Gabriel Calderón, mistura de Racing e Independiente na seleção
“Aos dois estarei sempre grato”, assegurou Gabriel Humberto Calderón em entrevista de 2008 à El Gráfico. Os dois são a dupla rival Racing e Independiente. Ser campeão por ambos é algo raro e ser ídolo em comum em Avellaneda é para pouquíssimos. Calderón não chegou a tanto. Mas tem exclusivamente a marca de ser o único profissional que representou ambos na seleção argentina, com a qual competiu nas Copas de 1982 e 1990, nesta já como atleta do Paris Saint-Germain. Já era colega de Maradona na conquista mundial juvenil de 1979 e a parceria poderia ter rendido novo troféu se um pênalti de Matthäus em Calderón onze anos depois fosse assinalado. Hoje mais um cidadão do Oriente Médio do que argentino, vale relembrar a carreira do ex-ponta, que hoje faz 60 anos.
Nascido na Patagônia, Calderón iniciou-se no Germinal, clube de sua cidade de Rawson, na província de Chubut. Embora já integrasse o time adulto, chegou ao Racing ainda para integrar os juvenis do gigante. Mas pôde já em 1977 ter sua primeira experiência na equipe principal. Treinado nas inferiores por Juan Carlos Giménez, ídolo racinguista nos anos 50, seu primeiro técnico nos adultos foi Alfio Basile, campeão mundial com o clube em 1967 e que dez anos depois tentava socorrer a decadente Academia em uma primeira passagem como técnico por lá. Em entrevista em 2008 à El Gráfico, Calderón lembrou-se com carinho: “alguma vez, um técnico experiente me disse: ‘não ponha tantos jovens nas equipes, porque nunca vão te salvar’. E Basile, em um Racing que vivia uma situação difícil, bancou a mim, que tinha 17 anos, me deu uma confiança tremenda. Assim como o Panadero Díaz, de quem gosto muitíssimo. Tinha 34 anos e arrebentava quem fosse quando pegavam um companheiro de sua equipe, ainda mais se era jovem. Te sentias respaldado de verdade, um apoio moral importante”.
Rubén Díaz, o tal Panadero, era justamente um remanescente ainda em campo do timaço de 1967. Dez anos depois de ser o primeiro clube argentino a ganhar o mundo, o Racing estava uma paródia grotesca: mesmo reforçando-se com Ricardo Villa (contratação mais cara do clube até então), talentoso jogador do Atlético Tucumán bancado na seleção, escapou do rebaixamento só na antepenúltima rodada do Torneio Metropolitano de 1977. Ainda centroavante, Calderón não se firmou de imediato e o clube buscou no Chacarita o veterano Roque Avallay. Por sinal, outro vira-casaca em Avellaneda: integrante do Independiente campeão da Libertadores em 1965, Avallay foi vice-artilheiro do torneio e natural figura do time segundo colocado em seu grupo. Porém, em regulamento duríssimo, só o líder avançava – o Talleres (com três pontos a mais), adiante finalista e derrotado exatamente pelo Independiente.
Se o Racing livrou-se da segundona, Calderón foi repassado a ela, emprestado ao Lanús para ganhar experiência. A experiência a princípio não foi auspiciosa: longe do patamar saudável desse milênio, o Granate terminou em penúltimo e rebaixado à terceira divisão; até hoje, é o único clube que, após cair à terceirona, recuperou-se a ponto de ser campeão da elite. Mas serviu para que voltasse mais talhado à turbulenta Acadé. Em 1979, ele enfim somou seus primeiros nove gols na primeira divisão, incluindo em vitória de 3-2 no Clásico de Avellaneda na casa rival e em triunfos de 3-1 no campeão River e no Argentinos Jrs de Maradona. Ele e Juan Barbas eram a juventude bem mesclada à experiência do goleirão Agustín Cejas (outro remanescente de 1967) e de Avallay no time que soube avançar até as quartas-de-final do Torneio Nacional. Em paralelo, Calderón e Barbas também começavam a ser aproveitados pela seleção juvenil, também comandada pelo treinador da principal: César Menotti. Foram ambos titulares na equipe campeã mundial da categoria sob a regência de Maradona e Ramón Díaz naquele ano.
