Como foram as outras rodadas finais de luta entre Boca x River no Argentinão
Simbólico que Tévez tenha feito o gol que permitiu ao Boca ultrapassar o River na rodada final da Superliga 2019-20, por mais que a torcida millonaria sempre vá ter justas queixas contra a arbitragem que lhe negou dois pênaltis e um gol legal em Tucumán. Mas o gol de Carlitos relembra tempos em que o Superclásico sorria reiteradamente aos xeneizes, pois desde aquele 2004 marcado pela cacarejada do craque que ambos não empurravam uma disputa direta de título argentino para a rodada final – ainda que naquele ano, apesar de lembrado bem mais pelas semis da Libertadores, a taça tenha ido a Núñez, no Clausura – por sinal, em gol de Marcelo Gallardo. Mas de fato, a história costuma sorrir ao Boca: disputas assim começaram nos anos 40 e só a partir da década de 90 é que o Millo começou a rir por último. Vamos relembrar as outras vezes.
Antes, um prólogo: o Superclásico nasceu como rixa de bairro, com River também sendo criado em La Boca e com o Boca adotando a faixa diagonal antes mesmo do vizinho. Com a segunda divisão criada ainda em 1899 e com ambos fundados já no século XX, não nasceram na elite. O River subiu primeiro, em 1908, ano que poderia ter rendido um primeiro desfecho de campeonato protagonizado por eles, em uma final de segunda divisão. Mas enquanto La Banda Roja avançou à decisão, a Azul y Oro perdeu sua semifinal para o Racing, adiante vice-campeão. O Boca subiria via escritório em 1913, mas demorou para brigar pela taça: seu primeiro título, pelo torneio de 1919, deu-se em uma liga esvaziada após a maioria dos times mais prestigiados romper com a associação oficial e conduzir uma liga própria.
O River estava entre os renegados e seu primeiro campeonato foi vencido nessa circunstância, pelo torneio “rebelde” de 1920. As duas ligas tardariam até 1927 para se unificar, o que convalidaria os títulos de 1919-26 do campeonato que tinha River, San Lorenzo e a dupla Racing e Independiente. Durante esses sete anos, não houve duelos contra o Boca, cujo rival principal foi o Huracán, com quem duopolizaria o seu campeonato. Àquela altura, o Superclásico ainda era El Clásico Boquense: o River só deixara La Boca rumo à fina zona norte em 1923 e, com um único título argentino, sua rivalidade era apenas uma entre tantas no cardápio disponível aos portenhos – na década em que o futebol verdadeiramente se massificou pela Argentina, o clássico entre Racing e Independiente somava mais títulos, assim como o de Huracán e San Lorenzo.
O River não teve um jogador sequer chamado à Copa de 1930, ainda que quase protagonizasse uma final com o Boca: o torneio de 1929 dividiu as equipes em dois grupos cujos líderes fariam a decisão. Mas enquanto os auriazuis lideraram o seu, o rival terminou sua chave abaixo do Gimnasia LP, adiante campeão pela única vez. É no pós-Copa, justamente, que o River investe para tornar-se potência. Ganha o apelido de Millonarios ao trazer em 1931 Carlos Peucelle (que fizera gol na final mundial) e reforça-o em 1932 ao incorporar o goleador Bernabé Ferreyra, que por mais de uma década foi a mais cara contratação mundial do futebol – e a última a superar o dobro do recorde anterior até Neymar trocar o Barcelona pelo PSG. O Boca ainda pôde ser campeão em 1931, mas o Millo ganhou em 1932. O Boca respondeu com o bi de 1934-35, e o River contra-atacou com um bi de 1936-37.
Em nenhuma dessas taças ambos concorreram um contra o outro até o fim, mas El Clásico Boquense já se convertia no Superclásico: a frequência contínua de conquistas alçou ambos ao posto de clubes mais populares do país. Mesmo com o Independiente se intrometendo com um bi de 1938-39, não por acaso firmando-se como terceira maior torcida nacional, o Superclásico se sedimentou com o duopólio exercido de 1940 a 1945, quando nenhuma liga escapou da dupla. Especialmente porque, se nos anos 30 um não chegou a seguir no encalço quando o outro foi campeão, agora começou enfim a haver uma corrida simultânea dos dois pela taça. Eis, afinal, os anos em que Boca e River concentraram consigo a emoção da liga argentina até a rodada final – ainda que ocasionalmente com coadjuvantes.
