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Ave Dea! Todos os argentinos da Atalanta

Caniggia e Papu Gómez, os maiores argentinos da Atalanta

Por mais amargo o sabor do jogo derradeiro da temporada 2019-20 (e em um ano tão trágico a Bérgamo), não é difícil concluir que essa foi a melhor temporada da modesta história da Atalanta. Até hoje detentora de um único troféu expressivo, a Copa da Itália de 1962-63, a Dea realizou sua melhor temporada tanto na Serie A como na Liga dos Campeões, que poderiam ter sido ainda melhores: além da vaga nas semifinais europeias terem escorrido só nos acréscimos, o time triscou um inédito vice-campeonato no calcio. O 3º lugar já havia sido obtido na temporada 2018-19 e dessa vez foi repetido com a melhor pontuação da história bergamasca na elite, 78 pontos – a cinco do título. Alejandro “Papu” Gómez, ausência sentida na reta final da partida de ontem, está longe de ser o único hermano atalantino de brilho. Eis a lista de argentinos do clube:

César Lovati: primeiro argentino do Milan, desenvolveu sua carreira na Itália desde o início, sendo conhecido pelo nome italianizado de Cesare – foi inclusive um dos primeiros hermanos adotados pela seleção italiana. A Atalanta foi seu primeiro clube como treinador, trabalhando entre 1924 e 1927. E fez história: Lovati foi o treinador que levou a Dea pela primeira vez à elite italiana, ao fim da temporada 1925-26, e o primeiro a comanda-la na primeira divisão. Sem fazer feio: o time ficou a um ponto do quadrangular final que decidia na época o campeonato.

Hugo Lamanna: a Atalanta foi o primeiro time italiano de um atacante que chegou ainda jovem, mas já experiente e rodado. Pelo modesto Talleres da cidade de Remedios de Escalada (por sinal o clube que revelou Javier Zanetti e o ídolo atalantino Germán Denis), foi vice-artilheiro do campeonato argentino de 1932 e dois anos depois foi campeão carioca pelo Vasco junto com uma colônia hermana. No fim da década, rumou ao futebol parisiense pré-PSG e da França veio chegando em 1941 a Bérgamo – já mais recuado, como meia. Mesmo com a Segunda Guerra em andamento, permaneceu na Itália para se radicar até o fim da vida. Permaneceu na Atalanta até 1944, sempre com campanhas pela salvezza, a “salvação” contra o rebaixamento.

Luis Monti: conhecido como único homem a disputar finais de Copa do Mundo por países diferentes (Argentina em 1930, Itália em 1934), Monti consagrou-se na Bota como volante da Juventus pentacampeã seguida entre 1931 e 1935 – sequência então inédita a qualquer clube, ajudando a popularizar nacionalmente os bianconeri, só sendo superada pelos nove scudetti que o clube de Turim acumulou nesse 2020. Também permaneceu na Itália em plena guerra, iniciando uma carreira de técnico menos exitosa, a incluir a própria Juve em 1942. Esteve na Atalanta ao longo do ano de 1946, deixando-a ainda em novembro.

Mario Sabbatella: ex-reserva do reserva no River, o atacante deixou Núñez em 1949 em tempos onde era comum a negociação de jogadores encostados de origem italiana na época, em que clubes sul-americanos tinham condições financeiras e amarras legais mais fortes para segurar seus principais nomes. Vendido à Sampdoria, brilhou no time de Gênova, cidade onde se radicaria até falecer, em 2012. Antes, passou rapidamente pela Atalanta na temporada 1955-56, registrando dois gols na luta contra o rebaixamento.

Raúl Conti: outro a passar pelo River sem triunfar por lá (e também no Racing) que pôde cavar uma transferência europeia naquele contexto diferente, Conti já havia sido o primeiro argentino do Monaco. Após meia década de brilho no Principado, chegou à Itália bancado pela Juventus, mas não teve tanto êxito em Turim; após uma temporada, foi repassado à Atalanta para o torneio de 1957-58. Vazou a dupla Internazionale e Milan, mas não evitou o rebaixamento e seguiu a vida no Bari.

Humberto Maschio: um dos jovens atacantes da seleção argentina apelidada de Carasucias de Lima pelo título arrasador em terras peruanas pela Copa América de 1957, não pôde ser segurado pelo Racing, que ainda naquele ano vendeu-o ao Bologna. Em 1959, reforçou uma Atalanta recém-promovida de volta à Serie A após o rebaixamento em 1958. El Bocha ainda defenderia a Inter e a Fiorentina na Itália, mas afirmou em 2012 à El Gráfico que considera ter sido em Bérgamo seus melhores anos no calcio, sendo eleito o volante do time dos sonhos do centenário atalantino. Foi como atalantino que Maschio recebeu chances na seleção italiana, indo à Copa do Mundo de 1962 pela Azzurra após o 6º lugar na liga (a segunda melhor campanha do time até então) e parar nas semifinais da Copa Mitropa. Maschio partiu dali à Inter e depois faria história como primeiro homem a vencer a Libertadores como jogador e técnico – erguendo-a, curiosamente, pelos rivais Racing e Independiente.

