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Elementos em comum entre Gimnasia LP e Rosario Central

Gimnasia e Central vêm mesmo tendo imagem quase gêmea de sofrimento. Gustavo Barros Schelotto foi bem nos dois

Considerando apenas longevidade, a final Copa Argentina de 2018 dificilmente reuniria mais tradição. Afinal, o Gimnasia LP (fundado em 1887) e o Rosario Central (em 1889) são dos raríssimos clubes surgidos ainda nos anos 80 do século XIX a seguirem na ativa na Argentina. A cor azul e o apego a apelidos originalmente pejorativos como triperos aos platenses e canallas aos rosarinos seriam outros elementos em comum. Bem como terem “ganhado” seus rivais em 1905, ano de fundação dos vermelhos Estudiantes e Newell’s. Inclusive, Rosario e La Plata são duas das poucas cidades argentinas em que suas duplas são localmente mais populares que Boca e River.

Central e Gimnasia foram ambos campeões em 1915. Em tempos em que o campeonato argentino era restrito de modo oficial à Grande Buenos Aires e La Plata, os auriazuis venceram a liga rosarina e adiante bateram o campeão argentino, o Racing, pela Copa Ibarguren – troféu disputado entre os campeões “argentino” e rosarino em espécie de tira-teima para definir o melhor time do país. Já os alviazuis venceram a segunda divisão argentina. Haviam criado seu departamento de futebol em 1905, mas logo o desativaram (o Estudiantes foi fundado por dissidentes descontentes com essa medida), o tendo retomado exatamente em 1915.

Central e Gimnasia também estiveram entre as primeiras camisas tradicionais rebaixadas na Argentina, e entre as primeiras rebaixadas duas vezes. Os canallas e seu rival Newell’s foram admitidos no campeonato argentino em 1939, após décadas de força reconhecida na capital, com certa frequência nas convocações na seleção e medição de força com os times portenhos pela Copa Ibarguren (travada seguidamente entre 1913 e 1925).

O Gimnasia na época não tinha a imagem de um clube azarado, passando por grandes momentos nos anos 30: no início de 1930, venceu seu único campeonato argentino, válido ainda por 1929; no início de 1931, se tornou o primeiro clube não europeu (talvez o primeiro no mundo) a vencer tanto o Real Madrid como o Barcelona, e dentro da Espanha; em 1933, seu elenco liderou boa parte do campeonato argentino. Era a década em que contava com seu maior artilheiro, Arturo Naón (que passaria pelo Flamengo); o futuro maior artilheiro estrangeiro do Palmeiras, José Echevarrieta, até hoje dono da mais alta média de gols pelo Verdão; e com o volante José María Minella, nome do estádio de sua Mar del Plata natal usado na Copa de 1978.

Apelidado de El Expreso, aquele Gimnasia de 1933 foi escandalosamente prejudicado pela arbitragem em confrontos diretos contra Boca e San Lorenzo na reta final. Os azulgranas foram campeões com 50 pontos, um a mais que o Boca. Os platenses ficaram só em 5º, mas com apenas quatro pontos a menos que o campeão. No restante da década, os triperos chegaram a vencer seis clássicos seguidos contra o Estudiantes, derrotado doze vezes nos 21 confrontos oficiais travados entre 1930 e 1939 (ganhando só seis).

Com isso, os rebaixamentos da dupla a partir da década seguinte tiveram peso alto naquele contexto. A força de ambos se fez valer de imediato, pois logo voltaram à elite como campeões da temporada seguinte da segunda divisão: o Central caiu em 1941, voltando em 1942. Em 1943, foi a vez do Gimnasia cair, voltando já em 1944, mas tornando a cair em 1945. Em 1946, estrelado pelo veterano Antonio Sastre, descrito como o mais versátil jogador da história e ídolo são-paulino, voltou novamente. O segundo rebaixamento rosarino daria-se em 1950, com a volta para 1951.

