Tão longe, tão perto: a sina de bons times do River caírem nas semifinais da Libertadores
Somos humanos. Com o 2-0 millonario em La Fortaleza ontem, já tínhamos preparado estoque para mais uma nota da série “Elementos em comum” que costumamos fazer entre equipes argentinas e brasileiras na Libertadores, dessa vez entre River e Grêmio (o brasileiro Delém, Scotta, Chamaco Rodríguez, Ortiz, Cejas, Sabella, De León, Astrada, Amato, Escalona, Loco Abreu, Maxi López e recentemente Gastón Fernández) e até separado esta imagem para fins de humor. Mas uma das maiores viradas da história do futebol, a ser realocada facilmente entre as três primeiras listadas aqui, reascendeu uma sina que se impregnou na Banda Roja: bons times sucumbirem nas semifinais do torneio. Vale relembrar episódios anteriores.
Para tanto, vamos considerar apenas as semifinais em mata-mata e não em quadrangulares, formatos comuns de meados dos anos 60 a fins dos anos 80 e onde o River, curiosamente, calhou de adentrar na chave do time campeão sempre que chegava em tal fase (Racing em 1967, Boca em 1978, Peñarol em 1982 e 1987). Um primeiro capítulo deu-se em 1970. O clube naquela época já vivia seu maior jejum, treze anos, que se alongariam até dezoito.
De modo cruel, o time havia sido bivice argentino em 1969, perdendo o Metropolitano para o nanico Chacarita, e de goleada na final, e o Nacional para o Boca, em confronto direto na rodada final em pleno Monumental. O rival precisava só do empate e conseguiu um 2-2 graças a dois gols de um volante, Norberto Madurga (campeão brasileiro com o Palmeiras em 1972). Aquela foi a única volta olímpica que o Boca deu no Monumental após título sobre o arquirrival, ou tentou: o sistema de irrigação foi acionado para melar a festa. Na época, o campeão do Metropolitano ainda não tinha vaga na Libertadores, e como vice do Torneio Nacional o Millo se classificou à edição de 1970. Nela, cruzou com o Boca tanto na primeira como na segunda fase de grupos.
Dessa vez, o River venceu no Monumental (1-0, gol por sinal do futuro gremista Chamaco Rodríguez) e segurou um 1-1 em La Bombonera. Contava com um ótimo lado ofensivo, com o segundo maior artilheiro de sua história, Oscar Más; o recordista de gols em uma só Libertadores, Daniel Onega, autor de 17 na edição de 1966 (perdida exatamente por um 4-2 após vitória parcial de 2-0…); e o autor do que teria sido o primeiro gol do Brasileirão, aos que se opõem à unificação com os torneios pré-1971, outro futuro gremista, Scotta. Por dois pontos a mais, avançaram a uma semifinal caseira com o Estudiantes, então bi seguido do torneio.
Os tarimbados pincharratas não deram chances, vencendo as duas partidas: Eduardo Flores fez o único gol no Monumental. Como o River também disputava acirradamente o título doméstico em meio àquele jejum, usou titulares entre o jogo de ida e volta para um compromisso no Metropolitano. Já o time de La Plata descansou os seus, e na volta deu um passeio: Más marcou para a visita, mas Jorge Solari (tio de Santiago Solari, ex-Real Madrid nos anos 2000), Juan Echecopar e Juan Ramón Verón, o igualmente craque pai de Juan Sebastián, anotaram para os mandantes. Para piorar, o River adiante perderia o título doméstico nos critérios de desempate para o Independiente, graças a um gol do concorrente nos minutos finais – de um clássico com o Racing.
Avancemos a 1990. Mal aposentado dos gramados, Daniel Passarella iniciava seu primeiro trabalho como treinador. A Libertadores na época ainda sorteava duas duplas de cada país para a fase de grupos, para simplificar a logística dos participantes. River e Independiente foram sorteados com representantes da Colômbia, que acabaram pagando o preço de uma suspensão da Conmebol após um juiz, nos tempos do narcofútbol colombiano, ser ameaçado com armas de fogo em uma partida entre Atlético Nacional e Vasco. Assim, a fase de grupo aos argentinos resumiu-se a dois duelos diretos entre si apenas para definir o caminho nos mata-matas, pois ambos estavam pré-classificados.
Na segunda fase, o River eliminou com dois 2-1 o Defensor uruguaio, voltando a cruzar com o Independiente nas quartas. Em Núñez, o reforço Sergio Berti (recém-adquirido junto ao Boca em troca pelo jovem Batistuta) e o zagueiro José Serrizuela, de pênalti, assinaram o 2-0. Em Avellaneda, brilhou o ex-racinguista Ramón Medina Bello, autor do gol visitante em empate em 1-1. Em Núñez, 1-0 e semifinais contra o Barcelona do incipiente futebol equatoriano. Mas os millonarios ganharam somente de 1-0 em casa. Em Guayaquil, contra o time de dois antigos ídolos do Boca (o veterano Marcelo Trobbiani, reserva na Copa de 1986, e o técnico Miguel Brindisi), o placar foi devolvido sob muita pressão em gol de pênalti sofrido e convertido pelo uruguaio Luis Acosta.
Sobreveio a decisão por pênaltis. Nelas, o River já começou perdendo: Serrizuela teve o seu defendido na primeira cobrança. Na última, a do uruguaio Rubén da Silva pegou no travessão, bateu primeiro antes da linha e terminou nas mãos do goleiro.
