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55 anos de Claudio Borghi, o primeiro “novo Maradona” e seu único rival no Argentinos Jrs

Scirea no chão, Laudrup e Batista observam: Borghi no jogo de sua vida, o Mundial Interclubes de 1985

“Se jogasse dez partidas como essa no Japão, Borghi era outro Maradona” – Michel Platini, em data desconhecida

“Me faltou o Borghi que eu acreditava levar, esse garoto tinha a cabeça em outro lado, não estava no Mundial. Se ele jogasse no seu nível, esse Mundial seria um passeio…” – Carlos Bilardo, técnico da Argentina, na viagem de volta do México em 1986

“Tecnicamente, foi o melhor jogador que vi depois de Diego. Um dia, no River, Menotti o chama: ‘na quinta-feira fazemos rachão e arrebenta, no sábado fazemos futevôlei e arrebenta; agora, no domingo, não faz nada. Por quê?’. O Bichi lhe disse: ‘porque nos domingos não gosto de jogar, César’. Caímos para trás os dois. Assim era o Bichi, não dava bola ao futebol. Diego, ao contrário, era um doentezinho pelo futebol” – Sergio Batista, colega no Argentinos Jrs, River e seleção de 1986, em 2004

Claudio Daniel Borghi Bidos chega hoje aos 55 anos, merecendo ter sua curiosa trajetória lembrada. Foi daqueles atacantes talentosíssimos mas com carreira marcada pela inconstância, abarcando uma penca de clubes que incluíram até mesmo o Flamengo. A breve regularidade de seu auge, porém, foi suficiente para pinta-lo como primeiro “novo Maradona” e deixa-lo na história do futebol argentino e do mesmo Argentinos Jrs onde Diego jamais pôde ser campeão. Afinal, embora tenha hereticamente passado também pelo rival Platense, El Bichi é o único presente em todos os títulos do Bicho que não sejam de divisões de acesso: jogou no Metropolitano de 1984, no Nacional de 1985 e na Libertadores de 1985, que lhe credenciaram a acompanhar o próprio Dieguito na Copa do Mundo de 1986; e treinou o clube no Clausura 2010.

Como muitos no meio, o nativo de Castelar teve uma infância humilde e difícil, que incluiu a perda do pai quando ainda tinha dez anos. A pouca convivência foi suficiente para lhe deixar ao menos duas características eternas: foi o pai quem criou-lhe o apelido de Bichi (“não sei por que. Meu apelido de criança, na verdade, era Icho, me pôs meu irmão mais velho porque o apoiava”) e lhe transmitiu a paixão pelo Racing, ainda que o craque não apenas jamais tenha defendido a Academia como também trabalhou tanto como jogador como também como treinador justamente no rival Independiente – em 2008, na longa entrevista à El Gráfico em que pegamos suas aspas, ele havia acabado de assumir a prancheta do Rojo e foi bem humorado: “meu velho era do Racing, e essas coisas se herdam. (Meu filho também é) Racing, quando nasceu teve camisa, vaso, babador, tudo. Não vou ser o único idiota da família…”.

Com o compadre Sergio Batista (ainda sem barba à esquerda) nos juvenis e com a Libertadores. Foi descoberto pelo pai de quem foi seu colega também no River e na seleção

Menos comum foi outra herança paterna, o mormonismo, religião que fazia Borghi abertamente declarar-se virgem em plena fama e defendesse a castidade até o casamento, ainda que confessasse não ter ao fim cumprido tal preceito – “já não exerço. Acreditava nisso; agora, cumpri-lo… me foi muito bem: muitas garotas queriam me desvirginar”, explicaria em 2008. A perda precoce do pai, encontrado infartado no chão da cozinha de casa pela irmã do craque, porém, fez essa mistura de Denilson com Kaká (inclusive pelos poucos minutos em uma Copa do Mundo vitoriosa) trabalhar com todo tipo de coisa dos dez aos quinze anos, assim como outros três irmãos maiores (e ele tinha outros quatro): “organizei refrigerantes, fabriquei gaiolas para pássaros e fui ferreiro. Por fim, entrei numa sapataria, finalizava o sapato; mas de um dia para o outro o encarregado se foi e a dona me pediu que tomasse conta de toda a oficina. Como não sabia todas as tarefas, o trabalho de uma hora me levava cinco e tive que deixar o Argentinos, embora já estivesse pisando no time sub-18”.