1943: o River vinha de um bi seguido no embalo do timaço apelidado de La Máquina em 1942, mas só em 1943 é que a linha ofensiva mais célebre daquele elenco (Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Adolfo Pedernera, Ángel Labruna e Félix Loustau) começou a se tornar frequente – o que realça ainda mais o feito do Boca, campeão pela vantagem mínima, 45 pontos contra 44. Os xeneizes reagiram trocando com o Peñarol o veterano astro uruguaio Severino Varela (que era o maior artilheiro da Copa América na época) por Ángel Laferrara e o ex-vascaíno Raúl Emeal. Sem parentesco com Obdulio, El Boina Fantasma mostraria que valeria por dois após um início errático do clube, que trocou o técnico Oscar Tarrío por Alfredo Garasini em uma sequência dura de três derrotas que incluíam um 6-0 amistoso contra o próprio Peñarol e um 3-1 no Superclásico. Na metade do torneio, o Boca já era vice-líder junto do Rosario Central para La Máquina e galopou na reta final, com direito a uma sequência de vitórias iniciada com um 10-1 (!) no Chacarita.
Sobreveio um 6-4 fora de casa no San Lorenzo, 2-1 no Superclásico (Varela, que havia feito o de honra no primeiro turno, marcou os dois), 2-0 em La Plata no Estudiantes (então invicto em casa) e 3-0 no Huracán, último time a ter vencido os auriazuis no primeiro turno. Nessa rodada, o Boca isolou-se na liderança, com um tropeço do River diante do Lanús. Ainda restavam oito, mas dois empates nos três jogos seguintes reigularam Boca e River na dianteira. Mas já na seguinte os auriazuis bateram por 3-1 o Banfield enquanto o rival empatava com o Rosario Central. Na sequência, ambos rigorosamente venceram, empataram, venceram e venceram. Não sem drama: na penúltima rodada, o Boca chegou a estar perdendo em casa por 2-0 para o lanterna Gimnasia, que sofreu a virada ainda no primeiro tempo e empatou no início do segundo para então perder de 4-3 faltando cinco minutos. Na última, o River vencia confortavelmente o Estudiantes por 3-1 enquanto o Ferro segurava em seu campo o 0-0 com o Boca até sofrer dois gols nos dez minutos finais, de Jaime Sarlanga e do talismã Varela.
1944: o mais célebre quinteto ofensivo de La Máquina só atuou dezoito vezes junto no campeonato. Os anos que mais computaram jogos dos cinco foram precisamente 1943 e 1944, seis vezes cada. Em 1944, não foram mais porque Moreno, em desacordo com o cartolas, rumou ao México após a 12ª rodada. Isso não impediu que o Millo terminasse o primeiro turno na liderança invicta, com 25 pontos contra 22 do Boca, que em paralelo sustentou até a quarta rodada um recorde de 26 jogos seguidos sem perder desde 1943, marca que duraria até ser quebrada pelos 39 do Racing em 1966. O River perdeu a sua invencibilidade para o Huracán na 17ª rodada e o Boca, na esteira de quatro vitórias seguidas, incluindo 6-2 no Vélez e 4-1 no San Lorenzo (clube que encerrara aquela invencibilidade recordista boquense) encostou. A 20ª rodada rendeu um Superclásico no Monumental com a dupla igualada na frente. E Varela novamente foi o carrasco, marcando de cabeça o único gol da tarde.
Ainda haveria suspense na reta final. Incidentes na Bombonera fizeram a AFA suspendê-la para os dois compromissos finais que o Boca teria como mandante, bem como os jogadores Claudio Vacca, o lateral Natalio Pescia e… Varela. Os xeneizes sentiram, empatando em 2-2 na antepenúltima rodada (mandando o jogo no estádio do Ferro) e na penúltima, contra Platense e Rosario Central enquanto o River emendou um 2-0 no Lanús com um 5-4 no Banfield, ganhando sobrevida: se vencesse na rodada final e o rival perdesse, haveria jogo extra. E a festa foi no Monumental. Mas do Boca, que pôde mandar o jogo em pleno campo inimigo, em tempos mais cavalheiros do futebol argentino. Pío Corcuera duas vezes e José Marante anotaram o 3-0 no Racing, tornando inútil o 5-3 arrancado em Rosario pelo Millo diante do Newell’s. Em tempos onde a vitória valia dois pontos, La Máquina parou nos 44 novamente, contra 46 do rival.
