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25 anos sem Ayrton Senna, ídolo de Fangio e de toda a Argentina

Senna e Fangio, fãs e ídolos mútuos

Versão revista e atualizada da nota que publicamos nos 20 anos sem Senna

Há vinte e cinco Dias do Trabalhor, o mundo ficou órfão de Ayrton Senna. Incluindo os argentinos, um deles em especial: ninguém menos que o pentacampeão Juan Manuel Fangio, que faleceria no ano seguinte. Felizmente, a besta rivalidade entre Brasil e Argentina que outro amigo de Senna adora insuflar em narrações passava longe no automobilismo, e dos dois pilotos também – algo inclusive ressaltado quando o Corinthians lançou no ano passado um terceiro uniforme em homenagem a seu famoso torcedor, emocionando hermanos na imprensa e até em quem saiu pelos fundos, como Matías Defederico.

Fangio, por muito tempo o recordista de títulos na Fórmula 1, é o único campeão por quatro escuderias diferentes (Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari); o mais velho campeão (46 anos); e ainda dono do melhor aproveitamento em grandes prêmios, ao vencer 47,5% dos que disputou (24 em 51 provas), dentre outros feitos que destacamos nesse outro Especial; Senna, por muito tempo o recordista de pole positions, tem estórias memoráveis como a quase-vitória em Mônaco pela Toleman, uma vitória de título mundial após ficar em 14º no início, as quatro ultrapassagens na primeira volta em Donington Park, a vitória no Brasil só tendo a sexta marcha nas últimas voltas…

Senna poderia ter sido tetracampeão, só abaixo do ídolo na época, se não fosse a fluminensada de Alain Prost e do presidente da FIA, Jean-Marie Balestre, em polêmicos bastidores na temporada de 1989. “Quando Senna teve aquele problema com o presidente, ligou ao Juan para lhe pedir uma opinião. E Juan disse-lhe que ficasse em silêncio, não dissesse nada…”, garantiu Ethel Fangio, sobrinha do piloto argentino, em depoimento reproduzido em 2011 na edição especial da El Gráfico (principal revista esportiva argentina) que celebrou os cem anos do nascimento de Fangio.

Senna poderia também ter chegado ainda mais perto (ou superado) do ídolo se a diferença abissal que a Williams teve em 1992-93 tivesse sido proibida desde o início e não só em 1994, justo quando o brasileiro trocou o macacão vermelho pelo azul. Longe de ameaçar alguma vaidade em Fangio ao querer supera-lo, o cativava. O argentino via em Senna seu legítimo herdeiro nas pistas.

Juntos hoje no museu de Fangio em Balcarce (com a foto pós-jantar em 1991) e no circuito de Donington Park

Ayrton voltou a desabafar com Fangio em 1991, sobre temor em relação à Williams: o brasileiro esteve de surpresa em Buenos Aires, após o fim da temporada em que foi campeão pela última vez, para jantar com o amigo e expor-lhe a tristeza em não ser chamado para 1992 pela escuderia, satisfeita com Nigel Mansell e Riccardo Patrese. O hermano, assustado com a pressão que sentia em Senna, teria lhe aconselhado a espairecer em relação aos meios de comunicação.

A admiração mútua ficara explícita a todos um ano antes, na Austrália, no GP de número 500 da Fórmula 1 e vencido por outro brasileiro, Nelson Piquet. A temporada 1990 já havia sido garantida em favor de Senna no Japão, de uma forma amarga como sua relação com Prost na época. Assim, o francês não se juntou a uma foto histórica entre os diversos pilotos e ex-pilotos campeões presentes. Nela, Senna ergueu o braço do argentino, como que louvando que Fangio era o maior dos maiores ali.

Fangio, por sua vez, tem em seu museu (três andares de automobilismo localizados a 410 km e 4 horas de ônibus de Buenos Aires, na cidade natal do piloto, Balcarce. Vá lá especialmente se visitar o popular balneário de Mar del Plata, que é ao lado), inaugurado há quase trinta anos, uma seção voltada a Senna. Um dos itens, além dos icônicos capacete e McLaren de Ayrton, é uma foto de ambos tirada justamente após aquele jantar que tiveram em Buenos Aires em 1991.

Já octagenário, o argentino vinha tendo problemas de saúde desde bem antes, no coração e especialmente nos rins (precisava de hemodiálise). Em 1993, juntou-se a isso uma infecção intestinal. Também vinha enfrentando problemas locomotores. A morte de Senna foi outro tremendo baque.

Senna em matérias da principal revista esportiva argentina, a El Gráfico

“Juan nunca, mas nunca mesmo, perdeu uma corrida de Fórmula 1. Via-as todas pela televisão. Viu o acidente do Senna ao vivo, mas a caminho do banheiro ouviu que ele tinha morrido. Estava inquieto mas nós o acalmamos, dissemos que não, que tinha ouvido mal (…). Aquilo doeu-lhe tanto que nunca mais viu a Fórmula 1. Foi um golpe duríssimo. Porque ele e Senna eram confidentes”, também relatou a sobrinha Ethel, naquela El Gráfico do centenário de Fangio, revista que também contém palavras de Senna: “todos os anos alguém se consagra campeão do mundo. Mas é circunstancial. O verdadeiro campeão é um só. É Juan Manuel Fangio”.

