25 anos da última taça da Era Bochini no Independiente
Não conhece Ricardo Bochini? É o maior nome da história do Independiente. Mas brilhou em tempos em que os jogos entre seleções eram mais valorizados e a Copa do Mundo, com raríssimas exceções (como Di Stéfano), era “o” parâmetro para difundir em larga escala o nome de um craque. Bochini venceu a Copa 1986, mas só jogou nela por 5 minutos e não triunfou pela Argentina. Mas tem mais Libertadores que qualquer time brasileiro: só como titular, foram quatro. No total, seis.
El Bocha jogou por quase vinte anos no Rojo, do início de 1972 a 1991. É quem mais jogou e o maior campeão do clube, um meio-de-campo caracterizado pelos passes precisos (já dissemos que seu estilo lembra o de Iniesta), que por isso são chamados de bochinescos na Argentina. Para saber mais, leia o especial que fizemos sobre o craque no início do ano clicando aqui. Se não você tiver problemas em ir na Wikipédia portuguesa, pode procurar lá também, onde escrevi seu verbete.
Há 25 anos, em 25 de maio de 1989, os felizes rojos talvez não imaginassem que veriam o último título coordenado por Bochini – ainda em alto nível, ele parou em 1991 não por uma decisão pré-programada, mas após lesionar-se. Só 25 mil pagaram para ver. Mesmo que soubessem, provavelmente não teriam muito do que reclamar. Apesar de todo o seu significado no Independiente, o clube não era refém dele, já sendo muito forte bem antes da estreia do jogador. Era de se imaginar que seguisse assim e não que as taças ficariam rarefeitas. Além disso, a taça foi arrancada do arquirrival Racing.
Em 1988, o Racing parecia reerguer-se após duas décadas de decadência. Com o mítico Ubaldo Fillol de volta e Alfio Basile como técnico, venceu sobre o Cruzeiro a primeira edição da Supercopa Libertadores (leia aqui sobre), primeira taça desde a Intercontinental 1967 (a primeira vencida por um time argentino, com Basile ainda jogando). A temporada argentina de 1988-89, ainda disputada em um único campeonato, viu La Academia, reforçada pelo volante de seleção Julio Olarticoechea, terminar na liderança na metade. O Independiente, do seu lado, completava meia década do seu último título.
Hoje parece pouco, mas cinco anos sem nada era o maior período de seca desde 1960 no clube – quanta diferença! A última taça foi a da Intercontinental 1984, que isolou o Rojo como clube argentino mais vezes maior campeão mundial. Bochini era um dos remanescentes, assim como o lateral-direito Néstor Clausen e o meia Ricardo Giusti, outros campeões da Copa 1986. Outros do time campeão em 1984 eram reservas naquele ano, como o zagueiro Pedro Monzón e o lateral Leonel Ríos, ou inversamente passaram ao banco em 1989, caso de outro da defesa, Hugo Villaverde.
Outros dos campeões de 1984 saíram justo em 1988: o atacante Alejandro Barberón e o elegante volante Claudio Marangoni foram com o técnico José Omar Pastoriza ao Boca, que quase levara o próprio Bochini para voltar a ser campeão argentino (não o era desde o maradoniano Metropolitano 1981). O autor do gol daquele título sobre o Liverpool, José Percudani, foi à Áustria. O lateral-esquerdo Carlos Enrique, ao River. Outro que foi embora em 1988 foi o goleiro Luis Islas, que chegara após ser campeão na Copa 1986 e fora substituir exatamente Fillol no Atlético de Madrid.
Para suprir tantas ausências juntas, os diablos realizaram contratações pontuais que se encaixaram bem: o meia Rubén Insúa, líder do elenco que tirou o San Lorenzo da segundona em 1982 (leia aqui); do próprio arquirrival Racing recém-campeão da Supercopa, o volante Miguel Ludueña (virar a casaca não lhe pesava: havia defendido em Córdoba tanto Belgrano como Talleres); e os atacantes Mauricio Reggiardo, do Almirante Brown de Arrecifes, e Carlos Alfaro Moreno, que jogara as Olimpíadas de Seul.
Alfaro Moreno vinha do Platense e se destacara especialmente em 1987, ao fazer um dos gols que salvaram o Calamar da segundona no tira-teima com o Temperley (ao qual o Platense chegou após vencer o River no Monumental depois de estar perdendo por 2-0). Foi o último grande sócio de Bochini, que era especialista em criar gols de outros artilheiros – já havia sido assim com Daniel Bertoni, Antonio Alzamendi e Percudani. Alfaro terminaria eleito o melhor jogador do país em 1989 e por pouco não foi à Copa 1990. Já em 1993, arruinou a estreia de Maradona no Newell’s, marcando três.