Até em paralelo aos bicos infantis chegar no Argentinos, Borghi já havia defendido diversas equipes de várzea, incentivado pela avó Hipólita: “me protegeu e me ajudou muito em minha carreira. Meu pai havia falecido e em minha casa não havia ideia de futebol. Minha avó talvez pensou que algo devia saber e me levou ao Luz y Fuerza, um clube a duas quadras de casa”. Além do tal Luz y Fuerza de Morón, El Bichi também defendeu em sua Castelar natal o El Porvenir local (“meu bairro era de gente humilde, jogávamos em uma favela em Camino de Cintura, jogos bravos em campeonatos valendo dinheiro”) e o Mariano Moreno de Haedo, equipe que o ligou ao Argentinos Jrs – “jogamos contra uma equipe do Argentinos que vistava os bairros. Me viram, pegaram os dados e veio me buscar o pai do Checho (Sergio) Batista. Um grande sujeito o pai do Checho, lhe devo muito”.

Quando sentiu necessidade em deixar os famosos juvenis do clube para dedicar-se à sapataria, não foi esquecido: o coordenador José Pekerman em pessoa veio busca-lo de volta. “Lhe expliquei que precisava de grana. Aí o Argentinos me ajudou com um vale-transporte e voltei a jogar”. Até pode se sustentar com futebol, porém, Borghi, que só terminou o primeiro grau escolar, seguiu precisando limitar a alimentação com sopa, polenta, guisados e sanduíches de mortadela (“hoje não como polenta nem cagando”) e complementar o vale do dois ônibus com “equilibrismo” no trem (se trepava no lado de fora para evitar pagar) que completava o trajeto até o Argentinos Jrs; quando a malandragem era descoberta, só restava correr, a ponto de brincar na entrevista de 2008 que por isso aparentava cansaço quando chegava a hora de jogar nos domingos, “com todo o desgaste que tinha na semana”.

 

Por outro lado, foi no clube que ele não apenas aperfeiçoou o jogo como foi ensinado até em higiene pessoal, aprendizados que ele credita ao treinador Alberto Tardivo. Também foi no clube que ele começou uma jogada característica: o recurso frequente do toque de letra, sem intenção de humilhar e sim para poder usar a perna boa, a direita, quando o ângulo era desfavorável. A estreia no time adulto do Argentinos enfim veio pouquíssimos dias depois do 17º aniversário, em 4 de outubro de 1981; curiosamente, em duelo contra o Platense, jogo que a partir daqueles anos ganharia aura de clássico (o Tense tinha o Tigre como rival tradicional, e o mais perto que o Argentinos teve disso foi com o All Boys; o desencontro de divisões com estes floresceu a nova rivalidade entre os colorados e os marrons). Foi um 0-0 fora de casa. 

O primeiro gol, por sua vez, tardaria até 11 de abril de 1982, em um 3-1 sobre o Estudiantes de Santiago del Estero no estádio do Central Córdoba de Rosario. O segundo gol só viria em 5 de agosto de 1985, no empate em 2-2 com o Vasco pela vitoriosa Libertadores. Até lá, o craque, que nunca foi um goleador, pudera experimentar a glória do primeiro título logrado pela equipe do bairro de La Paternal – embora ainda mal jogasse no elenco campeão do Metropolitano de 1984; foram só duas atuações. O treinador era Roberto Saporiti, substituído em 1985 por José Yudica. A troca de comando não impediu que a equipe terminasse, pela primeira e única vez, bicampeã seguida, faturando o Torneio Nacional de 1985.