Um primeiro confronto agudo entre os dois se deu em 1970. O Rosario Central já germinava o elenco que no ano seguinte obteria o primeiro título argentino do interior do país. Já o Gimnasia, que começava a ser desigualmente ofuscado pelas seguidas conquistas do vizinho Estudiantes, dava pinta de ascensão com seu elenco apelidado da La Barredora, capaz de bater em novembro por 4-1 o próprio rival recém-tricampeão da Libertadores naquele ano. Central e Gimnasia se cruzaram pelas semifinais do Torneio Nacional. Mas antes, estourou uma greve e quem mais sentiu falta de pique foram os platenses, derrotados por 3-0. Adiante, os rosarinos seriam vices do Boca.

Em 1979, o Gimnasia voltou a ser rebaixado após mais de trinta anos. E o Rosario Central, embora campeão em 1980, caiu pouco tempo depois, em 1985. Não chegaram a se cruzar, mas ambos superaram a camisa ainda mais pesada do Racing (rebaixado em 1983): em 1984, o vencedor da segundona foi o Deportivo Español, com a segunda vaga de acesso ficando não com o segundo colocado e sim com o vencedor de um mata-mata entre os melhores abaixo do campeão. Na “final”, os triperos derrotaram a Academia e enfim voltaram à elite, após cinco anos. Em 1985, o campeão foi o próprio Central, relegando o Racing a novo sofrimento nos mata-matas (dessa vez, o time de Avellaneda pôde subir, batendo o Atlanta na decisão).

Quando subiram, os finalistas da vez não sentiram efeitos da queda: o Gimnasia engatou a maior invencibilidade registrada no clássico de La Plata no século XX: foram dez clássicos seguidamente invicto, inaugurando duas décadas de domínio gimnasista no dérbi (a ponto de, em 2006, o Lobo só ter uma vitória a menos que o rival no retrospecto; na verdade, até mais vitórias, se considerados amistosos). E o Central, sobretudo, obteve um raríssimo bicampeonato: emendou a segundona de 1985 com o título da elite na temporada 1986-87, algo único no profissionalismo argentino. Como cereja do bolo, o vice foi o Newell’s.

Na década seguinte, o ano marcante para os dois foi o de 1995. Ali o Central foi campeão pela última vez, em épico revertendo um 4-0 do Atlético Mineiro na final da Copa Conmebol. Poderia ter sido também um ano de título para o Gimnasia. Tal como agora, os platenses concorriam com uma equipe em jejum há mais de 20 anos – naquele caso, o San Lorenzo. Os triperos assumiram a liderança na penúltima rodada e na última enfrentariam em casa um time misto do Independiente enquanto os azulgranas teriam que pegar fora de casa justamente o Central. Incrivelmente, os alviazuis perderam o seu jogo. O San Lorenzo arranjou um gol nos quinze minutos finais do seu e foi campeão.

Foi o primeiro de uma série de cinco vices que o Gimnasia teve entre 1995 e 2005. O clube, após nova estadia na segundona entre 2011 e 2013, também tinha chances matemáticas de título na última rodada do Torneio Final de 2014. Mas até hoje seu único título argentino segue sendo o de 1929, em trajetória de agruras e estiagem incompatíveis com a estrutura gimnasista e o equilíbrio do tamanho de sua torcida com a do vizinho Estudiantes. Já o Central também aprendeu a sofrer. Desde 1987, o lugar mais alto no pódio do campeonato foi o vice no Apertura 1999, embora tenha lutado seriamente pela taça também em outras edições, como no ano de 2015.

Mas é precisamente na Copa Argentina que o Central se mostra embrujado. Foram nada menos que três vices seguidos entre 2014 e 2016. Em 2014, chegou a estar bem à frente nos pênaltis e ainda assim perdeu para o Huracán, clube com jejum ainda maior (não vencia algo expressivo desde 1973, ano de seu último título no campeonato argentino), enquanto que em 2015 teve negada sua revanche contra o Boca, algoz também do campeonato argentino. Em 2016, três gols não bastaram para derrotar o River, que fez quatro em jogo de diversas viradas: River 1-0, Central 2-1 e depois 3-2 até os millonarios arranjarem dois gols entre os minutos 72 e 75 para assinalar o 4-3.