1962: um dos desfechos mais lendários do futebol argentino. O Boca chegava a oito anos de jejum e o River, a cinco, mesmo na esteira de diversos reforços brasileiros desde 1960. Em 1962, deram liga, com o artilheiro Paulinho Valentim e o zagueiro Orlando Peçanha vingando no Boca enquanto o River mantinha o camisa 10 Delém e o ponta Roberto Frojuello – todos com passagem pela seleção. Na penúltima rodada, a dupla duelou igualada na liderança na Bombonera, em tarde protagonizada por pênaltis desferidos pelos tupiniquins: maior artilheiro boquense em Superclásicos pela liga argentina, Valentim converteu o seu aos 15 minutos. Faltavam cinco para o jogo terminar quando os visitantes tiveram a vez do seu pênalti, chutado por Delém. Antonio Roma adiantou-se três passos para defender e o juiz Carlos Nai Fono não teve coragem em ordenar a repetição.
Embora ainda restasse uma rodada para o River ter esperanças, a impressão geral é de que o torneio moralmente acabou ali, como contamos aqui: o lance sempre assombraria Delém, por mais que o brasileiro, radicado para sempre em Buenos Aires, contribuísse demais como técnico juvenil do River nos anos 90. O Millo até venceu em La Plata o Gimnasia por 4-1, mas o rival não deu margens ao azar e fez ainda melhor no outro platense: no dia em que Juan Ramón Verón estreou no time adulto do Estudiantes, Valentim marcou duas vezes em um 4-0. Ao fim, Boca 43 pontos e River 41.
1965: o River seguia amargando, sendo outra vez vice (para o Independiente) em 1963 e vendo o Boca campeão em 1964. Em 1965, os brasileiros Valentim e Orlando deixaram a Argentina, mas nem por isso o revés doeu menos. Como tantas vezes naqueles anos, o Millo largou na frente. O Boca, por sua vez, empatou nada menos que seis vezes nos oito primeiros jogos, mas pôde fechar o primeiro turno já quatro pontos atrás do rival, muito por conta de um 2-1 dentro do Monumental na antepenúltima rodada. Quando eles se reencontraram na antepenúltima rodada do segundo turno, estavam igualados. O superartilheiro Luis Artime pôs os visitantes na frente aos nove minutos, em placar igualado aos quatro do segundo tempo por Oscar Pianetti. Faltando três, veio a virada, em gol de Norberto Menéndez – um velho ídolo millonario dos anos 50, Beto já havia sido três vezes campeão argentino pelo rival e, presente nos elencos de 1962 e 1964, estava próximo de repetir o feito como xeneize. Conseguiu.
Em alusão ao técnico oponente Renato Cesarini, comandante de La Máquina dos anos 40 que voltava ao cargo no River, a torcida da casa não perdoou: “Renato, Renato, le robamos el campeonato“. Na rodada seguinte, o River correu atrás do prejuízo, com um 4-0 no Huracán e respirou com o San Lorenzo batendo por 1-0 o Boca, que não vencia no campo azulgrana desde 1956. Não venceu, mas saiu-se bem, com Alfredo Rojas (outro ex-River) anotando o gol do empate que manteve os auriazuis um ponto à frente. Na última rodada, o River venceu fora de casa o Argentinos Jrs por 1-0, mas o Boca não sofreu sustos na Bombonera, com um 3-1 no Atlanta rendendo-lhe o terceiro título em quatro anos. Ficou em Boca 50 pontos e River 49. Até hoje, ninguém foi tantas vezes campeão argentino por ambos do que Menéndez. É o grande ídolo em comum no Superclásico.
1969: o Boca estivera no páreo no Torneio Nacional de 1968, quando terminou um ponto atrás dos líderes River, Racing e Vélez (que seguiram a um triangular favorável aos velezanos), mas já sem chances na rodada final. Sem ser campeão desde a epopeia de 1965, o clube fazia uma campanha segura no Torneio Nacional de 1969 enquanto o River colecionava resultados erráticos até a nona rodada, quando não parou mais de vencer. Os dois se encontraram pela primeira vez em uma rodada final com o Millo ainda dois pontos atrás, precisando assim emendar nova vitória seguida para forçar um jogo-desempate. A seu favor, jogaria em casa. Mas prevaleceu a frieza construída pelo Boca em uma década cheia de Superclásicos decisivos em retas finais. Com 35 minutos, o futuro palmeirense Norberto Madurga já somava dois gols. O River até empatou, mas a reação ficou no 2-2 e a pontuação, em Boca 29 e River 27.