O Nacional de 1985 se desenrolou com a Libertadores já em pleno andamento; na campanha doméstica, Borghi marcou um único gol, no 1-1 da primeira final com o Vélez, já no dia 28 de agosto. Deslocado para centroavante após a venda de Pedro Pasculli (também presente na Copa de 1986) ao Lecce, estava simplesmente um capeta naquelas semanas, artilheiro como nunca fora na carreira e coordenando os shows do Bicho em gramados cariocas contra Vasco e Fluminense – com suas lágrimas no Maracanã captadas pela própria imprensa brasileira. Após o gol no Vasco no dia 8 de agosto, anotara, também pela Libertadores, no 3-1 sobre o Ferro Carril Oeste no dia 15 e duas vezes em outro 3-1 no mesmo time em 11 de setembro, quando ambos fizeram o jogo-desempate pela única vaga no triangular-semifinal.

Promovendo com Platini o Mundial Interclubes de 1985, jogo que o colocou de vez na seleção, onde começou a ser apático

Na fase seguinte, gols em 16 e 19 de setembro, no 2-2 com o Independiente e no 1-1 com o Blooming. A assombrosa conquista continental dos estreantes na competição, antes até mesmo do River ter sua primeira Libertadores, concretizou-se nos pênaltis (Borghi converteu a sua cobrança, a terceira) em 24 de outubro, contra o América fomentado pelo Cartel de Cali e recheado de craques argentinos, como Ricardo Gareca. Três semanas depois de obter La Copa, o maestro fazia sua estreia pela seleção, já classificada, no sufoco, à Copa do Mundo. Esteve em dois 1-1 amistosos contra o México em novembro, nos dias 14 (em Los Angeles) e 17 (em Puebla), e acabaria superando a concorrência com um antigo protegido do técnico Bilardo, ninguém menos que Alejandro Sabella. Em dezembro, foi a vez de embarcar para Tóquio para enfrentar a Juventus naquele que foi considerado o Mundial Interclubes de maior nível técnico dos dois lados.

O time de Platini fez questão de erguer a taça com as camisas do lado derrotado. Pois, naquela tarde em Tóquio, o líder dos vencidos quase marcou gol olímpico no primeiro tempo para dar no segundo o seu grande show. Primeiro, proporcionou aos 10 minutos a assistência direta para Carlos Ereros abrir (com categoria própria, diga-se, encobrindo Stefano Tacconi) o placar. Seria logo depois 2-0 se a arbitragem não acusasse impedimento de José Castro em jogada desenhada por Borghi, que carregou desde a lateral, ganhando corrida contra três marcadores (dois deles até se trombaram em pastelão) antes de entregar a bola a Ereros, que então serviu o colega impedido.

Ficou 1-1 após Platini empatar de pênalti apitado em contra-ataque iniciado com falta não marcada no Bichi. O francês teria virado jogo com um sensacional voleio, mas teve a sua vez de sentir um golaço anulado – rendendo a famosa cara de desgosto deitado no gramado. O 2-1 foi argentino, após Borghi, mesmo derrubado no lance, conseguir servir aos 30 minutos uma assistência para Castro concluir outro toque sutil a encobrir Tacconi. Mas, no rebote de uma falta, Michael Laudrup se colocou livre no espaço visto por Platini, correu para driblar Enrique Vidallé e concluir antes de perder totalmente o ângulo. Após prorrogação zerada, os italianos prevaleceram nos penais. O craque colorado, indagado em 2008 se a Juventus ganhara ou se o Argentinos é que perdera, foi enfático: “o Argentinos perdeu, se José metesse dois defensores o jogo acabava em 2-1 e éramos campeões. Mas veja uma coisa, sempre faço o mesmo teste e pergunto quem jogou a final do ano anterior e do seguinte, e quase ninguém se lembra. Isso significa que nem sempre o mais importante é ganhar, e sim que outras coisas valem”.