Foi exatamente Menotti quem enxergou que a agilidade e profundidade do então centroavante Calderón seriam bem aproveitadas deslocando-o às pontas. Mesmo convertido em garçom, Calderón ainda contribuiu com três gols na campanha – dois no 4-1 sobre a Polônia, na primeira fase, e o segundo no 5-0 sobre a Argélia, nas quartas-de-final. Em 2009, em outra conversa com a El Gráfico, suspirou: “foi o melhor futebol que pratiquei como jogador. Com o melhor treinador, claro. Eu tive Menotti na idade que tem que ter qualquer um que pretenda ser jogador. Me ensinou as coisas elementares e jogamos o futebol que ele queria. Éramos o Barcelona de hoje, que joga um futebol arte. De gol a gol. Nós nos divertíamos para ganhar. Nunca mais pratiquei esse futebol”. Em 2008, já havia elogiado que “César me agarrou em uma idade em que me preparou para o futebol internacional. Me ensinou taticamente coisas que eu desconhecia ou como superar uma marcação pessoal, por exemplo. Bilardo me agarrou mais experiente e alguns de seus ensinamentos me serviram muito para minha carreira de treinador, mas se tenho que escolher um, fico com Menotti, sem nenhuma dúvida”.
Cativando Menotti, não tardou muito a estrear na seleção principal, mesmo com o papel ruim geral do Racing em 1980 (Calderón só marcou quatro gols pela equipe 10ª colocada no Metropolitano e penúltima em seu grupo no Nacional). Ela se deu-se em amistoso não-oficial com o clube mendoncino Gutiérrez, em 10 de abril daquele ano, marcando o sétimo gol do 8-0. Em 30 de abril, enfrentou no Monumental de Núñez a Irlanda, em jogo por vezes considerado oficial pelos argentinos, ao passo que os esmeraldas consideram-se representados não por sua seleção e sim por um combinado da inexpressiva liga local. Em 16 de maio, voltou a encarar os irlandeses, agora com sua equipe principal, em Dublin. O Racing, em paralelo, cansou-se de esperar resultados com o badalado treinador Juan Carlos Lorenzo, que emendara de 1977 e 1979 três finais seguidas de Libertadores com o Boca, e apostou para 1981 em um homem com a cara do Independiente: José Omar Pastoriza. El Pato inclusive reuniu consigo outros antigos nomes setentistas do rival, a exemplo de Miguel Ángel Giachello, Carlos Gay e Osvaldo Pérez.
Pastoriza já havia defendido bem a Academia ainda como jogador e soube realizar um trabalho decente também na nova função. O time terminou em 5º lugar no Metropolitano, sua melhor colocação entre 1972 e 1988. Por um ponto, não terminou no pódio. Aquele elenco teria quatro representantes na Copa do Mundo dali a um ano: Barbas, José van Tuyne, Calderón e Julio Olarticoechea, mas os dois últimos começariam o Nacional de 1981 já em outros clubes, em função das agruras econômicas que impediam que fossem mais longe: o Racing praticamente só pôde jogar no primeiro turno em seu Cilindro, com suas dívidas levando-o a alugar sua casa como depósito de batatas e a mandar jogos pelos estádios do River, do Vélez, do Atlanta e até mesmo do Independiente. Teria sido exatamente de uma dívida contraída com o rival por essa necessidade que as diretorias acertaram a transferência direta de Calderón, que começou o Nacional de 1981 já como jogador rojo.