Maschio chegou à seleção italiana vindo da Atalanta. Leo Rodríguez ganhou a Copa América de 1993 como bergamasco. À direita, Caniggia em sua segunda passagem na “Dea”: pé quente no acesso

Salvador Calvanese: do Atlanta para a Atalanta! Revelado no Ferro Carril Oeste em meados dos anos 50, o meia foi o artilheiro do elenco vencedor da Copa Suécia, o grande troféu da modesta história do Atlanta (desde 1984 sumido da primeira divisão argentina), mesmo deixando a equipe do bairro de Villa Crespo antes da competição ser finalizada. Foi em 1959, adquirido pelo Genoa, rodando ainda por Catania e Juventus até chegar a Bérgamo, onde esteve de 1962 a 1964. E, tal como no Bohemio, esteve na solitária taça mais expressiva da Dea, sendo titular na conquista da Copa da Itália de 1962-63.

Helenio Herrera: um dos maiores técnicos da história do futebol sobretudo pelo desempenho à frente da outra camisa nerazzurra, a da Grande Inter dos anos 60 (após êxitos diversos por Barcelona, Atlético de Madrid e no futebol parisiense pré-PSG), já parecia em declínio quando topou a empreitada da Serie B de 1974-75. A Atalanta foi apenas 6ª colocada e El Mago não permaneceu.

Claudio Caniggia: entre 1966 e 1980, o futebol italiano esteve fechado a novos jogadores estrangeiros, inviabilizando por mais de duas décadas o ingresso de argentinos na Atalanta e em diversos outros clubes. Caniggia foi o primeiro hermano da era de ouro do calcio. Joia não lapidada do River, Cani vinha em baixa do Hellas Verona em 1989 e brilhou nas três temporadas que passou na virada para os anos 90 em Bérgamo – ainda que o 7º lugar de 1989-90 fosse a colocação mais alta que a realidade modesta permitiu alcançar na duríssima Serie A. Elas coincidiram com o auge da carreira de El Pájaro, que paralelamente brilhava com a seleção na Copa do Mundo e na Copa América. Não à toa, saiu à Roma como uma das mais caras negociações do futebol na época. O ídolo voltou rapidamente na temporada 1999-2000, saindo de um ano sabático para contribuir com o acesso na Serie B, ainda que sem o mesmo protagonismo de outrora. Mas o suficiente para ser eleito o sétimo maior jogador dos Orobici pelos especialistas da Calciopédia em 2016.

Leo Rodríguez: com a saída de Caniggia para a Roma, a Atalanta buscou na França outro titular da seleção argentina. Rodríguez contribuiu para um razoável 8º lugar na temporada 1992-93, rendendo-lhe uma transferência ao Borussia Dortmund. Embora chamado à Copa do Mundo de 1994 para ser o reserva de ninguém menos que Maradona, não tivera maior êxito na Alemanha e voltou à Dea, mas sem o mesmo brilho: no início de 1995, foi se reencontrar na Universidad de Chile. Semifinalista da Libertadores de 1996 com La U, pôde ganhar o continente aos 35 anos, na Mercosul de 2001 pelo San Lorenzo.

Pablo Osvaldo: a Atalanta foi o primeiro clube italiano da joia mal lapidada na segunda divisão pelo Huracán. O novo clube também vivia a Serie B e Dani ao menos foi pé-quente, com o acesso, embora mal contribuísse na jornada. Tanto que permaneceu na segundona, a serviço do ainda mais modesto Lecce. Ainda seria preciso uma grande temporada no Espanyol para que lograsse a partir de 2010 um reconhecimento na Itália, partindo da Catalunha para sua explosão na Roma e consequente chegada à seleção italiana.

Fernando Tissone: profissionalizado em 2004 já na Itália pela Udinese, o meia foi vendido pelos friulanos em 2006 aos bergamascos para obter maior continuidade. Cumpriu esse propósito, sendo resgatado pela Udinese após duas boas temporadas com a Dea (um 8º e um 9º lugar, sempre aceitáveis na realidade histórica dos Orobici).

Leonardo Talamonti: o zagueiro já tinha experiência italiana a serviço da Lazio, mas chegou vindo do River em 2006. Viveu estadia de altos e baixos em Bérgamo. Colega de Tissone naquelas campanhas razoáveis, também viveu o rebaixamento em 2010 e o título da Serie B em 2011. Dali voltou a seu clube de formação, o Rosario Central, que também vivia as agruras da segundona.

