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Elementos em comum entre Flamengo e River

Júlio César “Uri Geller”: só um jogo pelo River

*Com contribuição de Emmanuel Do Valle, do Flamengo Alternativo

O duelo em vermelho, preto e branco entre Flamengo e River ocorreu menos no que deveria na Libertadores, embora as demais competições sul-americanas tenham um certo histórico. Nas fases agudas, pesa o equilíbrio, com os flamenguistas levando a melhor duas vezes (ou uma, considerando a eliminação mútua em 1982) e os riverplatenses, outras duas. Os encontros não se resumem aos jogos; por exemplo, foram muitos os que trabalharam nos dois clubes, incluindo quatro brasileiros, bem como três campeões de Copa do Mundo – um pelo Brasil, dois pela Argentina. Os times também têm torcidas exigentes por um futebol plástico. Hora de abordar suas semelhanças.

No próprio mês passado relembramos a trajetória de alguém que rotulamos de “Zico do River”: Beto Alonso, igualmente apelidado de “Pelé Branco” e que, como o Galinho, foi um camisa 10 longevo na sua equipe e ícone máximo de bons momentos nos anos 70 e 80 do time de Núñez, a incluir as primeiras Libertadores e Mundial do clube – no caso dele, em 1986. Naquela década, os clubes se pegaram no triangular-semifinal da Libertadores em 1982. O River foi surrado por 3-0 em pleno Monumental, com golaço de Zico de fora da área após drible de vaca no marcador; e depois por 4-2 no Maracanã, com um inconformado Enzo Bulleri tentando agredir Zico após outro gol do meia. O show carioca, porém, terminou no anticlímax com o finalista sendo o (futuro campeão) Peñarol.

Em 1991, um troco com os hermanos impondo eliminação carioca no Maracanã, nos pênaltis, pela Supercopa (após 1-0 na Argentina e derrota de 2-1 no Rio), com direito a cobranças perdidas pelo astros Júnior e Ramón Díaz. A revanche veio na edição de 1993, com o 2-1 millonario na Argentina sendo respondido com derrota de 1-0 no Brasil. Nos penais, o Flamengo perdeu dois, mas os argentinos desperdiçaram três. Curiosamente, quem avançou nos dois casos terminou vice-campeão. Por fim, houve quatro duelos na Mercosul 2000. Na fase de grupos, o River conseguiu sua primeira vitória nos 90 minutos dentro do Maracanã, por 2-1, depois ficando no 0-0 em casa. Nas oitavas, venceu as duas partidas, por 2-1 na Rio e por um maluco 4-3 em que o Fla, mesmo no Monumental, esteve por três vezes à frente – ocorrendo quatro gols nos últimos dez minutos.

Quando o River eliminou o Flamengo no Maracanã: quartas-de-final da Supercopa 1991, para o delírio de Toresani, Gordillo, Silvani, Claut, Ramón Díaz, Lavallén, Medina Bello e Borrelli

Os dois times se gabam pelo recorde local de tricampeonatos nos torneios argentino e carioca, especialmente nos anos 50 e 70. Foram campeões em torneios alusivos aos anos de 1920 (Argentino; Estadual), 1942 (idem), 1953 (idem), 1955 (idem); tiveram dois títulos domésticos em 1979 (Metropolitano e Nacional para os argentinos e duas edições do Estadual para os cariocas); venceram ainda por 1980 (Metropolitano; Brasileiro), 1981 (Argentino; Estadual, Libertadores e Mundial), 1986 (Argentino, Libertadores e Mundial; Estadual), 1990 (Argentino; Copa do Brasil), 1991 (Apertura; Estadual), 1996 (ambos continentais: o River na Libertadores, o Flamengo na Copa Ouro, além de um Estadual), 1999 (Apertura; Estadual e Mercosul), 2000 (Clausura; Estadual), 2004 (idem), 2008 (idem), 2014 (Final e Sul-Americana; Estadual) e 2017 (Copa Argentina; Estadual).

