A terceira partida da Argentina na Copa do México de 1986 foi fundamental para a Albiceleste em especial por dois aspectos: continuar o ensaio rumo a uma formação ideal, por parte de seu técnico, Bilardo, e a classificação em primeiro lugar no grupo, fundamental para levar vantagem moral frente ao seu adversário nas oitavas, que veio a ser o Uruguai.
Antes, contudo, de entrarmos na partida, vale lembrar alguns detalhes sobre o Mundial de 1986. Sua realização estava prevista para a Colômbia, que desistiu, pois não se achava em condições econômicas para realizá-lo. O México, na verdade, foi a salvação para a FIFA, que já enfrentava problemas com os patrocinadores e temia pela não realização do torneio. Ao “salvar” a FIFA, o México deu uma manifestação de coragem sem precedentes na história da organização do Mundial, já que oito meses antes do início, o país sofreu um terremoto de 8,1 na escala Richter, que devastou sua capital e o moral de seu povo. Porém, a sociedade mexicana conseguiu se reerguer e ainda embelezar parte da cidade para a recepção da Copa e dos turistas em geral.
Outro aspecto que chama a atenção, mas ligado ao futebol, foi o fato de que o México, que havia sido o palco do coroamento definitivo de Pelé, preparava o mesmo palco para o surgimento de um outro Deus do futebol. E para o coroamento não faltavam candidatos: Platini, Sócrates, Zico e El Píbe de Oro, Diego Armando Maradona.
A Argentina vinha de um importante empate frente à Squadra Azzurra e precisava ganhar para se definir como o líder do grupo e para espantar de vez todos os fantasmas que insistiam em rondar o seu plantel. Um deles era a desconfiança que pairava sobre sua baixa qualidade técnica, além de sua incapacidade de lidar com a responsabilidade de tornar a Selección a campeã de um novo Mundial. O fato era sustentado pelo trauma, instaurado nos meios esportivos e nos torcedores, em razão da eliminação na segunda fase da Copa de 1982.
Mas, se os jogadores não tinham a confiança dos torcedores, era ainda pior a desconfiança que recaía sobre as costas de Carlos Bilardo. Se o desempenho de Maradona na Copa foi um “terremoto positivo” na vida dos mexicanos, a mesma Copa foi também a consagração de El Narigón, que saíra da Argentina com a pecha de incapaz, por discordar totalmente das teorias e esquemas táticos de seu antecessor, César Luis Menotti. Além disso, Bilardo era mal visto por não apresentar uma alternativa vitoriosa às teorias de Menotti. A conquista do Mundial, portanto, foi também a consagração de El Narigón.
Bilardo levou para a partida contra a Bulgária um sistema que tinha apresentado no empate da Albiceleste diante da Itália, um 3-5-2 com dois volantes ponteiros, dois jogadores ocupando a primeira banda do meio campo e com Maradona centralizado e ocupando a segunda parte do balão do meio campo. Sua função de articulador ganhava a proteção dos quatro jogadores que ele comandaria na meia cancha e que o deixaria livre para acionar os dois atacantes à frente. Porém, a função de El Pibe era também a de funcionar como uma armadilha, já que nem sempre a articulação das jogadas ficaria ao seu cargo, mas também para os demais homens do meio campo. Nesta armadilha cairia a Bulgária. Enquanto todos se preocupavam com Maradona, um balão da meia cancha esquerda seria lançado para Cuciuffo, na jogada que originaria o primeiro gol da partida.
O sistema consistia na ocupação total do meio campo, mas não era só isso. Enquanto dois jogadores protegiam o trio defensivo, os dois ponteiros poderiam avançar. Contudo, se a defesa adversária bloqueasse o avanço desses ponteiros, seria surpreendida pelo avanço da dupla recuada do meio campo, que provavelmente teria a sua função de marcação exercida pelos ponteiros. O sistema previa que todo o jogo seria pensado a partir do meio campo; a forma de sua ocupação determinava tanto uma forte defesa da retaguarda quanto a saída rápida para o jogo ofensivo. O sistema estava pronto na cabeça de Bilardo, contudo ele ainda não havia encontrado os jogadores ideais para cada posição.
Favorita para o confronto, a Argentina não poderia deixar escapar a oportunidade de ser o líder do grupo, até por enfrentar a um adversário que não era dos melhores. Embora tenha empatado com a Itália na estréia, a Bulgária tinha repetido o placar de 1×1 contra a Coréia do Sul, na segunda partida. Então os comandados de Bilardo trataram de resolver logo o confronto e chegaram ao primeiro gol aos três minutos de jogo. A bola foi lançada para Cuciuffo na ponta direita, que passou por dois defensores búlgaros e cruzou para Jorge Valdano fazer de cabeça, 1×0. Na jogada, Cuciuffo contou com a falha da zaga búlgara, que não soube oferecer o devido combate ao zagueiro avançado.
Porém, o que parecia ser uma jornada de gala para os comandados de Bilardo se converteu em um jogo morno e pouco interessante. Em parte, porque a Bulgária se recusava a pressionar os argentinos em busca do gol de empate e, em parte, porque o próprio elenco argentino se acomodou em campo com uma vantagem tranquila e pouco ameaçada. Soma-se a isso o fato de que a seleção búlgara praticou uma forte marcação sobre Maradona. Primeiro com Ayan Sadkov, que não desgrudava de el Pibe e, depois, com o reforço dessa marcação por parte de outros jogadores que atuavam nas zonas do campo em que Maradona percorria.