Outra cena do Mundial Interclubes – e Borghi como titular (penúltimo agachado) no início da Copa de 1986

Em 2005, nos vinte anos da final, ele já havia ido na mesma linha: “não acredito que seja bom ganhar custe o que custe. Alguns ficarão com ‘a taça é da Juventus’ e é verdade, mas se recorda-se desse time mais do que de outros campeões é justamente porque nunca se abandonou os princípios com os quais se chegou até aí. Era fácil pôr dois ou três defensores mais quando vencíamos de 2-1, mas isso teria significado não morrer do nosso jeito. Se fosse Boca ou River o time argentino que jogou esse dia, esse jogo seria considerado o melhor da história do futebol mundial. A Juve era das equipes mais poderosas do mundo, e nós éramos respeitados, mas localmente. E saímos a ataca-los. Perdemos por não nos cuidar além da conta, mas isso não foi um erro. Erro teria sido trair nosso estilo”.

Mas, em 2008, Borghi não escondeu que no calor do momento não havia orgulho algum no vestiário: “tristeza, sobretudo. Os mais velhos choravam, eu perguntava por que e me diziam: não voltaremos nunca mais. Eu tinha 21 anos e pensei que sim, mas não voltei mais a jogar um Mundial” – ainda preferia não ver o jogo completo também. O ótimo desempenho em um jogo tão acompanhado (“Platini também disse que eu era como Picasso. Mas esses jogos se dão muito de vez em quando”) não o tirou dos ônibus que seguia usando para ir treinar (“nessa época era normal. Minhas prioridades eram comprar uma casa à minha mãe, depois uma para mim e então um carro”), mas o colocou de vez na seleção. Mesmo sem jogar as eliminatórias, teve presença assídua na Albiceleste no primeiro semestre de 1986, ingressando no álbum da Panini após uma sequência de jogos de março e maio, contra França, Israel (onde anotou sue único gol, no 7-2 em Tel Aviv) e três amistosos não-oficiais, contra Napoli, Grasshoppers e Junior de Barranquilla.

Garantido no México, o craque chegou ao Mundial já negociado com o Milan, cujos cartolas foram bastante influenciados pelos elogios rasgados de Platini. El Bichi, porém, foi tímido demais no Mundial; esteve nos dois últimos jogos da primeira fase e em ambos terminou substituído por Héctor Enrique, que ganharia de vez a posição para fazer pela direita a dupla de armação com Maradona. Em 2008, Borghi, avaliado pela El Gráfico com nota 5 contra a Itália e 4 contra a Bulgária, revelou um fator extracampo para não ter rendido: uma Caras argentina chegou a divulgar ter descoberto seu verdadeiro pai em Morón, o que de fato o fizera tomar um avião e ficar de fora da concentração por quatro dias na época, mas a história não era verdadeira.

Últimos registros de Borghi na seleção simbolizaram sua introversão: é quem carrega o jogador mais à esquerda (Héctor Enrique) na volta olímpica. Na foto direita, o “novo Maradona” parece apático perto do “original”. Era a festa oficial no pátio da Casa Rosada

Borghi também estava farto de, como mórmon, se sentir uma estrela de rock perseguida por fotógrafos. Mas também estava insatisfeito com o que julgava ser uma escalação improvisada, colocando tudo no ventilador em plenos dias prévios à semifinal – assim relembrou o La Nación, em 2016: “o senhor Bilardo se equivocou comigo. Me disse que me tirava porque andava mal com a bola. Em Buenos Aires, havíamos combinado uma coisa e aqui não se cumpriu. Havíamos combinado que eu devia jogar em outra posição, de centroavante recuado, e no fim das contas isso Diego faz. Pensei que isto era outra coisa. Me entedio. Eu sonhava com a Copa, mas não a imaginava assim, tão exigente, tão dura. Deve ser outro dos fatores do meu fracasso. Não sou tão apaixonado como meus companheiros. Queria estar já em Buenos Aires”.

O desempenho aquém no México também teria pesado para que o Milan o descartasse, embora o próprio Silvio Berlusconi houvesse pedido pela promessa de 21 anos e o acolhido em sua casa. “Foi duro: não havia telefone nem internet, conseguias um Clarín de duas semanas anteriores e o lias inteiro. O problema é que me venderam sem me perguntar, enquanto estava no Mundial. Eu sempre foi um cara incomum, ainda sigo sendo na realidade, mas gosto eu mesmo de tomar as decisões. Nessa época também me queria o Racing Matra e eu preferia ir a Paris. O técnico era Liedholm, o sueco, e Capello era seu ajudante. Joguei um torneio amistoso e me disseram que se fosse bem, ficava no Milan. Joguei bárbaro, me escolheram o melhor jogador do torneio… e me deram um pé na bunda. Ocorre que no ínterim contrataram Arrigo Sacchi, compraram Gullit e Van Basten, e nessa época só entravam dois estrangeiros por equipe. Tive que ser emprestado. Se Liedholm seguisse, eu terminava jogando no Milan. São as pequenas coisas que por aí te mudam a carreira”.

