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25 anos do Bi-Mundial: Bélgica 0x2 Argentina

Maradona marcou os dois gols da partida. O segundo, uma pintura.

Depois de passar pela Inglaterra nas quartas-de-final, a Argentina enfrentaria o surpreendente selecionado belga, os Diabos Vermelhos do chamado “pântano europeu que virou jardim”. A Albiceleste vinha forte para o confronto, determinada, confiante, mas seu adversário poderia lhe pregar uma peça, assim como o fez contra outros gigantes daquele torneio. Antes, portanto, de centrarmos nossa análise no jogo em si, com ênfase na Albiceleste, convém falarmos um pouco da Bélgica.

O time belga era a base da equipe que já havia feito um bom mundial em 1982, eliminada no triangular da segunda fase, mas deixando uma ótima imagem de time que poderia oferecer dificuldades quatros anos depois. E foi o que aconteceu em 1986. A surpreendente campanha que colocava os Diabos Vermelhos diante da Albiceleste incluía vitórias sobre a Espanha e a União Soviética, numa partida que foi um capítulo a parte na história dos Mundiais. Depois de um duro embate no tempo normal, a partida fora para a prorrogação e só foi decidida com um gol de Claesen, aos cinco minutos do segundo tempo da prorrogação. A equipe de Jean-Michel Pfaff vencia um gigante no Torneio, mas as consequências seriam sentidas na partida seguinte, contra outra favorita. A Espanha de Emílio Butragueño era um time vistoso, de futebol articulado e com um dos contra-ataques mais mortais da história das Copas, chegava para o confronto como favorita e até em razão do sofrimento belga na partida anterior, todos lhe apontavam já como uma das semifinalistas.

Contudo, mais uma vez a Bélgica surpreenderia. Empataria o jogo em 1×1, depois de 120 minutos, e venceria La Fúria por 5×4 nos pênaltis. Apesar do sofrimento, os Diabos Vermelhos venciam mais um grande adversário. E por que isto se repetia? Porque possuíam um excelente time de futebol.

A década de 80 foi considerada a era de ouro do futebol belga; 1986, o seu diamante. Possuía um estupendo goleiro, Jean-Marie Pfaff, o melhor da Copa, arqueiro seguro, mentalmente tranquilo e conhecido pelo seu caráter reto. O “pequeno príncipe” Frank Vercauteren, até hoje referência na Europa para aposição de lateral; Van den Berg, chuteria de ouro em 1980; além de nomes como os de Van der Elst e Eric Gerets, além de Jan Ceulemans, “o Fantástico”, eleito para a seleção da Copa.

Contudo, nada explicava melhor o momento belga do que a presença do maior craque da história de seu futebol, Enzo Scifo. Chamado no seu país de “o Pequeno Pelé”, o jogador era ao mesmo tempo um meio-campista cerebral e rápido, além de possuir enorme poder de definição. Sua visão de jogo colocava vários jogadores na cara do gol; havia sido decisivo nos jogos anteriores: matador contra o Uruguai, fundamental contra a União Soviética e o dono do jogo contra a Espanha. Como resultado, foi eleito a revelação do Mundial do México/1986. Se a década de 80 foi o período de ouro da Bélgica, isto só aconteceu por causa de Enzo Scifo.

Enzo Scifo

Enfrentar a Bélgica era a oportunidade que a Argentina queria para se vingar da derrota por 1×0, na estréia do Mundial anterior. De um lado, se apresentava uma esquadra exaurida em seu estado físico e emocional; de outro, uma seleção que não somente havia encontrado sua formação ideal e havia varrido as desconfianças de seus torcedores e críticos, após vencer Uruguai e Inglaterra, como também o resumo do que era um time de futebol confiante. Logo no início do confronto se anunciavam algumas verdades sobre o confronto: a Copa já havia terminado para os Diabos Vermelhos na partida anterior; A Albiceleste passearia em campo e el Pibe de Oro, Diego Armando Maradona, teria uma jornada extraordinária.

