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Elementos em comum entre Botafogo e River

Abreu é o único campeão nos dois

Não só as torcidas de River e Flamengo estarão envolvidas nessa semana de final de Libertadores. Sabendo disso, planejamos publicações diárias envolvendo cada finalista e os grandes rivais um do outro. Seguimos a série os pontos em comum do River com seu último adversário carioca no continente, o Botafogo.

Curiosamente, os únicos embates válidos por um troféu continental se deram naquelas famosas quartas-de-final da Sul-Americana de 2007, a glorificar a passagem de Radamel Falcao García em Núñez – o colombiano abriu o placar e, com o jogo em 2-1 para os alvinegros restando quinze minutos, anotou dois dos três tentos arrancados naquele espaço de tempo, necessários para uma classificação lograda (pois no Rio de Janeiro os argentinos caíram por 1-0, por sinal no primeiro jogo da história botafoguense como proprietária do Engenhão) mesmo com dois jogadores previamente expulsos. Apesar do anticlímax que foi a eliminação em seguida para o nanico (mas futuro campeão) Arsenal do jovem Papu Gómez na semifinal, aquela noite bastou para Falcao ser lembrado na El Gráfico que listou em 2011 os cem maiores ídolos millonarios.

River e Botafogo se encontraram outras vezes, é claro, em jogos amistosos que possuíam peso muito maior no passado. O Millo sofreu ao menos duas vezes na Era Garrincha. Em 2 de fevereiro de 1958, ainda antes da consagração mundial na Suécia, Nilton Santos marcou o gol brasileiro no empate em 1-1, pelo Pentagonal do México. Em julho de 1964, a “Copa Iberoamericana” foi travada entre a dupla Boca e River com Botafogo e Barcelona, em Buenos Aires. O troféu ficou em tríplice empate com os sul-americanos. Derrotados pelo Boca por 1-0, os cariocas foram à forra contra a Banda Roja. Os argentinos até abriram o placar, mas no máximo diminuíram o vexame que era o 4-1 construído com dois gols cada de Jairzinho e Gerson: o jogo terminou em 4-3 e precedeu o triunfo carioca de 2-0 sobre o Barça. 

Mas foi aquele empate mesmo quem ficou mais marcado na memória alvinegra, dogmatizado como o duelo que teria popularizado o grito de olé (então atrelado às touradas) no futebol, após série de humilhações do Mané sobre Federico Vairo – um dos diversos jogadores que representariam o River na seleção argentina convocada dali a uns meses à Copa 1958; outro era o xerifão Néstor Rossi, que teria sugerido ao colega espelhar-se no próprio Nilton (“olhe seu uniforme, limpo, parece engomado. Olhe seus cabelos, penteados. Ele é Nílton Santos. Aquela cabeça armazena o que há de melhor em inteligência. Aquelas pernas limpas produzem o melhor estilo do mundo. Ele joga em pé, pleno de classe, como convém aos deuses da bola” é a versão clássica da ordem). Também conta-se que, ao ser enfim substituído todo sujo de lama, Vairo (ocasionalmente referido de modo errôneo como “Jairo” nessa história) sorria.

Atualização em 7-12-2020: a quem ficou curioso sobre Vairo, recomendamos nossa nota a respeito dele, que simplesmente descobriu Messi para o River em 2000

Em comum, os dois clubes surgiram de fusões: o River nasceu do Santa Rosa com o La Rosales no ano de 1904 (e não em 1901, embora esse ainda seja o oficial), por sinal o mesmo ano da criação do Botafogo Football Club – que, ao fundir-se em 1942 com o Club de Regatas Botafogo, deu origem ao atual Botafogo de Futebol e Regatas. Jejuns também permearam a rica história conjunta, com o lado argentino padecendo mesmo com timaços entre 1957 e 1975 e os cariocas sofrendo algo similar de 1968 a 1989. Em compensação, saborearam títulos alusivos aos anos de 1935, 1957, 1990 (todos pelo Argentino ou Estadual), 1993 (Bota na Copa Conmebol, River no Apertua), 1997 (o Fogão no Estadual e o Millo no Clausura, Apertura e Supercopa) e 2018 (Supercopa Argentina e Libertadores a um lado e novo Estadual a outro).

Santamaría, imortalizado apenas em Núñez; Basso, ídolo somente em General Severiano

Vale desde já destacar que o técnico uruguaio Ondino Viera, a passar por General Severiano em 1948 após estadias consagradoras por Fluminense e Vasco, não chegou a treinar o River no período de 1935-37, informação muito difundida. O treinador millonario era o húngaro Emerich Hirschl. Vamos a quem defendeu ambos, com menção especial a Léo Gamalho, jogador juvenil riverplatense na temporada 2003-04 e de obscura estadia botafoguense em 2006:

Jenő Medgyessy: no Brasil, ficou mais conhecido como Eugênio Marinetti, imigrando da sua Hungria ao Brasil ainda nos anos 20. O Botafogo foi precisamente seu primeiro trabalho na América do Sul, intercalando duas estadias no biênio 1926-1927, sem êxito. Medgyessy foi treinar ainda em 1927 o Fluminense e, após passar também por clubes mineiros e paulistas, foi trabalhar em 1933 na Argentina – ano em que comandou parte da campanha campeã do San Lorenzo antes de, em atrito com os comandados, assumir o Racing. Ele em seguida assumiu o River em 1934, sem tirar o endinheirado elenco da irregularidade de um quarto lugar, não permanecendo para a temporada seguinte.