Ele foi o último a saber do negócio, firmando por 95 mil pesos no último dia para transferências: “estava treinando no Racing e um funcionário se aproximou para dizer-me que os dirigentes me esperavam em uma oficina da AFA. Me troquei com um nó na garganta. Ninguém me havia comentado nada, mas imaginei que já não era jogador do Racing”, jurou na época em matéria com o subtítulo “os gols que o Racing perdeu e o Independiente ganhou”. Ainda assim, sua saída o renegou para muitos dos torcedores que o tinham como ídolo, como reconheceu seu próprio perfil na edição especial que a El Gráfico lançou em 2011, escolhendo os cem maiores ídolos racinguistas; quando o time fez 110 anos, em 2013, saiu uma nova edição especial, aumentando os eleitos para 110 também. Dessa vez, Calderón foi esquecido. Acabou sendo a grande figura do primeiro Clásico de Avellaneda após a troca. Não apenas por virar a casaca, mas por fazer os dois gols do triunfo de 2-1 e vibra-los, em desforra às vaias que ouvia. Curiosamente, o gol racinguista foi por sua vez de um ex-rojo, Manuel Magán, atacante reserva do time campeão da Libertadores em 1972 e 1973.
Seu Independiente chegou às semifinais do Nacional, caindo para o campeão River, e Calderón terminou pré-convocado de imediato à Copa de 1982, juntando-se em janeiro à longa concentração promovida pelo técnico Menotti. Em 9 de março de 1982, em amistoso com a Tchecoslováquia, ele não só encerrou quase dois anos sem defender a Argentina como tornou-se o primeiro profissional a conseguir representa-la vindo de Racing e Independiente. O outro único jogador a lograr isso atuara ainda no amadorismo: o goleiro Carlos Muttoni, campeão com a Academia em 1913 (ano em que estreou pela Albiceleste) e logo dispensado exatamente após sua solicitação de auxílio de custo para adquirir chuteiras ser vista como atentado às práticas amadoras – ele rumou ao vizinho em 1914 e como rojo esteve naquele ano no primeiro duelo da seleção contra o Brasil. Depois de Calderón, o caso mais próximo foi o de Hugo Pérez, que defendeu a seleção olímpica como racinguista em 1988 e a principal vindo do rival entre 1993 e 1995.
No Mundial da Espanha, Calderón só não esteve na estreia. Substituiu o lesionado Valdano ainda aos 24 minutos contra os húngaros, foi titular contra El Salvador, atuou na meia hora final contra a Itália no lugar no inoperante Ramón Díaz e foi titular nos 90 minutos contra o Brasil. E foi um dos poucos homens do ciclo de Menotti aproveitado inicialmente por Carlos Bilardo, no embalo de um bivice seguido do Independiente no primeiro semestre de 1983: o Rojo ficou por dois pontos a menos que o campeão Estudiantes na segunda colocação do Metropolitano de 1982 (com outro gol de Calderón no clássico, vencido por 3-1), finalizado já em 14 de fevereiro do ano seguinte, e em junho foi derrotado pelos platenses na final do Nacional. O ponta em paralelo atuou três vezes pela Argentina naquele semestre e ainda defendeu o Independiente no início do Metropolitano de 1983, deixando um gol marcado na sétima rodada (3-1 no Instituto de Córdoba) da campanha marcada pelo título assegurado em triunfo contra o rebaixado arquirrival. Se ficasse até o fim, sua imagem como diablo certamente seria mais reconhecida.
Calderón foi negociado com o Real Betis para a temporada europeia de 1982-83. Viraria ídolo, conforme detalhou em 2008: “vou seguidamente a Sevilha porque aí trabalhei na rádio e na televisão já aposentado, aí também fiz negócios com meus irmãos. Me acontece frequentemente de ir comer em um bar e quando quero pagar, o garçom me diz: ‘aquele homem já lhe pagou’. Quando em aproximo para agradecer-lhe, o homem me diz: ‘obrigado a você, pelas tardes de alegria’. E passaram mais de vinte anos… é que com a camisa do Betis, me passou algo extraordinário, que ainda me emociona. Eu fui o primeiro jogador estrangeiro que teve o privilégio de gerar o transplante de um rito, o do toureiro, a um estádio de futebol. Quando o toureiro está para matar o touro, o público faz ‘shhh’, pedindo silêncio para que o toureiro fique concentrado. É uma situação de vida ou morte, por isso o respeito a essa situação. Fiz um gol de tiro livre, depois outro e uma noite, antes de chutar, as pessoas começaram a pedir silêncio. Sabes o que são 40 mil pessoas fazendo ‘shhhhh’? Isso eu não havia visto nunca, lhe conto hoje e me arrepio”.
