25 anos do vice argentino na Copa de 1990

Bem marcado e sem condições físicas, Maradona pouco produziu

Neste 8 de julho, a imprensa alemã não focou no primeiro aniversário dos 7-1 e sim no primeiro quarto de século do tricampeonato mundial. Há 25 anos, Maradona poderia ter sido ainda mais lenda do que é e melhor comparável a Pelé se aquele título viesse para sua Argentina em frangalhos como o tornozelo dele. Mas, verdade seja dita, a vitória nunca esteve perto naquele dia. Mesmo com os alemães não dando exatamente um show de bola, dominaram a partida. O tão criticado árbitro Edgardo Codesal, apesar do polêmico pênalti, não concedeu outros aos germânicos e teria total razão se deixasse a Argentina com um a menos desde o início do jogo: Gustavo Dezotti, o mais atrapalhado em campo.

Dezotti, na temporada que antecedeu a Copa, havia sido o melhor atacante argentino no melhor campeonato nacional da época, o italiano. Tanto por ter sido quem mais marcara gols no calcio na temporada 1989-90 (treze) como por tê-los feito por um clube que terminou rebaixado, a Cremonese. Uma grande evolução para quem dois anos antes era uma mera opção não titular absoluta do ataque do Newell’s campeão de 1987-88 – seu concorrente também estava na Copa: era Abel Balbo. Mas nenhum deles era o atacante isolado na retranqueira tática de Bilardo: ninguém melhor para ser acionado nos contra-ataques do que o velocíssimo Claudio Caniggia, El Hijo del Viento.

Caniggia havia sido herói nos mata-matas com um Brasil bem melhor, nas oitavas, e contra a anfitriã Itália, marcando os gols que mantiveram aquela esforçada Argentina viva. Os italianos sequer haviam sofrido gol antes naquela edição, mas Cani não sorriu por último. Uma tola mão na bola naquela semifinal rendeu-lhe o segundo cartão amarelo e consequente suspensão para a partida seguinte. Outros desfalques eram os volantes Ricardo Giusti, expulso na semifinal, Julio Olarticoechea e Sergio Batista.

O técnico Carlos Bilardo já estava acostumado a remendar o time. Para começar, naquele 1990 o técnico sentia-se tão sem opções ao ataque que convencera um jogador aposentado há três anos a voltar a se exercitar por um semestre por um lugar na Copa. Era Jorge Valdano, que, após alguns amistosos, até ganhou figurinha no álbum do torneio – com a camisa de 1986 enquanto os demais vestiam a atual. El Filósofo, porém, lesionou a perna esquerda às vésperas da convocação. Soltou a célebre metáfora “nadei, nadei, nadei e morri na margem”. Gabriel Calderón foi o escolhido no lugar.

Não era a intenção de Matthäus fazer fair play nessa… (clique para ver)
O que é que Burruchaga pretendia fazer? (clique para ver)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Luis Brown e Héctor Enrique, invenções de Bilardo na Copa anterior (Brown não jogara as eliminatórias e Enrique sequer havia estreado pela seleção antes da convocação ao México) também se lesionaram antes do chamado. Outro do álbum da Copa, o goleiro Luis Islas ausentou-se por vontade própria: considerava-se em melhor forma que o titular Nery Pumpido após ser eleito o melhor do campeonato espanhol de 1989-90 no nanico Logroñés e, insatisfeito com a reserva, pediu para sair. Para completar, Pumpido fraturou uma perna no início da segunda partida, contra a União Soviética. Foi assim que Sergio Goycochea, apenas a terceira opção de gol, conquistou a titularidade.

Como Caniggia, Goycochea foi a outra figura dos mata-matas. No seu caso, nas decisões por pênaltis contra Iugoslávia, nas quartas-de-final, e Itália, na semifinal, pegando uma cobrança em cada. A tática argentina naquela final, com Maradona não podendo sair do ritmo da caminhada e com isso facilmente desarmável, pareceu contar com nova decisão por pênaltis e foi um deles que decidiu a grande final. Para o azar argentino, veio muito mais cedo. E, paradoxalmente, também muito tarde: aos 40 do segundo tempo. Goyco até acertou o canto escolhido por Andreas Brehme, mas era humano.