 

Após ter disputado 60 minutos a mais de futebol que seu adversário, o time belga armou uma estratégia de guarnecer sua defesa e jogar compactado atrás. Isto permitiria que o time levasse o jogo em banho-maria até reverter a vantagem psicológica que os comandados de Bilardo possuíam. Este, contudo, armou sua equipe para destroçar os belgas rapidamente e, se possível, não desgastar tanto o elenco para a grande final. Manteve a formação com a linha de três atrás, mas modificou a posição de Cuciuffo, que deixou de avançar como nas partidas anteriores. Fixo atrás, Cuciuffo favoreceria os avanços de Olarticoechea, que praticamente atuou do meio de campo para frente, quase como um ponta esquerda. Ao lado de Giusti, Enrique era o ponto de equilíbrio, o organizador do meio campo; o principal carimbador das bolas que chegariam a Maradona e Valdano. Para a ligação, Enrique contava também com Burrochaga, que embora jogasse avançado, voltava para compor o meio e quase não tinha posição fixa. O esquema era um claro 3-3-2-2.

O time belga pensava no contra-ataque, mas as saídas pelo meio campo, eficientes sobretudo contra a URSS, eram bloqueadas na partida pelo elenco albiceleste, que ocupava três quartos do campo e tinha Maradona jogando praticamente solto. Mas, isto não ocorria pela inocência dos europeus e sim pela sua dificuldade de marcar e até de “bater” em El Diez, como lembra Mauro Beting: “além de pior, a Bélgica estava estropiada por ter jogado e corrido 60 minutos a mais na Copa(…). Estava morta. Também por isso atuou tão atrás e marcou tão mal. Nem bater em Maradona conseguiu” (As melhores Seleções estrangeiras, São Paulo, Contexto, 2010).

Deixando de lado a infrutífera discussão sobre quem foi o melhor jogador da história, o fato é que é pouco discutível que o maior desempenho de um jogador em um Mundial se deveu a Maradona. Se isto é verdade, el Pibe pode ter destroçado a Inglaterra nas quartas de final, mas seria contra a Bélgica que ele apresentaria o seu melhor futebol.

Embora o domínio argentino fosse total, a equipe não conseguia chegar com perigo à meta de Pfaff. O gênio de Maradona se apresentava no deslocamento em campo e nas jogadas de efeito que fazia, como o belo arremate de fora da área, que Valdano não soube aproveitar como rebote, pois utilizou a mão, se esquecendo de quem era la mano de Dios na Terra.

Todavia, a proposta de Bilardo de decidir logo a partida falhava pouco a pouco, envolvida no marasmo em que a equipe belga conseguia transformar a partida. Portanto, o que se configurava com o decorrer do encontro era um falso domínio da Argentina, que acreditava ter um adversário abatido, mas que não conseguia transformar suas pretensões ofensivas em gol. Como resultado disso, instaurou-se uma desnecessária tensão na partida, que de forma alguma favorecia a equipe capitaneada por Maradona e que sinalizava à possibilidade de o imponderável entrar em campo.

A partir dos 20 primeiros minutos, os europeus experimentaram chegar à frente e tiveram grande chance de abrir o placar aos 27 minutos com Veyt, porém, foi assinalado um impedimento inexistente da parte do assistente de arbitro Carlos Valente. Percebendo que poderiam incomodar, os europeus chegaram duas vezes mais, numa delas, aos 36 teve novamente a chance de marcar, mas Vercauteren foi interrompido por outra marcação de impedimento que não aconteceu. Com o fim da primeira etapa, a estratégia da equipe dirigida por Guy Thys saía vencedora, o que configurava a tensão em campo como uma personagem que se juntaria aos jogadores na cancha e que atuaria com destaque na etapa complementar.

Percebendo que a estratégia não estava funcionando, Bilardo resolveu atrair ainda mais os europeus. Da parte desses, ficara no fim do primeiro tempo a impressão de que poderiam apertar um pouco mais a Argentina. Sua tática possível, do começo de jogo, de desgastar o emocional albiceleste, foi então trocada pela de buscar um gol a qualquer custo e de se retrair de vez, já que, em tese, os argentinos se perderiam ainda mais na falta de objetividade demonstrada nos primeiros 45 minutos. Contudo, para o bem da Argentina, a estratégia de El Narigón falou mais alto e aos seis minutos a sua esquadra chegava ao primeiro gol. Héctor Henrique recebeu a bola ainda no campo de defesa, arrancou com ela sem marcação e entregou para Burrochaga, que colocou Maradona entre dois defensores e a saída precipitada de Pfaff, 1×0.