Não faltaram mesmo gols de bola parada de Calderón nos grandes jogos. Quando chegou, seu clube vinha há três duelos sem vencer o Sevilla no dérbi da Andaluzia. Os alviverdes ganharam então por 1-0 mesmo que um pênalti sofrido pelo argentino não fosse assinalado. No returno, o rival venceu por 2-1, mas Calderón teve nota máxima no Mundo Deportivo. Seu clube terminou em 5º lugar em La Liga, melhor colocação desde um bronze vinte anos antes. Na temporada 1984-85, o 14º lugar foi contrabalançado com foco na Copa do Rei: os béticos chegaram às semifinais, com direito a eliminar o próprio Sevilla nos primeiros mata-matas: após derrota de 1-0 na ida, o Betis respondeu com um 3-0 onde o argentino abriu de falta o placar e efetuou o lançamento para o segundo gol. Seu clube também eliminou o Barcelona, que em paralelo seria o campeão da liga após onze anos.
Na temporada 1985-86, o Barcelona seria finalista da Liga dos Campeões, tendo sua primeira derrota no Camp Nou exatamente para o Betis, em dezembro de 1985 – com duas assistências do argentino nos 2-1, uma delas no minuto final. Ele também deu assistência para triunfo de 1-0 no clássico sevilhano em março de 1986 e, se o time não foi tão longe em La Liga (8º lugar) e na Copa do Rei, decidiu a última edição da extinta Copa da Liga. O oponente? O Barcelona, que acabava de amargar o vice europeu em pleno solo espanhol, justamente em Sevilha. Na ida, uma falta de Calderón reviveu o fantasma blaugrana na cidade, garantindo o triunfo de 1-0, mas os catalães terminariam campeões com um 2-0 em casa. O ponta também saiu-se individualmente bem contra o Real Madrid, marcando nos dois duelos pela liga: no Benito Villamarín, encobriu o goleiro para abrir o placar e lançou para o 2-1 já no minuto 81, mas o também argentino Valdano empataria aos 87. No Bernabéu, um golaço de falta abriu o marcador aos 41 minutos. Mas os merengues empataram já no primeiro lance do segundo tempo, viraram aos dez minutos e terminaram goleando por 4-1.
O problema é que na época o futebol europeu não era tão preponderante para manter-se na seleção, ainda que Bilardo admitisse para a Copa de 1986 até quem disputasse a segundona espanhola (Marcelo Trobbiani, do Elche). Só que Calderón tinha como concorrente exatamente Valdano, de uma camisa muito mais pesada e campeã. Por outro lado, seu contrato de três anos com o Betis foi renovado. Se o clube voltou a ter uma temporada mediana, sorriu com invencibilidade em três dos quatro dérbis andaluzes, o que incluiu o primeiro triunfo (2-1) em dezoito anos na casa rival. O clássico seguinte também foi no estádio do Sevilla, derrotado outra vez, por 3-1, com o argentino realizando o lançamento ao cabeceio que abriu o placar e anotando de pênalti o terceiro. A única derrota não contou com ele em campo. Foi então contratado pelo Paris Saint-Germain. Apesar da falta de taças, em tempos mais humildes do time da capital francesa, também teria uma boa passagem.