Carlos Santamaría: lateral-direito polifuncional (também sabia jogar na outra lateral e como volante central e seu senso de posicionamento o fez ser improvisado até de centroavante certas vezes) revelado no Platense, foi colega de Arrillaga na conquista de 1932, estando em todas as partidas da campanha. Participou ainda de treze jogos da temporada vitoriosa de 1936 antes de ser aliciado pelo Fluminense. Após um regresso ao Millo no biênio 1939-40, virou alvinegro, perdendo o título estadual de 1941 por um mísero ponto para o ex-clube.

Oscar Basso: no River, um dos maiores zagueiros argentinos só tem dois jogos registrados, no campeonato de 1943. Vinha do Tigre e foi repassado ao San Lorenzo, onde despontou; jogou todas as partidas da campanha campeã de 1946 ao mesmo tempo em que emergiu como liderança no sindicato dos jogadores, a deflagrar famosa greve em 1948. O movimento foi duramente resistido pelos cartolas e os principais craques acabaram seduzidos por propostas do exterior; Basso já estava na Internazionale quando reforçou o Botafogo na metade final do estadual de 1950. Foram só 17 partidas, mas de nível superlativo a ponto de já ter sido duas vezes eleito para o time botafoguense dos sonhos, em eleições que a revista Placar promoveu em 1982 e em 1994. Já dedicamos este Especial a Basso.

Didi: inquestionado no Rio, respeitado na Argentina mesmo sem taças

Didi: curiosamente, outro com passo prévio (consagrador) no Fluminense, o Príncipe Etíope dispensa apresentações no que se refere às diversas passagens como alvinegro antes de pendurar as chuteiras. Na Argentina, ficou especialmente em alta após desclassificar os hermanos dentro da Bombonera nas eliminatórias à Copa de 1970, com a manutenção de seu bom trabalho à frente da seleção peruana credenciando o desembarque do ex-craque em Núñez ainda em 1970. Didi não solucionaria o jejum de títulos, mas, dos técnicos sem taças no Millo, é provavelmente o mais querido e importante – sendo reconhecido como quem poliu diversos juvenis que em médio prazo liderariam o fim da seca em 1975. Ele ainda treinaria o Botafogo no início de 1981, mas logo deu lugar a Paulinho de Almeida (xará do Paulinho de Almeida que defendeu o River em 1960).

Hugo de León: após erguer Libertadores e Mundial por Grêmio e Nacional nos anos 80, defendeu sem o mesmo êxito cariocas e argentinos. Chegou com cartaz ao River para ser um ilustre reserva do time campeão da temporada 1989-90. Após breve retorno ao Uruguai, apareceu brevemente no Botafogo em 1991 antes de migrar ao futebol japonês. Curiosidade: como os outros nomes acima, também apareceu no Fluminense, em curta estadia como técnico em 1997.

Sebastián Abreu: é o único campeão nos dois. Antes de virar a conhecida figura máxima alvinegra entre 2010 e 2012, eternizando sua cavadinha na reconquista estadual em 2010, El Loco já tinha largo histórico no futebol argentino: após duas passagens prévias pelo San Lorenzo (brilhante na primeira e reserva campeão de 2001 na segunda), também teve duas pelo River entre 2007 e 2009. Faturou o Clausura de 2008, a única conquista millonaria na elite argentina entre 2004 e 2014.

Alexis Ferrero: membro do Tigre que deu-se ao sabor de voltar em alto estilo à elite argentina em 2007 (após quase trinta anos e tirando do caminho os dois maiores rivais dos rubroazuis, Chacarita e Platense), reforçou no início de 2008 o Botafogo, atrapalhando-se com lesões e problemas pessoais. Após boa passagem em 2009 pelo Colón classificado à pré-Libertadores, chegando a ser convocado à seleção (sem jogar), esse zagueiro foi contratado em 2010 pelo River. Porém, teve de vivenciar o drama do rebaixamento, deixando Núñez no meio da campanha da volta imediata à elite. Ferrero também logrou acessos pelo Huracán em 2014, pelo San Martín de Tucumán em 2017 e pela camisa alvinegra do Central Córdoba de Santiago del Estero nesse 2019.

Hugo de León (foto direita do baú de pérolas de Juha Tamminen) e Alexis Ferrero: infelizes nos dois

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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