Castillo

Para detalhes dos encontros realizados no Rio de Janeiro, recomendamos esta nota escrita pelo colaborador Emmanuel Do Valle; houve ainda um prólogo em 1939 no qual um combinado Flamengo-Vasco enfrentou um combinado River-Independiente. A dupla também tem grandeza autoproclamada, vide os apelidos de El Más Grande e O Mais Querido, além de alcunhas “aviárias” originalmente pejorativas que terminaram assimiladas. Vejamos quem foi urubu e gallina:

Julio Castillo: formado pelo River, na ponta ou no meio participou de 22 jogos da campanha campeã de 1936, mas em nenhuma da de 1937. Estava emprestado ao Los Andes em 1939 quando veio ao Flamengo. Teve atuações promissoras, marcando seis gols (incluindo um 3-2 no Botafogo) em suas únicas nove partidas. Na última delas, fez dois em um 9-1 sobre a Portuguesa pelo Rio-São Paulo. Doze dias depois, faleceu por complicações da diabetes, doença que teria escondido para não frustar a negociação e de mortalidade muito maior em tempos sem produção industrial de injeções de insulina.

Paulinho de Almeida: não deve ser confundido com o xará consagrado no Internacional e no Vasco e participante da Copa do Mundo de 1954 – e branco e jogador da defesa, enquanto esse Paulinho, também com passagem pela seleção (com direito a gol em Wembley em derrota de 4-2 para a Inglaterra em 1956), era mulato e do ataque; autor do gol do título carioca de 1954 e artilheiro do de 1955 no tri rubro-negro de 1953-54-55, já estava no Palmeiras quando virou o primeiro brasileiro importado pelo River. Foi no fim de 1959; o brasileiro nato Aarón Wergifker, dos anos 30, cresceu já na Argentina.

Paulinho de Almeida e o campeão mundial Moacyr: jogadores de seleção no River

Paulinho enfrentou o próprio Flamengo em amistoso no Maracanã naquele ano (até iniciando a jogada do gol argentino na derrota por 2-1), que marcou a estreia de Gérson no futebol adulto. Em 1960 chegou a marcar, de pênalti, em empate em 1-1 no Superclásico. O River foi vice, mas de modo enganoso, só chegando à segunda colocação após uma arrancada na reta final, sem de fato brigar pelo título. O brasileiro marcou somente outras três vezes e foi repassado no ano seguinte ao Estudiantes.

Moacyr: no início dos anos 60, o futebol argentino importou como nunca jogadores brasileiros, valorizados pelo título mundial de 1958 por um país ainda visto como terceira força continental. Era uma época de situação econômica superior dos hermanos, sem desequilíbrio técnico-financeiro com a Europa, tanto no futebol como na vida. Além disso, era uma opção mais próxima de casa e do idioma materno. Moacyr, reserva de Didi na Copa da Suécia, veio com pompa em 1961. Inclusive também marcou no Superclásico, de falta (com estilo, pois era de se esperar um cruzamento), em empate em 2-2, participando de outro pioneirismo estrangeiro: o River usou um quinteto ofensivo só de forasteiros, com o uruguaio Domingo Pérez, o espanhol José García Castro (o Pepillo) e três tupiniquins – Moacyr, o ex-vascaíno Delém e o ex-são-paulino Roberto Frojuello.

Aquele próprio dérbi teve recorde de forasteiros, com o rival usando o peruano Víctor Benítez e os brasileiros Paulo Valentim, Maurinho e três campeões de 1958: Dino Sani, Orlando Peçanha e o treinador Vicente Feola. Moacyr teve bons momentos além do Superclásico. Antes do campeonato de 1961, o River fez uma excursão brilhante à Europa, com gols de seus brasileiros provocando por 3-2 a primeira derrota do Real Madrid de Di Stéfano em casa em oito anos. O ex-flamenguista (que curiosamente ganhou na Gávea só um Rio-São Paulo, ainda em 1961, após iniciar a trajetória lá em 1956) marcou gols no empate em 1-1 com a Internazionale em Milão e no 5-2 sobre a Juventus em Turim. Mas aquele River não deslanchou no campeonato. Esteve no pódio, mas a nove pontos do campeão Racing, quando a vitória valia dois. Sem se firmar, o brasileiro seguiu carreira no Peñarol.