A torcida da casa, reconhecendo o esforço do Millo e em grande ato de esportividade em meio a um jejum que chegava ao 12º ano, aplaudiu a volta olímpica rival caminhada sob seus narizes. Cavalheirismo não compartilhado pelos cartolas do River, que acionaram o sistema de irrigação para atrapalhar os festejos auriazuis. Só fizeram instigar o lateral Silvio Marzolini: ele fez questão de dar, mesmo sozinho e empapado de água, uma volta olímpica extra, rendendo uma das anedotas mais famosas do Superclásico. Outra delas? O técnico boquense era ninguém menos que Alfredo Di Stéfano, como contamos nesse Especial. Campeão treinando o River em 1981, segue como único treinador campeão nos dois, feito ofuscado pela brilhante carreira de jogador.
1976: em 1970, o Boca já chegou à rodada final sem chances de título, embora tenha terminado dois pontos atrás dos co-líderes River e Independiente. Foi um raro torneio sem jogo-extra em caso de igualdade, com os critérios de desempate favorecendo o Rojo, campeão em pleno clássico com o Racing vencido fora de casa faltando dez minutos. Parecia que havia coisas que só aconteciam com o River, cujo jejum enfim acabou em 1975 – em alto estilo, faturando tanto o Metropolitano como o Nacional. Pois o Boca tratou de fazer o mesmo em 1976, ano em que ambos enfim travaram uma final formal, após os “quase” de 1908 e 1929 – e que poderia voltar a ocorrer em 2020 caso na rodada final o Millo perdesse do Atlético Tucumán e o Boca empatasse com o Gimnasia LP, combinação que igualaria a dupla na tabela.
Em 1976, após liderarem seus grupos, avançaram em mata-matas de jogos únicos em campos neutros até chegarem à decisão, também em jogo único, no estádio do Racing. A excitação foi tamanha que o árbitro Arturo Ithurralde, que também era bancário, teve folga autorizada por seu superior hierárquico, que preferia perder um funcionário por dois dias em ver todo um setor ficar sem trabalhar rodeando-o. Faltando dez minutos, o lateral Rubén Suñé acertou uma falta indefensável no ângulo de Ubaldo Fillol, ainda concentrado em armar a barreira. Até os confrontos de 2018 pela Supercopa Argentina e pela Libertadores, aquela foi a única final entre Boca e River. Ganhou contornos ainda mais míticos porque o vídeo do gol teria sido suprimido da TV pública argentina por algum militar millonario enfurecido. Suñé ainda viveu para virar estátua nos 40 anos do lance, mas faleceu antes da filmagem ser enfim recuperada, no final de 2019.
1992: e de repente é o Boca quem entra em jejum argentino. Embora emende duas Libertadores após a conquista dupla de 1976, o time só havia ganhou o campeonato argentino de 1981. A seca esteve perto de cair em 1991, em uma final contra o Newell’s perdida na Bombonera rendendo uma semana de choro convulsivo ao experiente Juan Simón enquanto a revelação Gabriel Batistuta, desfalcando o time para servir a seleção na Copa América, desabava ajoelhado escutando via rádio no Chile. Foi preciso aguardar mais um ano, e até hoje os onze anos de 1981-92 são a maior estiagem boquense na liga. Sob o comando do Maestro Oscar Tabárez, o time esteve invicto nas 14 primeiras rodadas, com direito a oito jogos seguidos sem que o goleiro Carlos Navarro Montoya levasse gols – um deles, um 1-0 no Superclásico.
Mas a pressão pesou na reta final. Perdeu em casa para o Independiente por 1-0, empatou com o Racing em 1-1 e tornou a perder na Bombonera por 3-2 para o nanico Deportivo Español, permitindo que o River encostasse. Faltavam duas rodadas e ambos venceram, com o Millo aplicando um maiúsculo 5-2 no San Lorenzo. Com dois pontos a mais, o Boca podia empatar na Bombonera com o modesto San Martín de Tucumán, que não se inibira naquele palco em 1988, quando aplicou um inesquecível 6-1. E os tucumanos quase tornaram a ser carrascos, abrindo o placar aos 19 minutos enquanto River vencia por 1-0 o Argentinos Jrs. Aos 4 do segundo tempo, então, o obscuro Claudio Benetti teve seu momento de glória, arriscando de longe um chute de fora da área para empatar: somava apenas 94 minutos distribuídos em três jogos a serviço do Boca, sendo titular de emergência naquela noite. Em paralelo, a torcida millonaria, furiosa, interrompeu a partida do seu time, só retomada em abril de 1993 (terminando em 1-1). O River ainda foi punido com dois pontos a menos e encerrou a tabela com 23 contra 27 do rival.
