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25 anos sem os gols da 1ª Libertadores do River: Juan Gilberto Funes

Só 29 jogos e só cinco gols no River, mas fama eterna de atacante iluminado. Afinal, falar de Juan Gilberto Funes Baldovino é falar da primeira Libertadores dos millonarios, gigantes que até 1986 viam o torneio na galeria de quase todos os rivais (Boca, claro, além dos também grandes Racing, Independiente e até Estudiantes e Argentinos Jrs, ambos de porte doméstico bem menor). Um ataque cardíaco levou El Búfalo quando ele estava justamente prestes a jogar no Boca. Heresia minimizada diante da tragédia que ceifou um talismã que ainda tinha 28 anos naquele 11 de janeiro de 1992.

Funes foi um ídolo raro no River. Não surgiu da base. Nem foi pinçado jovem como promessa de algum clube menor. Havia rodado apenas por clubes de um interior distante dos holofotes e se distanciado ainda mais ao rumar ao forte narcofútbol colombiano da época. Até virar um reforço bom e barato exatamente na reta final da Libertadores de 1986. Para marcar em ambas as finais.

Nascido em San Luis, na região argentina do Cuyo, em 8 de março de 1983, o filho de Pedro Funes e Martha Baldovino começou no Huracán de San Luis. Ficou só um ano; em 1980, juntou-se ao Estudiantes local. Ainda com 18 anos, foi adquirido em 1981 pelo Sarmiento de Junín, que faria sua estreia na primeira divisão argentina. Mas apareceu pouco. Era reserva de Ricardo Gareca. Não marcou gols e voltou ainda no fim de 1981 à sua província para jogar no Jorge Newbery de Villa Mercedes. Dali foi no início de 1981 a um clube cuyano bem mais proeminente, o Gimnasia de Mendoza. Lá sim, começou a se destacar em âmbito nacional.

Em 1983, marcou só dois gols no Torneio Nacional, mas um deles no Boca. Em 1984, foi a figura da última campanha destacada dos alvinegros, classificados aos mata-matas com gols de Funes em dois jogos contra o San Lorenzo. O Lobo Mendoncino começou as oitavas com derrota honrosa de 3-2 em Buenos Aires para o timaço que o Argentinos Jrs montava (campeão da Libertadores do ano seguinte), com Funes marcando um dos gols no estádio do Ferro Carril Oeste. Mas o Gimnasia terminou perdendo também em casa, na volta, derrotado por 2-1 no Malvinas Argentinas. Funes foi adquirido pelo Millonarios de Bogotá.

Outras camisas em que brilhou: Gimnasia de Mendoza, Millonarios e Vélez

Na época, o campeonato colombiano vinha sendo monopolizado pelo América de Cali, pentacampeão de 1982 a 1986, embalo que o levou a três finais seguidas de Libertadores – de 1985 e 1987. Funes, a princípio, não quebrou o domínio americano. O Millonarios foi vice em 1984 e terceiro em 1985 (a dois pontos e meio – isso mesmo – do América no octagonal final), temporada em que o argentino explodiu. Foram 32 gols, um a menos que o artilheiro (também argentino, por sinal: Miguel González, do Bucamaranga). Dentre seus colegas, os também argentinos José van Tuyne (da Copa de 1982), Marcelo Trobbiani (que iria à de 1986), Alberto Vivalda e Osvaldo Palavecino.

Estar na Colômbia não significava necessariamente fugir do radar. O técnico da seleção argentina, Carlos Bilardo, havia treinado a seleção colombiana e não se furtara de convocar José Luis Brown (autor do primeiro gol da final da Copa de 1986) quando este ainda estava no Atlético Nacional. Embora já não fosse o Eldorado dos tempos de Di Stéfano, a liga cafetera seguia financeiramente atrativa. Sergio Goycochea iria à Copa de 1990 ainda como jogador do Millonarios, enquanto aquele grande América de Cali tinha outros jogadores da Albiceleste: o goleiro Julio César Falcioni e aquele certo Ricardo Gareca, além de Carlos Ischia.

Assim, o River trouxe Funes para a temporada 1986-87, em cuja primeira metade o time dividiria frentes entre o campeonato argentino e nova chance na Libertadores. El Búfalo apareceu na Libertadores já no returno do triangular-semifinal com o Barcelona equatoriano e aquele timaço do Argentinos Jrs, então detentor do título. Foram três jogos, sem marcar: vitória por 4-1 no time de Guayaquil, que parecia classificar o Millo à decisão; derrota em pleno Monumental por 2-0 para o persistente Argentinos, que forçou jogo-extra; e o 0-0 nesse desempate com o Argentinos.

Por ter saldo melhor, o River se classificou com o empate sem gols ao fim da prorrogação. Se a primeira impressão do reforço não foi nada espetacular, a que ficou esteve perto de não ocorrer também. Funes tinha uma distensão e a princípio estava descartado, mas ainda assim viajou com o grupo para Cali. As palavras abaixo são do folclórico técnico daquele River campeoníssimo, Héctor Veira:

“Eu mesmo havia anunciado [Claudio] Morresi no time. De todo modo, joguei uma última cartada: na manhã do jogo, fui com Juan em uma caminhonete a um campinho distante do hotel. Lhe disse: ‘veja, Juan… essa gente te respeita muito e tua presença na equipe sem dúvida os vai pressionar. 50% tens que jogar…’. O testei durante 20 ou 25 minutos com chutes a gol. Até os jornalistas argentinos acreditavam que era tudo um truque meu e que Funes, finalmente, não ia jogar. Juan respondia bem, mas com certo medo que a lesão se agravasse, não soltava toda a perna. Lhe repeti: ‘quero que jogues igual, que te movas em espaços reduzidos’…”.