Décio Crespo de Castro: zagueiro que também veio no pacote brasileiro de 1961, a incluir ainda Milton Salvador por ter vencido a Libertadores 1960 pelo Peñarol, mas motivado sobretudo por surras que a seleção canarinha vinha aplicando na Argentina – em 1960, Delém havia marcado duas vezes no 4-1 pela Copa Roca em pleno Monumental e outro no 5-1 pela Taça do Atlântico; Roberto Frojuello também esteve naquele 4-1 (máxima vitória tupiniquim sobre o rival na casa dele), assim como o centroavante Décio Esteves, do Bangu. O Décio contratado, porém, foi o defensor flamenguista Crespo, que na Argentina ficou conhecido como Décio de Castro, às vezes grafado como “Desio”. Embora presente naquele 5-2 na Juventus, jogou só uma vez no campeonato e em 1962 foi devolvido. Reserva, não durou muito no Fla, passando depois por Canto do Rio, Bangu e futebol dos EUA.

O brasileiro Décio Crespo, o paraguaio Reyes (o loirinho agachado é Zico) e o goleiro Domínguez (à sua frente no Fla, o também argentino Doval), ex-Real Madrid: todos de passagem obscura pelo River

Francisco Reyes: o paraguaio esteve rapidamente no River em 1964, cedido pelo Olimpia. Não vingou em Núñez. Chegou ao Flamengo em 1967, após não se firmar também no Atlético de Madrid. Inicialmente, ainda como meia, também não emplacou no Brasil, chegando a ser emprestado ao Campo Grande em 1969. O reconhecimento viria quase imediatamente no regresso, já deslocado para zagueiro; foi o atleta melhor avaliado na primeira Bola de Prata entregue pela Placar, em 1970 – receberia a Bola de Ouro se esse prêmio já existisse. Reyes teve em 1972 seu melhor ano no coletivo, com títulos na Taça Guanabara (ainda um torneio separado do Estadual), no Estadual e no Torneio do Povo. Faleceu precocemente, vitimado em 1976 por leucemia. Em 1982, foi eleito em votação promovida pela Placar para fazer com Domingos da Guia a dupla de zaga do time dos sonhos do clube.

Rogelio Domínguez: campeão da Copa América de 1957, esse goleiro deixou o Racing rumo ao Real Madrid de Di Stéfano após o título. Emendou Ligas dos Campeões, mas ficou de fora da Copa de 1958, em tempos nos quais não se convocava quem atuasse fora. Retornou à Argentina em 1962, contratado pelo River, a tempo de ser incluso na convocação ao mundial do Chile embora fosse no clube reserva de Amadeo Carrizo – um mito que, por outro lado, havia sido vilanizado pelo desastre na Suécia. Domínguez não passou de um reserva de luxo em Núñez e seguiu carreira no Vélez. O Flamengo foi seu último clube; vinha do Nacional vice da Libertadores de 1967. Na Gávea, em 1968-69, ele não conseguiu títulos e terminou até crucificado por uma expulsão no Fla-Flu decisivo de 1969, mas houve quem votasse nele como melhor goleiro do clube em eleições promovidas pela Placar em 1994 e 2006.

Atualização em 23-07-2019: publicamos este Especial sobre Domínguez nos 15 anos de seu falecimento.

Júlio César: sim, o Uri Geller! Ponteiro arisco do Flamengo tri estadual nos anos 70, seu forte eram mais as assistências do que os gols, pois só marcou dez em mais de uma centena de jogos, além de chegar a ser emprestado a America-RJ e Remo. Perdeu o bonde justo quando as glórias rubro-negras começaram a se expandir além do Rio. Em 1981, foi vendido ao futebol argentino, inicialmente ao Talleres; chegou até a marcar, de pênalti, gol sobre o próprio River, em vitória por 2-1. Foram sete gols por La T, importantes para a equipe cordobesa livrar-se por dois pontos do rebaixamento. Assim, em 1982 foi ao Grêmio, sendo vice brasileiro para o próprio Flamengo. Não teve espaço. No verão de 1983 foi testado pelo River, em amistosos contra Estudiantes e San Lorenzo. O brasileiro não jogou os 90 minutos em nenhum dos testes e teve seu empréstimo redirecionado ao Fortaleza.

Fillol (com o citado Beto Alonso e com Júnior) e Borghi, campeões mundiais pela Argentina

Ubaldo Fillol: o goleirão campeão da Copa do Mundo de 1978 dispensa apresentações e já lhe dedicamos este Especial. Campeão de quase tudo no River, onde esteve entre 1974 e 1982 (incluindo aí a quebra de um jejum que perdurou entre 1957 e 1975), El Pato só não conseguiu títulos internacionais. Ainda assim, saiu apenas por iniciativa própria, após liderar uma greve interna contra salários atrasados em 1982. Seguiu carreira no Argentinos Jrs, onde voltaria a ser treinado pelo mentor Ángel Labruna, seu técnico no Racing em 1973 e no River de 1975 a 1981.