Foi uma final tão sofrível que Goycochea mal trabalhou até aquele lance, mesmo com todo o domínio alemão. Era tão grande que as vaias italianas a Maradona mal se ouviram durante a partida, pois ele mal tinha a oportunidade de conduzir um pouco a bola. A Argentina deu a saída de jogo e o primeiro toque alemão foi justamente desarmando Dieguito. Após algumas tabelinhas envolvendo ele e Jorge Burruchaga no início, os argentinos notaram que não conseguiriam armar nada pelo meio. Nas poucas oportunidades que tentavam criar, usavam chutões pelas laterais. Maradona só voltaria a tocar na bola já depois de meia hora de jogo.

Goycochea mal trabalhou porque os alemães, quando não erravam passes (até Lothar Matthäus teve erro crasso no quesito) falhavam miseravelmente na hora de concluir, mandando para longe nos arremates de Jürgen Klinsmann e nas acrobacias quase patéticas de Rudi Völler – como aos 14:40, 21:50, 34:00, 1:07:20, 1:19:15, 1:47:40 do vídeo abaixo. Alguns sustos vieram em um quase gol contra (em contra-ataque alemão após bola roubada pelo meio) após bola cruzada por Brehme aos 24:10 ou quando Völler foi excessivamente fominha e perdeu a bola próximo à meta argentina em vez de tocar para Klinsmann.

Dezotti saindo do ataque para cometer uma de suas faltas (clique)
Dezotti perdendo a bola e empurrando Kohler (clique)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Se Maradona mal podia fazer, Dezotti, por nervosismo ou falta do entrosamento que Maradona tanto tinha com o suspenso Caniggia, fazia atuação estabanada. Ao parar com falta um ataque alemão no início do jogo, recebeu amarelo de Codesal. Que, se ainda é criticado pelo pênalti discutível no fim do jogo, amenizou ao não exibir o vermelho ao atacante, que não se inibiu de cometer faltas durante todo o primeiro tempo: aos 26:00, entrando duro em Guido Buchwald; aos 33:30, perdendo a bola no ataque e com isso empurrando o marcador Jürgen Kohler; aos 37:35, dessa vez sobre Pierre Littbarski. Corria chutando forte demais a bola (perdendo-a aos 38:05, estragando tentativa de contra-ataque) e ainda quase entregou um gol após péssimo recuo na defesa argentina aos 01:12:20.

Burruchaga alternou-se entre a inoperância e, quando teve a bola, o desastre. Aos 44:40 do vídeo, tentou primeiro inverter. A bola foi interceptada por um pé alemão e lhe voltou, com ele recuando para ninguém e permitindo ao adversário avançar a galope. Depois, aos 47, tocou a mão na bola perto da própria área, com Codesal interpretando o lance como não-intencional e mandando o jogo seguir. Burru seria substituído no início do segundo tempo por Calderón.

Se o lado germânico vez ou outra forçava Goycochea a ficar atento mesmo que sem se mexer tanto, o outro goleiro, Bodo Illgner, só foi defender algo dos argentinos aos 57 minutos do vídeo. Até então só usara as mãos para agarrar recuos dos pés alemães, algo até então permitido nas regras do jogo. No segundo tempo, Illgner pôde permanecer quase estático enquanto a carga sobre Goyco aumentou. Aos 1:04:20, Littbarski desfilou contra três defensores argentinos e de fora da área fez a bola passar muito perto da trave esquerda. Aos 1:06:00, Thomas Berthold deu susto ao cabecear falta cobrada por Matthäus.