Os belgas continuaram atacando e tiveram duas chances aos 12 e principalmente aos 13 minutos, quando quase empataram com Claesen. Porém, aos 18, El Pibe de Oro apareceria mais uma vez de maneira brilhante no Mundial. Recebeu de Henrique no meio, passou por quatro defensores e tocou com classe no contra-pé de Jean-Marie Pfaff, 2×0. No detalhe da jogada, dá para reparar que todos os toques de Diego foram curtos e apenas suficientes para passar por seus marcadores, exceto o último, que foi um pouco mais alongado, numa associação de inteligência e força física, que são pouco calculados pelos gênios do futebol, pois são componentes típicos de sua habilidade nata. O gol expulsou de vez a tensão de dentro de campo. A partir daí, só não saiu uma goleada porque o time belga era um adversário brilhante, ainda que exausto não perdia sua mecânica de marcação, sua capacidade de concentração e a tranquilidade que faz parte dos grandes times quando o desespero ronda nebuloso.

Apesar da forte marcação, o time belga, que tinha a maioria de seus jogadores com os meios arriados jogava limpo; colocava a bola no chão e tentava jogar. A partida então ganhou o contorno de confronto decidido, mas, apesar disso, era possível ver a beleza em jogadas esporádicas dos belgas e, sobretudo, da albiceleste. Maradona continuava desfilando em campo. Em jogada extraordinária deixou Valdano na cara do gol, que chutou para o alto e perdeu a grande chance dos argentinos de chegarem ao terceiro gol.

Com o apito final de Antonio Marquez Ramirez a Albiceleste estava na final do Mundial pela terceira vez na sua história, o adversário seria a temível Alemanha Ocidental de Karl-Heinz Rummenigge. A Bélgica havia lutado muito e com jogadores como Ceulemans, Pfaff, Scifo e Vercauteren, mas, como arfirmou Eric Gerets no fim da partida: “Nós não temos um jogador como Diego Maradona em nossa equipe. Se Maradona jogasse na Bélgica ganharíamos por 2×0. Essa foi a diferença da partida de hoje”. E a Albiceleste precisaria desse jogador na grande final para ganhar um título apenas dentro de campo e sem a nebulosa influência e o constrangimento da ditadura militar de 1978.

Formações:
Bélgica: Jean-Marie Pfaff; Stéphane Demol, Georges Grün, Michel Renquin (Philippe Desmet) e Eric Gerets; Patrick Vervoort, Frank Vercauteren, Jan Ceulemans e Enzo Scifo; Nico Claesen e Danny Veyt. Técnico: Guy Thys

Argentina: Nery Pumpido; Oscar Ruggeri, Jose Brown e Jose Cuciuffo; Sergio Batista, Ricarod Giusti e Julio Orlaticoechea; Héctor Henrique e Jorge Burrochaga (Ricardo Bochini); Diego Maradona e Jorge Valdano Batista. Técnico: Carlos Bilardo

Árbitro: Antonio Marquez Ramirez
Gols: Diego Armando Maradona, aos 6 e aos 18 minutos do segundo tempo
Cartões amarelos: Daniel Veyt (Bélgica), aos 27 e Jorge Valdano (Argentina), aos 33
Cartões Vermelhos: Não houve
Local: Estádio Azteca, Cidade do México
Público: 110 mil pessoas
Data e hora da partida: 25/06/1986, às 16h00

httpv://www.youtube.com/watch?v=wMqZ2SCcYZs

 

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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  • Sensacional relato, nesse jogo tivemos o segundo gol mais bonito da carreira de Diego, e foi a única partida de copas aonde o gênio Ricardo Enrique Bochini, o maior ídolo de Maradona no futebol atuou, por 3 minutos.

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