Vamos a 1995. A base para a equipe que será campeã um ano depois está montada e se foca na competição continental, com campanhas domésticas bem pobres (o time já está classificado à Libertadores de 1996, por ter vencido o Apertura 1994…). Se sobressai em um grupo inicial pesado, com um Independiente duas vezes campeão em 1994 (do Clausura e da Supercopa) e Peñarol. Reverte para um 3-1 na Argentina um 2-1 sofrido com gols argentinos em Santiago (de Alejandro Lunari e Alberto Acosta, jogador da seleção) para a Universidad Católica. Elimina nas quartas o então campeão Vélez, mesmo em uma decisão por pênaltis com Chilavert do lado contrário…
Nas semifinais, um Atlético Nacional onde o talento já se sobrepunha à influência do cartel de Medellín. O personagem foi o goleiro René Higuita, que saía em 1995 do ostracismo desde que fora preso por ligações com os narcotraficantes (o que lhe custara vaga na Copa de 1994): foi o ano da célebre “defesa escorpião” contra a Inglaterra em Wembley. E foi o ano em que ele, nos minutos finais na Colômbia, marcou um gol de falta para definir o 1-0. O placar foi devolvido na Argentina, gol do (futuro gremista…) Amato. Mas nos pênaltis Higuita voltou a se sobressair: converteu sua cobrança na série inicial, e, já nas alternadas, pegou a de Matías Almeyda, o único a errar naquela noite.
Sobre a mesma base de 1996, o River teve como carrascos seguintes os brasileiros, nas edições seguidas de 1998 e 1999. A de 1998 é bem conhecida. Após duros duelos caseiros com o Colón (na fase de grupos e nas quartas), o gol de falta de Juninho Pernambucano perto do fim empatou em 1-1 no Monumental o placar aberto por Sorín e classificou o Vasco, que no Rio de Janeiro havia vencido por 1-0 graças a Donizete Pantera. Em 1999, após cruzar com o Vélez na fase inicial e nas quartas, o time onde já aparecia Javier Saviola venceu o Palmeiras por 1-0 em Núñez, mas levou de 3-0 em São Paulo em noite inspirada de Alex.
De todas as eliminações, a que mais se aproxima em dor à de ontem certamente é a de 2004, em épicos embates com o arquirrival Boca. Foram três Superclásicos em cerca de um mês: o River venceu em La Bombonera por 1-0, gol de Cavenaghi em grande partida de Maxi López, pelo Clausura – foi por dez anos a última vitória millonaria na casa rival. Pelo continente, porém, Schiavi assinou um 1-0 favorável aos rivais na Bombonera. No Monumental, teve de tudo: Lucho González abriu o marcador e o River jogava melhor. Mas em jogada de xadrez, Schelotto deixou a Banda Roja com dois homens a menos, cavando a expulsão do futuro flamenguista Sambueza enquanto outro estava lesionado quando o Millo já havia feito as três substituições.
O resto é a história conhecida. Tévez empatou no fim e cacarejou em provocação às gallinas de um Monumental em silêncio (somente a torcida da casa foi admitida nos dois confrontos, em tempos em que essa medida não era moda), que logo explodiu: nos acréscimos, Cristian Nasuti empatou. Pelo regulamento da época, era o bastante para forçar pênaltis, onde então Maxi López virou o vilão ao ser o único a perder sua cobrança. Pior para o time que tinha ainda os veteranos Gallardo e Marcelo Salas ainda em forma.
Em 2005, o algoz voltou a ser brasileiro, o São Paulo. Com a mesma base de 2004 mais o carrasco de ontem (José Sand), o River do artilheiro da competição (o futuro cruzeirense Ernesto Farías) teve como principal obstáculo anterior um time do Sul da Grande Buenos Aires: não o Lanús, mas o Banfield de Rodrigo Palacio, Daniel Bilos e Antonio Barijho. Avançou com um 4-3 no agregado para encarar os são-paulinos. O time vinha bem embalado. Até a eclosão de uma confusão interna extracampo.
Entre as quartas e a semifinal, descobriu-se que o zagueiro Horacio Ameli (ex-tricolor, por sinal) mantinha um caso extraconjugal com a esposa de sua dupla, Eduardo Tuzzio. O vestiário se dividiu e foi presa fácil. Em São Paulo, “Zidanilo” e Rogério Ceni, este em cobrança de falta no penúltimo minuto, construíram um ótimo 2-0. E no Monumental, os visitantes estiveram sempre à frente no placar. Ganhavam por 3-1 até o veterano Salas diminuir no fim, sem assustar a festa brasileira.
O técnico em 2004 e 2005 era o ex-volante Leonardo Astrada, presente como jogador em todas aquelas eliminações “rotineiras” entre 1990 e 1999. Em 2004, havia assumido o River apenas seis meses após se aposentar. E lamentou à revista El Gráfico: “eu estava jogando a vida nesse jogo. Se ganhássemos essa Copa em nosso primeiro semestre e eliminando o Boca, tinha 10 anos de contrato no River”. Já sobre a talaricagem, ponderou: “me emputeci com Eduardo porque me plantou uma situação distinta da que depois se deu. Por isso, digo que não acredito nem em um, nem no outro. Porque não me cagou um, me cagaram os dois. Sabia que era muito difícil. Tratei de acomodar as coisas como pude e se os dois permaneceram, foi por um desafio futebolístico. Uma pena. Estava convencido de que nesse ano tínhamos tudo para ganhar”.