No PSG, Calderón fez uma pela dupla de meio-campo com o craque bósnio Sušić e triscou a Ligue 1 na temporada 1988-89, perdida por três pontos para a era dourada do Olympique de Marselha. Nesse embalo, ele voltou à seleção após cinco anos, em amistoso contra a Espanha em 12 de outubro de 1988. Acabou lembrado para a Copa América de 1989, sendo titular absoluto – ainda que não convencesse totalmente o técnico Bilardo. Na temporada 1989-90, o PSG, vivenciando uma crise financeira que beirou-lhe a extinção, ficou em 5º na Ligue 1 e caiu cedo na Copa da França. Bilardo preferiu convencer Valdano, aposentado há três anos, a voltar a treinar para atuar mesmo sem clube na Copa do Mundo. El Filósofo até apareceu no álbum oficial da Panini, mas lesionou-se bem no final da jornada e seu corte definitivo foi anunciado em 20 de maio. Ignorando a boa fase de Ramón Díaz no próprio futebol francês, Bilardo então acionou Calderón ao invés do centroavante, desafeto de Maradona.
O ponta teve bons minutos: foi primeiramente acionado nos 20 minutos finais da estreia contra Camarões, pouco após o gol africano, entrando no lugar do zagueiro Sensini em desespero do técnico Bilardo para colocar os hermanos no ataque, sem evitar a manutenção do 1-0. Em 2008, em entrevista à El Gráfico, Calderón ressaltou o bom proveito mútuo daquela zebra: “há pouco tempo dei um (curso) em Camarões para ex-mundialistas da seleção. E lhes disse bem claramente: vocês nos têm que agradecer por fazê-los conhecidos e nós a vocês porque graças a essa derrota chegamos à final”. Voltou a campo a partir dos 18 minutos do segundo tempo, contra o Brasil, no lugar do volante Troglio – outra partida lembrada por ele em 2008, ao ser indagado se uma campanha tão longe com um jogo pouco vistoso teria feito mal ao futebol argentino:
“Não. Talvez pode fazer mal se os treinadores de juvenis queiram utilizar essa maneira de jogar para imprimi-las nos garotos. Aí sim pode ser prejudicial, mas com os adultos tens que ganhar. Eu quero ganhar sempre, e se o jogo não me sai bem, quero ganhar do mesmo jeito. Não gosto de dizer: ‘joguei bem, mas perdi’. Nesse mundial, jogamos muito mal, futebolisticamente não pudemos estar orgulhosos. Mas, salvo o Brasil, ninguém também nos superou”. Ele então foi titular contra a Iugoslávia, atuando até os 44 do segundo tempo, e contribuindo nos pênaltis com a dica dada a Goycochea sobre a direção que Hadžibegić cobrava, conhecendo-o dos tempos de Betis e da Ligue 1; e contra a Itália, onde esteve pelo primeiro tempo. Na final, substituiu Burruchaga aos dez minutos do segundo tempo e poderia ter sido o personagem do jogo: aos 34 minutos, em escanteio aos argentinos, a bola foi rifada ao início da grande área e Matthäus se preparava para afasta-la quando Calderón apareceu, tomou-lhe a bola e terminou derrubado pelo astro. Seis minutos antes de dar aos alemães o duvidoso pênalti de Sensini em Völler, o árbitro não assinalou o sofrido pelo atacante, muito mais claro.
O lance ainda rendia à altura de 2008: aquela entrevista à El Gráfico teve exatamente como primeira pergunta “foi penal ou não?”. A resposta: “sim, foi um penal maior que uma casa. Senti nesse momento e confirmei há pouco tempo quando a TV suíça me deu imagens dessa final com a Alemanha. Caí mal, torpemente, mas se vê claramente que Matthäus me levanta o pé de apoio e me derruba”. A derrota foi a involuntária despedida dele na seleção, mas ele evitou culpar o juiz naquela mesma entrevista: “eu creio que não viu porque estava tapado. Se podem dizer muitas coisas, que não nos deu esse penal, que o do Sensini foi duvidoso, mas uns minutos antes houve um penal muito mais escandaloso que Monzón fez em Augenthaler e não deu. Então, sinceramente, penso que se equivocou, mas não por má fé”. Com 30 anos e com o PSG à beira da bancarrota na época – os parisienses só seriam salvos já em abril de 1991, com sua compra pelo Canal+ -, foi transferido à equipe suíça do Sion. Ganhou a copa local na primeira temporada e o campeonato na segunda, voltando à França para reforçar um Caen pré-classificado à Copa da UEFA na temporada 1992-93. Jogou por mais uma temporada, novamente na Suíça, agora pelo Lausanne.