1993: nada menos que três pontos separaram o líder do oitavo colocado em um dos torneios mais embolados que a Argentina já viu. O Boca iniciava de modo errático, com quatro derrotas e quatro vitórias e apenas seis gols nas dez primeiras rodadas, ainda que vencesse no Monumental o Superclásico. Nada que ao fim daquela 10ª rodada impedisse o Millo de liderar com o Vélez e o Lanús. O rival reagiu trocando o técnico Jorge Habegger por César Menotti, que assumiu na 12ª rodada. Parecia tarde, mas El Flaco comandou uma reação com quatro vitórias e dois empates nas sete rodadas finais. O River, que isolara-se vencendo na 11ª o próprio Lanús, sofreu duas derrotas seguidas, uma delas para o Racing. A Academia logo assumiu a liderança e quem também corria no páreo era o Independiente. O ano terminou e o torneio ainda estava na 15ª rodada; as quatro últimas seriam retomada a partir de fevereiro. Nesse meio-tempo, o técnico do Rojo, Pedro Marchetta, nunca totalmente quisto pela própria torcida por ser assumido hincha racinguista, preferiu voltar a onde era querido, o Rosario Central.
O Independiente então só somou três empates nas quatro rodadas finais e o próprio Racing também perdeu gás: na retomada, vencia por 2-0 o Ferro, mas a comemoração do segundo gol rendeu a expulsão do autor, Mariano Dalla Líbera, que tirou a camisa e recebeu o segundo amarelo – com um jogador a mais, o Ferro foi para cima e empatou. A Academia ainda liderava, mas então ficou no 1-1 com o Lanús para levar de 6-0 do embalado Boca de Menotti já na penúltima. Esse resultado, ironicamente, favoreceu o pragmático River, que havia se igualado ao Racing ao fim da jornada anterior ao bater por 5-3 o Deportivo Mandiyú e isolou-se um ponto à frente ao na sequência empatar em 0-0 fora de casa com o Rosario Central. O Vélez, campeão do torneio anterior, seguia na corrida também, um ponto atrás. Mesmo levando em casa o empate do Argentinos Jrs, o River somou 24 pontos contra 23 de Vélez (que também só empatou) e Racing (que enfim voltou a vencer, mas tarde demais) e 22 de Boca e Independiente – que, com chances matemáticas de forçarem jogos extras, só empataram.
1997: o River vinha de um tranquilo bi seguido entre Apertura e Clausura na temporada 1996-97. Virou um tri com o Apertura 1997, e etapa mais complicada, mas talvez mais saborosa. Embora campeão em 1992, o Boca não voltava mais a vencer a liga desde então, mesmo reforçado com Maradona e Caniggia. O time reforçou então ainda mais seu ataque para aquele Apertura: já tinha também os ídolos Diego Latorre e Sergio Martínez, a promessa Juan Román Riquelme e trouxe ainda Martín Palermo e os gêmeos Barros Schelotto. Como técnico, Héctor Veira, justamente o homem que comandara o River campeão da Libertadores e do Mundial pela primeira vez, em 1986. Na metade do campeonato, deu-se no Monumental o Superclásico, com o Boca arrancando uma virada histórica de 2-1: afinal, dias depois Maradona, às voltas com problemas físicos e com recaída no antidoping, anunciou a aposentadoria. Curiosamente, um dos gols boquenses foi de Julio César Toresani, ex-desafeto de Dieguito que, pelo rival, havia feito o gol do título daquele Apertura 1993.
Abalados, os colegas sofreram na rodada seguinte sua única derrota no certame. O River ainda teve outra derrota, mas, mesmo conciliando o Apertura com a Supercopa, aproveitou-se do excesso de empates do rival para dar-se ao luxo de poder empatar na rodada final para ser campeão. Quatro dias após festejar a última edição da Supercopa (que foi por longos dezessete anos o último título internacional de um gigante), houve nova volta olímpica para o Millo, em novo 1-1 com o Argentinos Jrs enquanto o Boca goleava inutilmente o Unión por 4-0 ao fim de um campeonato histórico: além de Maradona, Francescoli também pendurou as chuteiras nele. E na era dos torneios curtos, os 44 pontos somados pelos auriazuis só foram superados seis vezes. Calhou que uma delas deu-se ali, com os 45 pontos do River.