Maximiliano Pellegrino: irmão de Mauricio Pellegrino, atual treinador do Vélez, o zagueiro formara-se no mesmo clube e chegou à Itália e à Atalanta após sete anos no Fortín – com destaque para o título do Clausura 2005, única taça velezana entre 1998 e 2009. Foi colega de Talamonti até 2010, não ficando para a jornada na Serie B, emprestado ao Cesena na temporada 2010-11 e depois sendo devolvido aos argentinos para jogar no Colón.

Ezequiel Schelotto: curinga entre a defesa e o meio, fez a via inversa de Pellegrino, chegando do Cesena (clube onde se profissionalizara, proveniente dos juvenis do Banfield) em 2011. O bom desempenho nas salvações contra a queda em 2012 e 2013 lhe levaram à seleção italiana e à Internazionale.

Panelinha entre Denis, Morález e Schelotto (outro aproveitado pela seleção italiana como atalantino). À direita, Palomino, o outro argentino do vistoso elenco atual

Maxi Morález: herói do Racing na repescagem contra o rebaixamento em 2008 e maestro do Vélez campeão em 2009 (foi dele o gol do dramático título sobre o Huracán) e em 2011, o baixinho chegou em seguida à Atalanta, seu único clube europeu. Em meia década em Bérgamo, conviveu com Schelotto e com quase todos os hermanos seguintes dessa lista, em tempos onde o limite nerazurro foi o 11º lugar na Serie A e as oitavas-de-final na Copa da Itália.

Germán Denis: outro reforço de 2011, com passagens prévias por Napoli e Udinese credenciadas como maior artilheiro do Independiente no século, Denis alcançaria o sucesso no calcio como atalantino. Quando saiu, regressado ao time de Avellaneda em janeiro de 2016, era o quarto maior artilheiro bergamasco (e o maior entre os estrangeiros). Na mesma época, foi cravado como décimo maior jogador dos Orobici pelos especialistas da Calciopédia. Ainda seria opção de banco no Lanús vice da Libertadores de 2017 – para a fúria da torcida do clube que o revelara, o Talleres de Escalada, rival de vizinhança dos grenás.

Carlos Matheu e Facundo Parra: dois por um, adquiridos em 2012 ainda credenciados pelo protagonismo de ambos na conquista do Independiente na Sul-Americana de 2010, contra o Goiás. Duraram apenas a temporada 2012-13, sem se firmar.

Lionel Scaloni: o atual técnico da seleção teve na Atalanta o último clube de uma carreira associada basicamente pelo que fizera em nove anos de Deportivo La Coruña. Já veterano, o defensor não passou de uma opção de banco entre 2013 e 2015.

Papu Gómez: quando os especialistas da Calciopédia elegeram em 2016 os 25 maiores jogadores da Atalanta, Gómez sequer foi mencionado mesmo já tendo um ano e meio de serviços prestados. Maestro do Arsenal campeão da Sul-Americana de 2007 (com direito a gol na final no Estádio Azteca) como único prata-da-casa de um time de refugos e veteranos, Gómez foi depois talhado por Diego Simeone no San Lorenzo e no Catania, mas estava escondido no futebol ucraniano quando a Atalanta buscou-lhe em 2014 no Metalist. Se a eleição da Calciopédia fosse hoje, não seria de se surpreender se o meia aparecesse entre os cinco primeiros ou além. Envelhecendo feito vinho, Papu explodiu a partir da temporada 2016-17, sendo solicitado pela torcida à seleção italiana antes de estrear pela da Argentina na esteira do histórico 4º lugar na Serie A – até então a mais alta colocação da Dea, superada com os 3ºs emendados seguidamente em 2019 e 2020 e acompanhados também de boas campanhas na Copa da Itália (semifinal em 2018, vice em 2019) antes da marcante campanha europeia encerrada ontem.

Gabriel Paletta: o zagueiro chegou à Itália em 2010, vendido pelo Boca ao Parma, com o qual estreou em 2014 na seleção italiana bem a tempo de figurar na convocação ao Mundial do Brasil. Saltou ao Milan em 2015, mas não vingou. Ficou na Atalanta na morna temporada 2015-16 como emprestado pelos milaneses.

José Palomino: talhado em um San Lorenzo que lutou seriamente para não cair no início da década, calhou de deixar os azulgranas logo antes da fase gloriosa engatada entre 2013 e 2014. O rebaixamento lhe veio pela camisa do Argentinos Jrs mesmo, mas Palomino cavou transferência europeia para o Metz. Estava na Bulgária quando a Atalanta adquiriu em 2017 o zagueiro do auge continental do Ludogorets. Não tardou a se firmar na titularidade da fase áurea dos bergamascos.

Emiliano Rigoni: formado no Belgrano, estava no Independiente quando foi incorporado à colônia argentina do Zenit em 2017. A equipe russa lhe emprestou à Atalanta para o segundo semestre de 2018. O zagueiro voltou a São Petersburgo na virada do ano.

https://twitter.com/Atalanta_BC/status/1293961225978753026

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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