Após pendurar as chuteiras, decidiu inicialmente voltar a Sevilha, usando o prestígio local para fomentar uma escolinha de jogadores. O negócio durou oito anos, sem dedicação exclusiva: já em 1997, ele virava técnico do Caen, na segundona francesa, onde trabalhou por três anos. Em 2003, teve um rápido retorno ao Lausanne, mas, sem possuir ainda o diploma de técnico da UEFA, passou a desbravar o Oriente Médio: “eu dava palestras para a UEFA e uma pessoa da FIFA me recomendou para a Arábia. Os dirigentes daí apostavam em gente de renome, lhes pagavam uma fortuna, mas não tinham bons resultados. Me seduziu e agarrei: devo ter sido o técnico mais barato que essa federação contratou. Quando cheguei, os jornalistas me diziam que não tinha categoria para dirigir a seleção”, explicou em 2012. Respondeu conduzindo os sauditas à classificação mais tranquila que tiveram a uma Copa, garantindo-os com antecipação no Mundial de 2006, invictos e com dez vitórias em doze jogos. Mas terminou desligado ainda em 2005 pelos cartolas: “me cortaram as asas como treinador, mas momentaneamente”, resmungou na entrevista de 2008.
Em 2009, relembrou: “os príncipes não se deram conta da minha relação com os jogadores, que era excelente. No dia de amanhã, é capaz de me chamarem. Os mesmos jogadores me recomendaram. É a satisfação do treinador”. Passou a dirigir a seleção de Omã, mas renunciou após gastar pessoalmente dez mil dólares ante à falta de apoio da federação e ao não ver o assistente e preparador físico que requisitara serem contratados. Voltou à Arábia para levar o Al Ittihad ao título da liga saudita e ao vice na Liga dos Campeões da Ásia em 2009 e à conquista da copa nacional em 2010. Ganharia ainda a dobradinha nacional (liga e copa) com o Al Hilal, rumando aos Emirados para dirigir o Baniyas antes de dirigir por um ano e meio a seleção do Bahrein. A velha idolatria ainda rendeu um retorno como bombeiro a seu Real Betis em janeiro de 2014. Hoje, trabalha à frente da equipe iraniana do Persépolis. Em 2009, ele já se conformava em não trabalhar no próprio país: “na Argentina, não vendo. Fui à Europa muito jovem, quando volto à Argentina ninguém me conhece”.
Em 2008, ele inclusive criticava uma decadência que já conseguia diagnosticar na formação de talentos argentinos. As palavras seguem atuais: “Estamos correndo um risco importante na formação. Na Argentina, vivemos um resultadismo nas inferiores, e eu sei por amigos que trabalham como técnicos com os garotos, que se não ganham três jogos expulsam os técnicos. Então esses técnicos só pensam em ganhar e deixam de lado a formação. Às vezes esses amigos meus perguntam aos garotos quantos trabalhos específicos de atacante fizeram nos últimos anos, quantos trabalhos de definição, por exemplo, e nada: fazem aeróbico e musculação. Há muitos responsáveis, começando pelos dirigentes que expulsam os técnicos de inferiores se perdem dois jogos ou os treinadores que não querem arriscar. Por aí, dizem ‘esse garoto não corre, não defende’, e embora tenha um grande talento, o deixam de fora. Estamos aí correndo um risco grande. Nas inferiores se precisa formar, potencializar o talento, não importa o resultado”.
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