1999: contratando Carlos Bianchi em meados de 1998, o Boca enfim voltou às glórias contínuas. Superando aqueles 39 jogos de invencibilidade do Racing de 1966, acumulou exatamente 40 para delimitar um recorde profissional ainda vigente, faturando tanto o Apertura como o Clausura da temporada 1998-99 sem dar maiores margens aos vices River e Gimnasia. Restava lutar então por um tricampeonato seguido ainda inédito para a torcida azul y oro. O River, em paralelo, via a vitoriosa era sob o técnico Ramón Díaz em desgaste, com eliminações em duas semifinais seguidas de Libertadores e três torneios argentinos seguidos sem títulos (antes do bi do Boca, o Vélez vencera o Clausura 1998). El Pelado só aceitava ir embora como campeão e pôde ir à forra primeiramente com um 2-0 que na 11ª rodada encerrou nada menos que nove anos sem triunfos do River em Superclásicos dentro do próprio Monumental. Triunfo que valeu ainda a co-liderança com o San Lorenzo.
O River embalou com cinco outras vitórias seguidas, incluindo um 4-1 em Córdoba sobre o Talleres que em paralelo vencia a última Copa Conmebol. Faltavam três, mas então o River deixou escapar uma vitória por 4-2 sobre o Chacarita, que nos nove minutos finais empatou em 4-4, dando sobrevida a Boca, San Lorenzo e a um novo perseguidor, o Rosario Central, todos vencedores. Na penúltima, o Sanloré empatou e deixou o páreo; Central e Boca seguiram na luta, vencendo fora de casa o Argentinos Jrs por 2-1 e o Belgrano por um maiúsculo 5-1, respectivamente. Só que o Millo fez o dever de casa com um 4-1 no Ferro, mantendo três pontos de vantagem sobre os dois perseguidores. Podia assim apenas empatar fora de casa com o próprio San Lorenzo e assim ocorreu, embora chegasse a estar vencendo por 2-0. A igualdade não inibiu Díaz de provocar, ao saber que o Central vencera o Vélez por 1-0 e o grande rival só empatara em casa com o Talleres (0-0): “não puderam ficar nem em segundo?”. Na tabela, River 44, Central 43 e Boca 42. Na pós-temporada, o treinador, enfim em paz, pediu para sair como campeão.
2000: Ramón Díaz foi substituído por Américo Gallego, que assegurou no Clausura 2000 um bi seguido ao River, mas amargou uma eliminação dura diante do rival nas quartas-de-final de uma Libertadores que terminaria ganha pelo Boca após 22 anos. Embalados, os xeneizes começaram o Apertura invictos nas 15 primeiras rodadas, vencendo dez, antes de bater em Tóquio o Real Madrid com cinco minutos de jogo para serem campeões mundiais. A tríplice coroa viria em seguida com o certame nacional. Na volta do Japão, um triunfo de 1-0 no San Lorenzo, com a fadiga enfim sendo sentida na 17ª rodada, com a perda de invencibilidade em um 3-0 sofrido para o Independiente. O River vinha dois pontos atrás e sonhou na 18ª, quando o Boca novamente perdeu, em 2-1 para o Chacarita.
Jogando em casa depois, o Millo poderia assim ultrapassar o rival e abriu o placar, mas sofreu o inesperado empate do Huracán. A vantagem xeneize se conservou em um ponto, mantida na rodada final. Matías Arce fez o único gol da vitória sobre o Estudiantes enquanto o River sequer fez seu dever, perdendo de 3-2 para o Lanús. Estacionou nos 37 pontos contra 41 dos auriazuis.