O Milan, que inicialmente já havia emprestado Borghi ao próprio Argentinos Jrs (e ele integrou nova campanha maiúscula do clube na Libertadores, quase tirando o River da final de 1986, além de anotar o dele em um chamativo 12-0 no Talleres pelo campeonato argentino de 1986-87), o repassou inicialmente ao Como para a temporada 1987-88. Escalado como volante, não rendeu. O limite de estrangeiros logo subiu a três, mas o Milan preferiu outro holandês, Rijkaard – enquanto o argentino fez escala na Suíça no Neuchâtel Xamax antes de voltar à Argentina na temporada 1988-89 em um pacotão de reforços do River, que incluía diversos campeões mundiais: El Bichi, seu velho compadre Sergio Batista, o regressado ídolo Daniel Passarella e o técnico César Menotti se juntariam a Héctor Enrique; mais três caras do Newell’s recém-campeão da temporada anterior (Abel Balbo, Fabián Basualdo, Julio Zamora) e dois ex-titulares do rival Boca: Jorge Rinaldi e Jorge Higuaín, pai de Gonzalo.

O toque de letra por seleção, River, Independiente e Huracán, marca registrada do Bichi

Mas o timaço de papel não se acertou e o mais o mais próximo que o elenco esteve da liderança foi um terceiro lugar na 31ª rodada, a sete pontos do futuro campeão Independiente. Borghi passou o segundo semestre de 1989 emprestado ao Flamengo, chegando carregado como ídolo para fracassar como o procurado substituto para Bebeto, só somando seis jogos antes de dar no pé. Ainda com renome, foi repatriado no início de 1990 pelo Independiente. Sem êxito também no Rojo, Borghi no segundo semestre de 1990 já figurava no modesto Unión de Santa Fe, penúltimo colocado no Apertura – em 2008, sua única menção de satisfação à passagem no Tatengue foi ficar perto de Leopoldo Luque, figura do clube e ídolo de infância. Visto como promessa que não se cumpriu, reforçou sem maiores pressões o Huracán no ano de 1991.

Segundo ele, foi no clube de Parque de los Patricios que pôde melhor desfrutar de si próprio, ficando uma figura querida na plateia, ainda que não virasse ídolo histórico, armando as jogadas para os gols de Antonio Mohamed – pois só fez um, de falta, contra o Chaco For Ever, sendo mais lembrado por aquele que não marcou (uma característica letra que acertou a trave em um 3-0 no Rosario Central). De fato, as notas de El Bichi no Clausura 1991 pela revista El Gráfico o colocaram no time ideal do torneio. Assim, em 1992 o campeão da América apostou em quem ainda tinha 28 anos, com Borghi reforçando o Colo-Colo; campeão da Recopa, convertendo seu pênalti contra o Cruzeiro, ficou lembrado especialmente a marcar de letra para aproveitar o rebote de um pênalti em pleno clássico com a Universidad de Chile. Mas, em atrito com o treinador Mirko Jozić, ele ainda reapareceu na Argentina pelo Platense em 1993 e percorreu o México com o Correcaminos em 1994, até radicar-se no Chile – passando por O’Higgins, Audax Italiano e Santiago Wanderers até pendurar as chuteiras em 1998. 