Outras similaridades estão no jejum de ambos (desde 1995 para o Central, desde a Copa Conmebol; 1994 para o Gimnasia, vencendo em janeiro a Copa Centenário, válida por 1993) e por terem subido juntos à elite em 2013, após os rosarinos terem caído em 2010 e os platenses, um ano depois. Nesse período de seca, seus rivais conseguiram cada um dois títulos argentinos – o Newell’s em 2004 e em 2013, e o Estudiantes em 2006 e em 2010.

Os finalistas da Copa Argentina não chegam a dividir idolatria similar por algum nome específico. Quem mais se aproxima talvez seja o ex-volante Gustavo Barros Schelotto, atual dupla técnica do irmão gêmeo Guillermo (o mais celebrado dos Mellizos) no Boca. Gustavo é filho de ex-presidente gimnasista e em La Plata integrou as boas campanhas dos anos 90, com direito a gol em vitória no clássico com o Estudiantes decisivo para o rival ser adiante rebaixado em 1994. Mas identificou-se também bastante como canalla, vivência que teve entre 2002 e 2004, a ponto de batizar uma das filhas de Rosario e quase registar a outra como Juana Central. Não virou ídolo duradouro, mas foi xodó momentâneo.

Curiosamente, outro a ter boa fase por ambos é amigo de tenra infância dos Schelotto: o goleiro Gastón Sessa era companheiro deles na escolinha infantil For Ever, cujo treinador levou os três aos juvenis do Estudiantes. Os Schelotto não ficaram muito tempo mas Sessa, embora assumido torcedor gimnasista, seguiu e profissionalizou-se nos alvirrubros. Mas, subaproveitado, veio a ganhar luz própria no Huracán Corrientes campeão da segundona de 1996 e dali engatou boa fase no Central na temporada 1997-98, com direito a participar da maior goleada que o clássico rosarino teve nos últimos 25 anos (o 4-0 de 1997). Na época, chegou a ser cogitado à seleção.

Sessa dali pulou para Racing e River, só arranhando sua imagem no Central após uma falha sua já pelo Vélez ter sido decisiva para o Newell’s ser campeão em 2004. No fim da carreira, ele enfim foi defender o Gimnasia do coração, liderando-o na fuga épica contra o rebaixamento em 2009, em que o Lobo conseguiu devolver um 3-0 ao marcar duas vezes depois dos 45 minutos do segundo tempo na repescagem com o Atlético de Rafaela. O arqueiro inclusive recebeu telefonema direto da própria presidente Cristina Kirchner, mais famosa torcedora tripera.

O goleiro Sessa, que curiosamente é amigo de infância dos gêmeos Barros Schelotto

Além de El Tiburón Gustavo e de El Gato Sessa, Central e Gimnasia compartilharam diversos homens destacados, mas no máximo em apenas um deles. Eis alguns:

Imre “Emérico” Hirschl: primeiro técnico estrangeiro do profissionalismo argentino, esse judeu húngaro era o comandante do Expreso gimnasista de 1933. Também brilharia como técnico do River naquela década. Esteve no Central em 1939 e 1940, mas não conseguiu coloca-lo nem entre os dez primeiros. Esteve perto de ser o técnico do Uruguai na Copa de 1950 após treinar La Máquina do Peñarol de 1949.

Rubén Marracino: ponta-esquerda revelado pelo Colón, Marracino integrou o Central que, vindo da segundona de 1943, chegou a liderar momentaneamente a elite (pela primeira vez de modo isolado na história, inclusive) em 1944. Em 1946, contribuiu para o retorno do Gimnasia à primeira divisão.

José Casares: jogou por oito anos e quase duzentos jogos pelo Rosario Central nos anos 60. Em 1968, o zagueiro passou rapidamente pelo Gimnasia, onde só atuou sete vezes.

Carlos Bulla: revelado pelo Central, ficou em Arroyito de 1963 a 1966, período em que esteve nas Olimpíadas de 1964. Foi pinçado pelo Independiente inicialmente, mas seus melhores números se dariam em camisas menores: Banfield (29 jogos, 16 gols) e Gimnasia (54 jogos, 26 gols) e principalmente no Platense semifinalista de 1967 (104 jogos, 47 gols).