Aos 01:13:50 e aos 01:14:45, os alemães reclamaram de dois pênaltis para si. O primeiro lance foi entre Pedro Monzón e Klinsmann em disputa aérea de bola na grande área após cruzamento de Matthäus, com Klinsmann enfeitando na queda. No outro, Matthäus lançou Klaus Augenthaler livre na entrada da pequena área. Ele chocou-se com a saída de Goycochea e a bola respingou em atrasado beque argentino. Pareceu pastelão: a bola reagiu indo em direção ao gol argentino, sendo salva com alguma sorte em cima da linha por outro hermano. Aceso, Goycochea chegou a catar borboletas em escanteio aos 1:17:35, mas o chute oponente não furou o bloqueio dos homens de azul.

A periclitante situação argentina piorou aos 20 do segundo tempo (1:21:35 no vídeo): Monzón, que havia entrado no intervalo no lugar de mais um lesionado (Oscar Ruggeri), levantou o pé para parar Klinsmann, que após cair jogou os próprios pés ao alto e deu três roladas no gramado como se tivesse sofrendo convulsão. O enfeite convenceu Codesal a exibir diretamente o cartão vermelho a Monzón, o primeiro jogador expulso em uma final de Copa. A final, que vinha tranquila, viu uma confusão que paralisou o jogo por três minutos. Brehme quase marcou na cobrança, tirando tinta da trave.

Völler sem calibre, parte I (clique para ver)
Völler sem calibre, parte II (clique para ver)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vale lembrar que o rigor empregado a Monzón não foi usado por Codesal em outro lance passível de pênalti anterior “àquele”. Aos 01:25:55, Klinsmann foi derrubado por Néstor Lorenzo no início da grande área mas o apito se referiu ao impedimento do atacante. Por outro lado, os argentinos também reclamaram de um penal para si, aos 01:34:30: em escanteio aos argentinos, a bola foi rifada ao início da grande área e Matthäus se preparava para afasta-la, mas Calderón tomou-lhe a bola e em seguida foi derrubado pelo capitão. Seis minutos depois veio o lance capital.

Eram 40 minutos do segundo tempo quando um belo passe de Matthäus chegou a Völler, que caiu após disputa com Néstor Sensini. A câmera jamais deixou claro se Sensini atingiu somente a bola ou não. Em longa entrevista à revista El Gráfico em 2008, El Boquita respondeu exatas cem perguntas. E a primeira foi, na íntegra e sem maiores referências, “foi falta ou não foi falta?”. A resposta foi um curto “não”. Depois, ele detalha que “o que houve é que Codesal está nas minhas costas, e só nota que eu vou ao chão, não vê bem a jogada. O que sim poderia vê-la era o bandeirinha, mas como o árbitro já havia apitado…”: veja aqui. Apesar do lance, quem na ocasião foi amarelado foi o zagueiro Pedro Troglio, pelo exagero na reclamação.

Após o gol de Brehme, ainda houve jogo. Aos 01:43:30, Illgner fez sua segunda e última intervenção em lance argentino, um chute fraco de Lorenzo que praticamente recuou-lhe a bola. Aos 01:44:00, a partida estava paralisada após Maradona ter colocado a mão na bola e as câmeras focavam nas bandeiras campeãs tremulando. De repente, a plateia grita: Dezotti “coroara” sua atuação ao simplesmente rodopiar Kohler pelo pescoço e enfim foi expulso por Codesal, enquanto o desconsolado Maradona levava amarelo por reclamar. Ainda houve uma última chance dada aos argentinos para empatar, no clássico tiro livre no meio de campo em que praticamente toda os jogadores buscam a área adversária, aos 01:47:40. Não deu em nada e no contra-ataque Klinsmann novamente chutou muito para cima.

Não era mesmo o dia dos argentinos, alegrando um pouco os brasileiros, que naquele mesmo 8 de julho enterravam Cazuza (morto na véspera). Já defendemos o 6-0 sobre o Peru em 1978 como uma goleada legítima, com base em leitura da própria mídia brasileira – veja aqui. Pênalti de Sensini ou não, não há razão para criticar a arbitragem de Codesal como se mal intencionada fosse. O que dá para se lamentar é que a Alemanha no retrospecto geral é freguesa da Argentina. O problema é nas Copas, conforme demonstramos neste outro Especial

httpv://www.youtube.com/watch?v=hsN0P5v-UiM

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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