Outro recém-chegado era o paraguaio Rogelio Delgado, que aparecera no segundo semestre de 1987 para formar boa zaga com Monzón. O novo técnico era Jorge Solari, tio de Santiago Solari, ex-Real Madrid. Não se deu bem com Bochini, mas formou um conjunto sólido para aquele torneio que implantou uma novidade testada também no Brasil: as vitórias, que ainda valiam 2 pontos, passariam a valer 3. A mudança logo seria desfeita ao fim da temporada, voltando definitivamente a partir da Copa 1994.
Já os empates continuariam valendo 1 ponto, mas obrigariam os times a disputar pênaltis. O vencedor dos penais levaria 1 ponto a mais. Vélez, Gimnasia LP e até o nanico Deportivo Mandiyú, cascudo estreante na elite, venceram mais vezes nos pênaltis, mas porque precisaram os disputar mais (já o pobre Instituto de Córdoba ganhou só uma disputa em nove, tendo o pior retrospecto): a força do Rojo esteve justamente em empatar pouco e vencer mais. Ao fim do primeiro turno, Racing e Boca dividiam a liderança com 39 pontos. Mas o Independiente os rondava com só 2 a menos.
A metade marcou nova derrocada do Racing. Um confronto direto com o Boca em Avellaneda foi-lhe exatamente o último jogo do primeiro turno e não saía do 0-0. Ao fim do primeiro tempo, sinalizadores racinguistas atingiram o goleiro boquense Carlos Navarro Montoya (recém-chegado, roubou o posto do mito Hugo Gatti) e a partida foi suspensa. O Racing seria punido com perda dos pontos dela e demorou outros três jogos para vencer, quando o rival já o havia ultrapassado e agora perseguia o Boca.
O azarado Racing, é claro, perdeu mais pênaltis (4) do que venceu (6), mesmo com Fillol, goleiro que tem na Argentina o recorde de defesas de pênaltis no tempo normal. Encerraria o campeonato apenas em nono. O terceiro, à frente até do River (que trouxera de volta Passarella, contratara Menotti para técnico, o volante de seleção Sergio Batista e o atacante ex-Boca Jorge Higuaín, pai de Gonzalo. E quase o goleirão José Luis Chilavert também), foi o sumido Deportivo Español, que só perdeu menos vezes que o campeão mas que empatou demais e não tinha sorte nos pênaltis, ganhando só seis de quatorze. Uma das derrotas, um interminável 11-12 para o próprio Independiente.
Já o novo concorrente Boca, dos “traidores” Marangoni, Barberón e Pastoriza, foi justamente o time que menos empatou no campeonato: só 9, e venceu sete disputas por pênaltis. O Independiente também venceu sete disputas, mas de onze empates. Só que o Rojo ganhou mais vezes no tempo normal, obtendo mais os preciosos 3 pontos. Foram 22 vitórias e só não pontuou nas 5 derrotas que teve.
O Boca, do seu lado, venceu 20 e perdeu 9, incluindo os dois jogos contra Bochini & cia: 2-1 em Avellaneda e outro em casa a nove rodadas do fim. Os auriazuis ainda eram líderes nessa ocasião, justamente por três pontos. O Independiente os alcançou graças a seu maestro. El Bocha já havia marcado no confronto em casa e na Bombonera fez um e armou a jogada para o outro, de Alfaro Moreno.
Na rodada seguinte, o Rojo se isolou na liderança, ganhando por 1-0 do San Lorenzo com gol justo de Insúa enquanto o Boca só empatava com o Platense. Os xeneizes se atrapalharam também com o San Martín de Tucumán, que ganhou-lhe de 6-1 em plena Bombonera com três só de Antonio Vidal González. Já o Independiente ganhou dele em Tucumán por 3-0, com Alfaro Moreno marcando os três. O Boca, que chegou em dado momento a abrir sete pontos de vantagem, terminou oito atrás do campeão.
Embalado, o Independiente, após a vitória na Bombonera, só não venceu um dos oito jogos seguintes até o do título: 0-0 justo no clássico com o Racing na rodada anterior à de 25 anos atrás. Mas ganhou nos pênaltis. O título veio na penúltima, no estádio do Ferro Carril Oeste, onde mandou o jogo o rebaixado Deportivo Armenio, adversário que sofrera a derrota mais elástica para o campeão (5-1) e que ali sucumbiu de virada nos últimos quinze minutos por 2-1. Os gols foram de Insúa e do reserva Massacessi.
No fim do ano, o Boca daria o troco na final da Supercopa justo nos pênaltis em Avellaneda. E o Rojo viveria nova seca de meia década. Em 1994-95, então, ganhou mais um Argentinão e foi bi exatamente na Supercopa. Foi o último período bem consistente pós-Bochini do time que desde ali só teve mais duas taças (Apertura 2002, Sul-Americana 2010) e hoje está ameaçado de sequer voltar à primeira divisão. O campeonato argentino de 1988-89 foi garantido no dia 25 de maio, equivalente argentino ao nosso 7 de setembro. E o clube parece ainda não ter ficado independente do Bocha…
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