Após descartar seguir como empresário de jogadores, centrou na carreira de técnico, iniciada nos amadores da Universidad de las Américas até ser chamado em 2002 pelo Audax, chegando a dirigir simultaneamente as equipes de ambos. Seu grande momento como treinador viria no Colo-Colo, onde reapareceu em 2006. Embora derrotado na final da Sul-Americana, logo conseguiu o único tetra seguido do campeonato chileno. A quem minimizava o feito, ele ressaltou em 2008: “ser campeão é difícil em todos os lados. No Colo-Colo, fomos campeões com quatro elencos diferentes e vendendo onze jogadores”. El Bichi rodou diversas futuras figuras da geração chilena dourada, treinando (quando não profissionalizando) os jovens Arturo Vidal, Alexis Sánchez, Claudio Bravo, Jorge Valdivia, Matiás Fernández, Gonzalo Fierro e Humberto Suazo, dentre outros – com sua família permanecendo no lado ocidental da Cordilheira (“é uma boa desculpa estar com os sogros, tua mulher até pode acreditar que és um bom sujeito”) mesmo quando o treinador, credenciado pelas conquistas seguidas, terminou contratado em 2008 pelo Independiente.

Milan, Flamengo e Colo-Colo, as camisas mais pesadas que vestiu no exterior. Só no Chile se deu bem, se radicando no país vizinho

Sua honestidade em manter-se assumido torcedor do Racing no retorno a Avellaneda não o ajudou, tampouco os resultados. Em 2009, regressou a La Paternal mais como escudo da diretoria do Argentinos Jrs do que como certeza, pois o velho clube estava ameaçadíssimo de rebaixamento. Mas, mesmo na apreensão de ver a família radicada no Chile vivenciar o terremoto de 2010, Borghi (que quase rescindiu por conta da tragédia) conseguiu faturar o Clausura, contando com a experiência do veterano José Luis Calderón à frente e com a solidez de Juan Mercier, Néstor Ortigoza e Santiago Gentiletti em uma retaguarda depois aproveitada pelo San Lorenzo campeão da Libertadores de 2014. Foi o último grande momento do Bichi treinador. O sucesso levou-o a assumir o Boca no segundo semestre, mas ele foi derrotado em metade de suas 14 partidas, incluindo um Superclásico.

A vexatória demissão ainda antes do fim do Apertura não impediu que a seleção chilena o chamasse em 2011 em uma tentativa de repetir o êxito argentino de Marcelo Bielsa. Seu Chile liderou na primeira fase o grupo que tinha o futuro campeão (Uruguai) e o futuro bronze (Peru), a ponto de Vidal aclama-lo como superior ao antecessor, mas caiu no primeiro mata-mata, e contra a Venezuela. Sem bons resultados no início das eliminatórias, foi sacado em 2012 em prol de outro argentino, Jorge Sampaoli, a quem não perdoaria. Seu trabalho seguinte foi anunciado perto do réveillon para 2014: novamente ser bombeiro de um Argentinos Jrs fadado ao rebaixamento, sem conseguir repetir o milagre de 2010. Por fim, também não deu certo na LDU, onde chegou em 2016, caindo após um 5-0 no clássico equatoriano com o Barcelona. Naquela entrevista de 2008, ele próprio assumira que seu grande defeito como treinador era sempre buscar apoiar jogadores criticados pela imprensa.

Quanto a quem já foi rotulado alguma vez de novo Maradona… Borghi também relativizou, assim: “houve duas coisas que me ajudaram no Argentinos: minha juventude e a equipe. Alguns acreditam que se pode jogar bem em todos os lados, mas não é assim. Aquele Argentinos estava feito para atacar e jogar bem, e eu me sobressaía; se a equipe não está feita para atacar, se complica. As pessoas esperam coisas que não se pode fazer. E mais: me contam gols que jamais fiz. Eu não era muito talentoso, se alguém encontrar uma jogada minha em que passasse por três, me faça ver. Eu tinha uma habilidade em velocidade interessante, nada mais. Eu, que me conheço desde pequenino, não penso como as pessoas: na vida cheguei a ser muitíssimo mais do que teria sonhado”.

Apesar da herética passagem no rival Platense, Borghi é símbolo do Argentinos Jrs. À direita, abraça José Luis Calderón ao mesmo tempo em que guarda a Jabulani usada no jogo do título do Clausura 2010, último título do clube e do técnico
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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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