O projeto da dupla teve desfecho trágico com a cardíaca morte de Labruna nos braços do goleiro em setembro de 1983. Fillol topou proposta do Flamengo, que vinha de título brasileiro no primeiro semestre mas que também acabara de perder Zico ao futebol italiano (e Raul, aposentado). O argentino teve uma passagem ambígua, não deixando de ser querido e até mantendo-se na seleção (representando desfalques contínuos que também irritavam), mas sem títulos e rendendo aquém do esperado em dois anos de Gávea, com a torcida chegando a pedir por Cantarelli.

Claudio Borghi: outro também ex-Argentinos Jrs e campeão de Copa, em 1986. Primeiro “novo Maradona”, El Bichi é o único capaz de competir com ele como nome maior do Argentinos. Somente Borghi esteve em todos os títulos expressivos do time, como jogador no Metropolitano de 1984, no Nacional de 1985 e na Libertadores de 1985 (com vitórias no Rio sobre Vasco e Fluminense) e como técnico do Clausura 2010. Assim, foi vendido ao Milan logo antes do mundial de 1986 e começou como titular na Copa, mas já não era o mesmo. De personalidade retraída, rodou por diversas equipes, inclusive permanecendo por empréstimo no Argentinos na temporada pós-Copa. Após não ter êxito europeu, veio em 1988 a um River estrelado.

O Millo estava repleto de campeões mundiais, a começar pelo técnico Menotti, pelo regresso do veterano ídolo Passarella, pelo homem que tomou seu lugar durante a Copa (Héctor Enrique) e por outro daquele Argentinos Jrs, Sergio Batista. O timaço de papel não decolou, tampouco Borghi. Mas o Flamengo resolveu apostar nele em 1989 para substituir Bebeto: só fez seis jogos em seis meses, forçando a saída mesmo que fosse para defender o Independiente, rival do Racing pelo qual sempre torceu e nunca defendeu…

Atualização em 28-09-2019: publicamos este Especial sobre Borghi no seu aniversário de 55 anos.

Sambueza e Conca: sem triunfar no River e mais presentes no departamento médico da Gávea

Rubens Sambueza: meia promissor do River, campeão do Clausura 2004 e com passagens pelas seleções de base, não triunfou em Núñez como se esperava. Após um bom campeonato mexicano em 2008 pelo vice Pumas UNAM, teve empréstimo repassado ao Flamengo, até vestindo a 10 para suprir a venda de Renato Augusto ao Bayer Leverkusen, embora também tenha sido lateral-esquerdo. Uma lesão séria prejudicou-lhe, não chegando a dez jogos. Reergueu a carreira voltando ao México, ganhando duas Concachampions pelo América e chegando a ser sondado pela seleção local.

Darío Conca: dispensa apresentações, mas não pelo que fez pelos dois clubes. Foi profissionalizado no River, que não teve paciência com a promessa convocada às seleções de base. Em uma sucessão de empréstimos, chegou ao Brasil em 2007, inicialmente no Vasco, onde a irregularidade não impediu o reconhecimento de potencial. A partir de 2008, consagrou-se no Fluminense, com o vice da Libertadores naquele ano, a espetacular fuga sem tapetão do rebaixamento em 2009, a reconquista do Brasileirão em 2010 como Bola de Ouro e as crescentes críticas por não ser aproveitado pela seleção principal naquele ponto de bala. Já no Flamengo, veio com 34 anos em 2017 (como primeiro argentino a pertencer a três grandes cariocas em cerca de 50 anos), logo lesionou-se e foi devolvido ao futebol chinês sem sequer acumular meia hora em campo como rubro-negro.

Outros especiais flamenguistas:

Argentinos nos 120 anos de história do Flamengo

Elementos em comum entre Flamengo e San Lorenzo

Elementos em comum entre Flamengo e Independiente

Último encontro, em 2000, fez até os classudos Ortega e Petković ficarem combativos: cariocas por três vezes na frente do placar dentro do Monumental, mas vitória foi argentina, por 4-3. E quatro gols foram marcados no últimos dez minutos!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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