Roberto Rogel: defensor e volante, Rogel estreou pela seleção principal ainda como jogador do Gimnasia, sendo adquirido em 1968 pelo Boca, onde faria ainda mais história em uma passagem de sete anos. Pelo Central, foram apenas nove jogos, em 1976.

Héctor Pignani: volante ofensivo revelado pelo Central em 1966, mostrou seu melhor futebol no Gimnasia. Ficou de 1968 e 1973 em La Plata, salvo a temporada de 1971, em que esteve no River, credenciado pela participação em La Barredora semifinalista de 1970 – foi dele um dos gols naquele 4-1 no Estudiantes tri da América.

Jorge González: é nada menos que o jogador com mais partidas pelo Rosario Central, que adquiriu esse uruguaio em 1966 do Racing de Montevidéu. El Negro González ocupou a lateral-direita canalla dali até 1978, participando ativamente dos dois primeiros títulos argentinos do clube e do interior argentino, em 1971 e 1973. Defendeu o Gimnasia em 1981, na segunda divisão. É o estrangeiro com mais jogos no campeonato argentino.

Eduardo Solari: sobrenome familiar? Sim, é ele o pai do atual técnico do Real Madrid. Solari pai também teve larga trajetória nos canallas, entre 1966 e 1976, sendo colega de Jorge González naquelas conquistas. Inclusive, defendeu rapidamente a seleção argentina. Já o Gimnasia não guarda lembranças tão boas do volante: ele esteve no time rebaixado de 1979.

Trabalharam nos dois, mas só foram ídolos em um lado: o técnico Hirschl, Rogel, Jorge González e Solari

Gerardo González: curiosamente, o defensor estreou em um Central x Gimnasia em 1978. Em duas passagens como canalla, fez mais de cem jogos, sendo tripero na temporada 1987-88.

Daniel Pighin: o volante participou ativamente daquele período de invencibilidade gimnasista no clássico no fim dos anos 80, sendo alviazul de 1985 a 1989. Após passagem pelo exterior, defendeu rapidamente (seis jogos) o Central em 1992 antes de cometer a heresia de jogar o Estudiantes, sem arranhar tanto a imagem: esteve no elenco rebaixado em 1994.

Claudio Galvagni: defensor com quase nove anos e duzentos jogos pelo Gimnasia, entre 1986 e 1995, salvo a temporada 1991-1992, em que vestiu primeiro a camisa do Unión e depois a do Central. Além dos vices de 1995 e 1996, em La Plata também esteve no título da Copa Centenário.

Mariano Messera: outro longevo em La Plata, o volante reuniu mais de duzentos jogos em duas passagens pelo Lobo, na boa fase entre 1997 e 2002 (foram dois vices, em 1998 e 2002, rendendo a primeira classificação do clube à Taça Libertadores) e na decadência entre 2008 e 2010. Entre elas, também defendeu o Central em duas passagens (2003-2004 e 2007-08).

Germán Herrera: proveniente da base do Rosario Central no início do século, figurou nas seleções juvenis. Reconhecido especialmente pelo esforço, rodou seu país e o vizinho: foram duas passagens apagadas pelo San Lorenzo e outra ainda menos reluzente no Gimnasia (só um gol, em 2007). Mas foi dos triperos que ele foi importado pelo Corinthians, após já ter experiência brasileira prévia no Grêmio. Passaria ainda por Grêmio novamente, Botafogo e Vasco antes de regressar ao Central em 2016. Na atual Copa Argentina, marcou gol de calcanhar na classificação em pleno clássico com o Newell’s.

Matías Escobar: volante na transição de domínio em La Plata, defendeu o Gimnasia de 2004 a 2008, integrando os vices de 2005 e suando em 129 jogos pelo Lobo. Seguiu rapidamente pelo Central por 16 jogos em 2008.

Agradecimentos ao amigo Esteban Bekerman, que nos sugeriu os demais nomes que acompanham Sessa e Gustavo. Bekerman é o dono da única livraria voltada só a futebol em Buenos Aires.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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