simeone.
Contra os tchecos um amistoso em março de 2010 chegou a ser agendado, mas o adversário trocou a Argentina pelo Brasil. As duas nações fizeram a final do último Mundial sub-20 vencido pela Albiceleste, em 2007, após terem duelado também na fase de grupos (0-0). Sergio Agüero e Mauro Zárate, que nunca jogou pela equipe principal, fizeram os gols da virada de 2-1 na decisão em Toronto.
Por fim, eis alguns dos nomes mais chamativos – a lista, como tantas outras, é assumidamente especulativa, exceto em três nomes. Ao lado, a grafia original.
Arturo Rodenak (Rodenák): nascido em La Plata, ingressou no time adulto do Gimnasia ainda adolescente, embora só em 1951 tenha sido usado mais regularmente que outros goleiros – naquele ano, defendeu a seleção nos primeiros Jogos Pan-Americanos. Terminou por desenvolver a carreira no Chile, especialmente no Rangers de Talca (também como treinador), cidade onde faleceria em 2012.
José Varacka (Varačka): filho de um casal eslovaco, embora acabasse apelidado de El Polaco mesmo, ele esteve naqueles 6-1 e chegou a ser cumprimentado de modo especial pelos “primos”. Também chamado de El Puchero, trabalhou em nada menos que em quatro dos cinco grandes argentinos. Foi ídolo de Independiente (onde atuou com um irmão, Emilio) e River, pendurando as chuteiras no San Lorenzo antes de treinar o Boca – e o rival sanlorencista, o Huracán. Presente também na Copa de 1966, Varacka teve uma carreira incrivelmente marcada pelo azar, convivendo com os maiores jejuns de Independiente (1948-60) e River (1957-75), para onde mudou-se justamente no ano em que o ex-clube encerrou a seca. Por outro lado, o volante foi o único presente nos dois jogos que marcaram uma longa invencibilidade do Real Madrid de Di Stéfano em casa contra estrangeiros: o 6-0 do Rojo em 1953 e o 3-2 do Millo em 1961. Treinou ainda a seleção na Copa de 1974 e o primeiro título colombiano do Junior de Barranquilla, em 1977 – embora não ficasse até a reta final… já dedicamos a Varacka este Especial.
Christian Rudzky (Rudzký): nascido na Tchecoslováquia em 1946, imigrou à Argentina já com 14 anos, a tempo de ficar fluente em espanhol com perfeito sotaque portenho ao mesmo tempo em que viria a ser o primeiro europeu a ganhar a Libertadores. Volante revelado no Deportivo Español, integrou o Estudiantes campeão de 1969 e 1970 como uma opção de banco, mas até deixou dois golzinhos em La Copa: no 3-1 em Santiago sobre a Universidad Católica pelas semifinais de 1969; e no 2-1 em casa sobre a Unión Española pelo triangular-semifinal de 1971, quando o clube de La Plata ficou no vice-campeonato. Curiosamente, também era apelidado de El Polaco. Chegou a naturalizar-se para defender a seleção argentina juvenil e, com isso, virou também o primeiro hermano a jogar na Bundesliga: ainda em 1971, rumou ao Hannover 96.
Germán Voboril (Vobořil): presente na seleção campeã mundial sub-20 de 2007 sobre os tchecos, esse lateral-esquerdo é um raríssimo campeão em comum por San Lorenzo (Clausura 2007 e Libertadores 2014, embora nunca se firmasse) e Racing (Transición 2014).
Frank Kudelka (Kudělka): atual treinador da Universidad de Chile após fazer carreira basicamente no interior argentino, à exceção do ciclo de 2013-14 no Huracán. Por este clube, teve o mérito de dirigi-lo na maior parte da campanha campeã da Copa Argentina daquela temporada, classificando-o às semifinais. Contudo, os ruins resultados paralelos na segunda divisão resultaram na sua saída, acabando por ser Néstor Apuzzo o treinador que deu a volta olímpica na Copa (com Apuzzo, o time também se reergueu na segundona e pôde subir, diga-se). Os títulos de Kudelka vieram nas divisões inferiores do interior: 4ª divisão de 2007 com o Libertad de Sunchales; 3ª divisão de 2009 com o Boca Unidos e de 2015 com o Talleres; e 2ª divisão de 2016 com o mesmo Talleres, devolvendo-o à elite após quinze anos. Ainda como treinador tallarin, Kudelka foi eleito o melhor técnico da temporada argentina de 2017-18.
Tomás Conechny (Konečný): artilheiro da seleção no mundial sub-17 de 2015 e presente no mundial sub-20 de 2017, foi outro a não se firmar no time adulto do San Lorenzo. Integrou em 2018 a leva de argentinos atraídos pela MLS, defendendo o Portland Timbers.
Gonzalo Rehak (Rehák): goleiro comandado pelo nome abaixo no Independiente campeão da Sul-Americana de 2017, ainda não pôde firmar-se, seja à sombra de Damián Albil ou de Martín Campaña. Foi titular no marcante 1-0 em Clásico de Avellaneda em pleno Cilindro, em que o Racing perdeu mesmo atuando com um jogador a mais na maior parte de um dérbi… e mesmo que os visitantes utilizassem basicamente uma equipe reserva, poupando-se para o jogo de volta das semifinais daquela Sul-Americana, dali a três dias.
Ariel Holan (Holaň): talvez o nome que mais dispense apresentações na lista (embora tenha feições já mais indígenas do que eslavas). Seja pela carreira singular, deixando o hóquei sobre grama para ser assistente em diversas comissões técnicas de futebol a partir de 2003; seja pelos trabalhos reconhecidos que teve como técnico, função assumida primeiramente no Defensa y Justicia em 2015, classificando o time de Florencio Varela pela primeira vez a uma Copa Sul-Americana; seja pelo título nesse torneio com o seu Independiente do coração em 2017, empregando um belo futebol ao gosto exigente do paladar rojo para coroar-se dentro do Maracanã contra o Flamengo – embora os resultados não se repetissem depois, em ciclo marcado também pela incomum coragem contra os barrabravas. Na edição final da revista El Gráfico, em janeiro de 2018, Holan mencionou que seu pai chamava-se Jaroslav e viera diretamente da Tchecoslováquia.
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