2004: no Clausura 2003, embora o River tenha pontuado 43 a 40 sobre o Boca, já havia garantido a taça na penúltima rodada. O jogo derradeiro, inclusive, serviu para Leonardo Astrada, afastado do elenco por sofrer o sequestro do pai, juntar-se à volta olímpica prévia à derrota que os ressacados campeões sofreriam em casa para o Racing e pendurar as chuteiras atuando os primeiros minutos em homenagem ao jogador mais campeão que o clube teve até a Era Gallardo. O drama teve final feliz, mas Astrada não voltou a jogar. Seis meses depois, virava o técnico dos antigos colegas. Começou com uma equipe bem ofensiva que, nas primeiras quatro rodadas, aplicou um 3-0 no Estudiantes de Carlos Bilardo, 3-2 no Newell’s em Rosario e 4-1 no Independiente de José Omar Pastoriza, maior técnico rojo. A desproteção defensiva ficou exposta em duas derrotas seguidas na sequência. Encontrando o equilíbrio, Astrada logo emendou quatro triunfos. Mas o Boca seguia quatro pontos à frente.
Na 11ª rodada, o River surrou o arco do Gimnasia, mas precisou contentar-se com um empate em 1-1 arrancado no finzinho por Maxi López, cuja cabeça já havia feito também no fim o gol da vitória fora de casa na rodada anterior, sobre o San Lorenzo. Como o Boca só empatou, a desvantagem seguiu em quatro pontos, logo diminuída para dois quando os auriazuis empataram em casa com o Newell’s e o Millo despachava por 2-1 o Central em Rosario. Os dois ganharam na rodada seguinte e enfim travaram o Superclásico na 14ª. Mesmo na Bombonera, deu River, 1-0, gol de Fernando Cavenaghi embora o melhor em campo fosse a revelação Maxi López. O River ultrapassava o rival na própria casa alheia e se permitiu a priorizar a Libertadores. Os reservas só empataram em 0-0 em casa com o Chacarita, mas o Boca perdeu do Quilmes e a vantagem aumentou para dois pontos. Na 16ª, outro gol de Maxi López no fim deu a vitória sobre o Racing dentro de Avellaneda.
Ao fim da 17ª, a vantagem já estava em quatro pontos, com o River vencendo o Lanús e o Boca deixando um 2-0 sobre o Olimpo escapar, com o time de Bahía Blanca buscando o 2-2 em casa. Foi então que o Boca deu o troco, eliminado dentro do Monumental o rival pelas semifinais da Libertadores, em Superclásico dos mais cardíacos eternizado pelo voo de galinha na comemoração de Tévez – e pelo pênalti perdido que brecou a idolatria pela promessa Maxi López. Abalado, o Millo também perdeu por 3-2 para o Talleres três dias depois pela penúltima rodada, mas o ressacado Boca não aproveitou: de olho no jogo de ida da decisão continental com o Once Caldas para dali a outros três dias, ficou no 0-0 em casa contra o Colón. A vantagem seguia em confortáveis três pontos em Núñez. Em 26 de junho, o empate em 1-1 em casa contra o Atlético de Rafaela, em golaço de Gallardo, bastou para a torcida riverplatense sorrir amarelo pelos 40 pontos enquanto o rival estacionava nos 36 ao perder para o San Lorenzo. A festa millonaria precisava aguardar o 1º de julho para ser completa e foi, com o inesperado triunfo colombiano na Libertadores.
Desde então, Boca e River ocuparam os dois lugares do pódio mais três vezes, sem o suspense da rodada final: o Apertura 2008 foi garantido pelo Millo de Falcao García, Loco Abreu, Alexis Sánchez e Ariel Ortega (embora o astro na época fosse Diego Buonanotte) ainda na penúltima rodada, em sua única conquista na elite entre 2004 e 2014. Em 2014, a taça do Torneio Final até foi garantida apenas na rodada final, mas com os 37 pontos dos comandados de Ramón Díaz acumulados ao fim de um 5-0 no Quilmes concorrendo contra a dupla de La Plata: só que o Estudiantes perdeu para o Tigre e estacionou nos 32, enquanto o Gimnasia parou nos 31 ao perder em casa para um Boca sem chances de título mas aspirante à vaga na Libertadores. Os auriazuis assim somaram 32 pontos, passando os dois platenses. Díaz novamente entrou o cargo como campeão, substituído enfim pela Era Gallardo, centrada em recuperar terreno continental em detrimento da liga argentina: essa é a única conquista que ainda falta ao Muñeco como treinador. Na temporada 2016-17, os quatro pontos que separaram o campeão Boca do River esconderam uma disputa finalizada ainda na penúltima rodada. A pendência parecia resolver-se agora, mas o River cometeu nas duas rodadas finais uma entregada só inferior na história do torneio à do próprio Boca em 2006. Mas isso já é outra história…
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