Maradona aparecia pouco na partida, mas sempre com toque geniais que anunciavam o Gênio que nasceria nos jogos seguintes. Neste embate, sua preocupação consistia em se preservar para um eventual momento de dificuldades da equipe no confronto. Além disso, o capitão argentino, que até ali era um dos caçados da Copa, sabia que precisava se cuidar de possíveis contusões, que o poderiam eventualmente afastar do Mundial. O jogo então ficou morno e o primeiro tempo terminou com a vitória parcial da Albiceleste.
Para o segundo tempo, Bilardo processa as duas mesmas alterações que fizera contra a Itália, na partida anterior. Enrique no lugar de Borghi e Olarticoechea no lugar de Sergio Batista. As alterações revelavam a gênese da equipe titular, que pouco a pouco ia se formando na cabeça do treinador. A péssima atuação de Borghi revelava, mais uma vez, que o jogador sentia o peso da camisa; sua substituição no jogo significava, por um lado, que ele não voltaria a vestir a camisa da seleção no mundial e, por outro, que o treinador o tinha retirado da equipe não por uma questão tática, já que Pascuali o substituiria na partida seguinte, mas por questão técnica, o que revela a decepção de Bilardo com o seu desempenho.
A segunda etapa, contudo, não foi muito diferente da primeira. A Bulgária não testava o sistema defensivo albiceleste e em momento algum chegou com perigo à meta de Nery Pumpido. Já a Argentina, procurava reter a bola no meio, com toques curtos, que eram favorecidos pela aproximação dos jogadores. A tática era a de se poupar para as oitavas de final. Se tivesse de fazer o segundo gol, ele chegaria numa boa, sem grandes desgastes do elenco. E foi assim que ele chegou, aos 34 minutos, com Burruchaga. Maradona fez boa jogada pela esquerda e cruzou na cabeça do atacante que completou para as redes de Mikhailov, 2×0.
Com o placar a Argentina se preservou ainda mais para o jogo seguinte. Cômoda na partida e sem adversário, a Selección esperou apenas pelo apito de Berny Ulloa para finalizar a primeira fase como o legítimo líder do grupo A. Apesar da boa campanha e do fato de que setores da imprensa mexicana o apontavam como um dos favoritos à conquista do Mundial, o selecionado albiceleste ainda tinha de conviver com as desconfianças de muitos sobre o time que viam em campo. Não estavam totalmente errados, no banco de reservas alguém partilhava da mesma opinião, Carlos Bilardo. O treinador havia encontrado o sistema ideal, mas não possuía a formação certa para preenchê-lo. De suas preocupações, se destacava uma em especial, as pontas do campo. Para o setor, ele tinha dois ponteiros que eram laterais-volantes (ou meias), o que não estava resolvendo; precisava encontrar dois jogadores que fossem volantes-laterais, solução que já se apresentava na sua cabeça e que se materializaria nos jogos seguintes.
Formações
Argentina: Nery Pumpido, José Brown, José Cuciuffo e Óscar Ruggieri; Óscar Garré, Sergio Batista (Julio Olarticoechea), Ricardo Giusti, Jorge Burruchaga e Diego Maradona; Claudio Borghi (Hector Henrique) e Jorge Valdano. Técnico: Carlos Bilardo
Bulgária: Borislav Mikhailov, Petar Petrov, Georgi Dimitrov, Aleksandar Markov, Nasko Sirakov (Radoslav Zdravkov), Andrei Zhelyazkov, Ayan Sadkov, Plamen Getov, Plamen Markov, Georgi Yordanov, Stoicho Mladenov (Boycho Velichkov). Técnico: Ivan Vustov
Árbitro: Berny Ulloa Morera (Costa Rica)
Gols: Jorge Valdano, aos 3 (PT) e Jorge Burrochaga, aos 34 (ST)
Cartões amarelos: José Cuciuffo, aos 25 (PT)
Cartões vermelhos: não houve
Local: Estádio Olímpico Universitário, Cidade do México
Público: 65 mil expectadores
Data e hora da partida: 10/06/1986, às 12h00
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Não era um grande time, não deixou saudades..mas tinha Maradona....e o que fica para a história, é que a Argentina ganhou a Copa.
De certa forma, você tem razão, Silvio; era até um time burocrático e um tanto chato de se ver, mas é preciso dar um crédito ao Bilardo, pois ele não tinha um grande time e, ao menos, soube encontrar os jogadores ideais para cada posição. E isso não foi tarefa fácil. Particularmente não gosto do Bilardo, mas ele foi cerebral durante todo o torneio; soube armar um time para deixar o Gênio jogar. E ele jogou, fez a diferença. Não fosse por ele, a Albiceleste não teria ganhado a Copa. Abs.
Espetacular a matéria. O cuidado de explicar o nascimento do 3-5-2 (com uma variação para 3-4-3) é uma aula para o Jornalismo Esportivo que parece que se esqueceu do seu papel de esclarecedor das situações. Associado a isso valeu muito destacar Bilardo como um dos responsáveis pelo título. Matéria de altíssimo nível jornalístico. Vim aqui por indicação de um aluno. pegarei a matéria para explicá-la a outros. Parabéns.
Bilardo creo el 1-3-5-2 y dejo que Maradon ahaga maravillas, y todos sus demás compañeros jugaron al 110-120 % de sus niveles en toda sus etapas deportivas, en ese mundial de Mésxico 86, Argentina era invencible, había táctica, técnica, hombres, picardía, personalidad, había todo para salir campeón, frente a cualquier equipo.