A admiração a Senna não se restringia ao ilustre fã-ídolo. A imprensa argentina também, longe de pachequismos locais, reconhecia seu talento. A tal revista El Gráfico, por sinal, completou 90 anos em 2009 e listou então quais teriam sido suas 90 maiores coberturas, dentre todos os esportes; infelizmente, a página já não está no ar (o link original era este). Mas dentre essas maiores coberturas a última dedicada ao automobilismo foi justamente sobre la tarde que murió Ayrton Senna. “Adeus Ayrton, Adeus” (em português mesmo), “Imortal”, “morreu um gênio” e “caiu uma lágrima no mundo” foram alguns títulos usados nas diversas notas.

Trechos da cobertura estavam disponíveis aqui até no ano passado.:”O brasileiro Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula Um, entre os mais talentosos pilotos da história, se estrelou na curva Tamburello do circuito de Imola, quando liderava a sexta volta do Grande Prêmio de San Marino. Houve outros acidentes e também faleceu o austríaco Roland Ratzenberger, em um fim de semana trágico”, começava. Outro relatou que “A ambulância demorou um século para chegar (75 segundos! Uma eternidade), mas ainda chegando mais rápido de nada teria servido: Senna já estava praticamente sem vida”; os parênteses são da própria reportagem mesmo.

“Assim é a vida. Mas também, como foi este horrível fim de semana em Imola, assim é também, de tanto em tanto, a morte. Se foram juntos, com um dia de diferença, um tricampeão do mundo, riquíssimo, popular, e no ponto mais alto de sua glória e um ex-mecânico, pobre e semidesconhecido, que havia aterrissado na Fórmula 1 atrás de um sonho de fama que alguma vez teve Senna. Que alguém se pergunte – por Deus! – por quê…”, encerrava a cobertura, contrapondo o brasileiro a Ratzenberger.

Outras páginas da El Gráfico, mas na edição pós-morte do piloto

Fangio morreu em 17 de julho de 1995 (foi retratado em uma história-tributo em um gibi do Senninha), data em que a cordialidade Brasil-Argentina passou longe – foi o mesmo dia em que Túlio Maravilha famosamente usou a mão contra a Albiceleste na Copa América. Os amigos estão hoje juntos em forma de estátuas no circuito de Donington Park, local daquela célebre primeira volta do brasileiro em 1993, ano de outro encontro famoso: foi no GP do Brasil, que Senna voltou a vencer.

A vitória de Senna em Interlagos em 1993 normalmente é ofuscada pela de 1991, não só a primeira em que Ayrton venceu em casa mas também por ter só a sexta marcha – e ter sido em uma temporada em que terminaria campeão. O triunfo de 1993 inclusive foi esquecido no emocionante documentário Senna (o de 2010). Uma pena, pois perdeu-se a oportunidade de relembrar uma aclamação popular muito mais visível, com espectadores comovidos enchendo a pista para tocar no ídolo. Também acabou perdida a chance de mostrar um encontro afável das duas lendas.

Senna já havia perdido a temporada de 1992 para a Williams de Mansell. Dessa vez, o envenenado carro rival tinha ninguém menos que Prost. Era a segunda corrida da temporada e o francês, que conseguiria o tetracampeonato, vencera na África do Sul a primeira. Senna estava ainda mais inseguro e Fangio voltou a lhe pedir mais calma e confiança, além de torcer para chover, que assim “você ganha essa corrida”. Senna largou em terceiro, atrás das Williams do pole Prost e Damon Hill. Senna logo ultrapassou Hill, mas teve que encarar uma punição nos boxes e na volta já estava atrás também de Michael Schumacher. Veio então a chuva pesada e Prost se acidentou, Schumacher teve problemas em um pit stop e Senna conseguiu ultrapassar outra vez o novo líder Hill e vencer.

O brasileiro não só venceu como ainda ficou provisoriamente na liderança da temporada. Se em 1991 o estresse muscular quase impediu Senna até de erguer o troféu, em 1993 quem pôde ser carregado pelos brasileiros eufóricos foi ele mesmo. Fangio, que já havia negado um pedido de Ayrton para entregar-lhe uma premiação em 1991, justo a do GP de San Marino (Fangio recusara-se para não desapontar ainda mais os entristecidos fãs de sua antiga Ferrari, cujos dois carros abandonaram cedo a prova), aceitou em Interlagos pelo menos entregar a premiação da McLaren. Ao ver o ídolo, o vencedor desceu do pódio. Em agradecimento e, por que não?, simbologia. Mais abaixo, o vídeo da ocasião, e registros da recente comoção argentina em torno da homenagem corintiana de 2018.

*Agradecimentos a Senna, Fangio e ao Nobres do Grid. Vale ler ainda publicação de 2016 do Patadas y Gambetas que sustenta que Senna comoveu os argentinos mais do que Maradona.

Os maiores: Senna exaltando no encontro de campeões em 1990, com James Hunt (já assistiram o filme “Rush”?), Jackie Stewart e Denny Hulme em pé, Nelson Piquet e Jack Brabham sentados ao lado; e no pódio no Brasil em 1993, observados por Michael Schumacher

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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