A ideia psicológica de Veira contra o oponente, que no mínimo deslocaria marcadores para o lesionado atacante, deu mais do que certo. Temido pelos gols que empilhara antes pelo Millonarios, Funes marcou o primeiro gol da decisão ao receber na grande área de costas para as traves, levar a melhor sobre a marcação e fuzilar Falcioni mesmo sem ângulo, no alto. E o River terminou ganhando mesmo fora de casa, por 2-1 – o gol adversário, por sinal, foi do paraguaio Roberto Cabañas, outro morto prematuramente pelo coração (anteontem) e futuro ídolo no Boca.

No Monumental, El Búfalo, que acertou a trave em um galope no contra-ataque, voltou a marcar. A jogada foi semelhante: recebeu de costas para o gol, girou, dominou com calma, venceu dois marcadores na corrida e definiu – dessa vez, sutilmente e com a canhota, lance captado pela imagem acima. Antecipou em 29 anos o fenômeno de Lucas Alario, outro reforço de semifinal em diante que se provou certeiro em título de Liberadores para o clube de Núñez (em final que teve gols não só de Alario como também do sobrenome Funes: Ramiro Funes Mori, com quem Juan Gilberto não tem parentesco). Diferentemente de Alario, porém, o talismã de 1986 não manteve aquele brilho.

Enquanto a má fase não se escancarava, ele ainda foi titular cerca de um mês depois também do primeiro (e único) mundial do Millo e estreou pela seleção já em junho de 1987. O River era tão forte que promovia à Albiceleste até seus reservas, casos de Goycochea e Caniggia. Eles e Funes estrearam pela Argentina na mesma partida, uma derrota de 3-1 para a Itália em amistoso em Zurique. Diferentemente dos dois colegas, a passagem de Funes pela seleção foi negativa: só mais três jogos, todos com derrota em plena Buenos Aires – 1-0 para o Paraguai em amistoso prévio à Copa América que seria sediada na Argentina, que sempre havia sido campeã em casa.

Erguendo o Mundial. Mas não foi pôde se manter na seleção. Muito menos no Boca

Não foi daquela vez, perdendo por 1-0 a semifinal para o Uruguai e também o jogo pelo bronze, vitória por 2-1 da Colômbia. Foram essas as outras partidas de Funes. Relegado no River, foi ao escondido futebol grego em 1988. Funes voltou à Argentina já em 1989, para jogar no Vélez. O clube nem sonhava com os anos de ouro que viriam na nova década, vivendo estagnação institucional e nos gramados (vinha de um 15º lugar em 1989) e que assim não teve como reter El Búfalo ao fim da temporada. Isso porque o atacante soube se relançar muito bem no bairro de Liniers, com 12 gols em 25 partidas, fundamental para o Fortín terminar em 5º na temporada 1989-90 – com só quatro pontos a menos que o vice. O técnico, afinal, era o mesmo Héctor Veira que apostara nele anos antes.

Entre os colegas, curiosamente, Gareca. O Nice quis levar Funes ao futebol francês, mas detectou problemas cardíacos nos exames médicos. Veio a negociação com o Boca, pelo qual chegou a participar de um jogo-treino contra o Banfield, mas os problemas impediram que o negócio fechasse. Teve tempo de voltar a San Luis, defender o Defensores del Oeste em alguns amistosos e inaugurar a própria escolinha de futebol. A agonia foi longa. Maradona conta em sua autobiografia que esteve pessoalmente com Funes nos últimos quinze minutos de vida do talismã:

“Ele estava internado, com o coração quebrado, pobre, com o coração partido. Ver esse bom urso, esse homem enorme postrado na cama era uma imagem tremenda, muito dolorosa. Com Claudia [Villafañe, então esposa de Diego] seguíamos a coisa bem de perto. E no último dia, por essas coisas do destino, por essas coisas que o Barba tem reservadas a mim, eu estava aí, justo aí, ao lado da cama. E morreu, aí, sem mais. Quase nos meus braços”. Ainda às 11 horas da noite do dia 10 em Buenos Aires, mas já à zero hora do fuso horário em San Luis, cujo palácio do governo recebeu o velório do Búfalo.

Nos anos seguintes, o Vélez seria campeão da sua primeira Libertadores com gols de Omar Asad, apelidado na infância de Bufalín por se espelhar em Funes a ponto de clona-lo tanto no estilo “tanque” de jogo (no auge, ambos, de estatura média, passavam dos 90 quilos) como até no corte longo de cabelo no início da carreira, além de torcer pelo River. El Turco, curiosamente, também teve carreira abreviada e igualmente esteve perto de fechar com o Boca, com fotos suas divulgadas em 1996 vestindo a camisa auriazul. Houve ainda outra conexão, que ele adora contar.

A declaração foi dada em maio de 2010 à revista El Gráfico e a história já era conhecida pelo Diccionario Velezano, de 1997: “não pude conhecê-lo por bem pouco, quando cheguei ao Vélez ele havia acabado de ir-se. (…) Comecei a treinar no time principal do Vélez mas seguia me banhando no vestiário do quarto quadro, até quem um dia apareceu [Oscar] Ruggeri: ‘neném, El Bambino [apelido de Veira] não disse a você que te trocasses conosco?’, me segurou e me levou pelos cabelos, todo ensaboado, ao vestiário deles: ‘de agora em diante vais usar esse armário, sabes quem se trocava aqui?’, me perguntou. ‘Juan Gilberto Funes’, completou. Queria morrer. A partir de então começou a me chamar de Juancito ou Funecito. E nunca mais troquei meu lugar no vestiário até meu retiro. Mais de uma vez quiseram me mover, mas me plantei”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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