Primeira Divisão

Quando o título foi disputado entre “La Maquinita” do River e “Los Globetrotters” do Lanús

Lanús e River se pegam hoje pelas semifinais da Libertadores, no confronto mais importante da história do duelo, que nem por isso deixa de possuir um recordado capítulo no futebol argentino. Quando os grenás eram de porte muito menor que o atual, tiveram em 1956 uma equipe apelidada de Los Globetrotters, que disputou o título com La Maquinita do River.

Aliás, o apelido de Globetrotters foi criado exatamente pela mesma pessoa que difundiu a alcunha de Millonarios para o River, o jornalista Lorenzo Molas, que destacou-se sobretudo no jornal Crítica. Dois jogadores do Globetrotters iriam à Copa de 1958 e depois defenderiam o próprio River: o classudo zagueiro José Ramos Delgado (presente nas duas imagens acima, como jogador de cada um), um dos mais notórios jogadores afro-argentinos e depois ídolo no Santos de Pelé; e o parrudo atacante Alfredo Rojas, apelidado exatamente de Tanque e que ganharia idolatria exatamente no rival Boca nos anos 60.

Já dos ídolos que se restringiram ao Sul da Grande Buenos Aires, a torcida grená lembra-se com mais carinho de Héctor Guidi, José Nazionale, Benito Cejas, Urbano Reynoso e Dante Lugo, todos com passagem pela seleção. Justifica-se: o Lanús era um time da metade inferior da tabela, a ponto de em 1934 precisar jogar o campeonato com um elenco fundido ao do vizinho Talleres de Escalada e terminando por ser rebaixado em 1949.

Ramos Delgado nos Globetrotters e cena do tenso River 3-1 Lanús pelo título de 1956

Em 1956, porém, enquanto Ramos Delgado se sobressaía na defesa não faltava qualidade e coletivismo no ataque. Os artilheiros do campeonato foram Ernesto Grillo (Independiente) e Juan Castro (Rosario Central), cada um com 17 gols. Mas Lugo fez 14, Reynoso fez 12 e Rojas, 11.

O River, por sua vez, tinha uma equipe menos vistosa que La Máquina dos anos 40, mas o apelido de La Maquinita demonstrava que o poderio remanescia, e de modo mais eficiente: se La Máquina ganhou somente os títulos de 1941, 1942 e 1945, com a taça de 1947 já sendo de outra dinâmica, a sucessora só perdeu um campeonato entre 1952 e 1957 – período que incluiu o primeiro tricampeonato seguido do clube, entre 1955 e 1957. No elenco, destaque aos jovens Omar Sívori, Norberto Menéndez e Roberto Zárate, ganhando espaço sobre velhas figuras mitológicas do clube.

River e Lanús disputaram a liderança desde o início, e o primeiro embate direto foi no Monumental, em junho. Os grenás souberam segurar o 0-0, mas saíram furiosos com a lesão de Cejas em choque com o xerife Néstor Rossi, um dos três remanescentes de La Máquina. No returno, os lanusenses, jogando em casa, abriram 1-0, gol de Rojas. O River entrou com dois desfalques: o goleiro Amadeo Carrizo, por lesão, e Rossi, para evitar vinganças dos locais.

Ruggeri e Enrique, que ao meio seguram a Libertadores de 1986 com o goleiro Pumpido 

Mas no segundo tempo o time, que parecia morto após uma aula de futebol no primeiro, se impôs: Félix Loustau, que fez somente dois gols no torneio, empatou. Ángel Labruna (eles eram os outros dois remanescentes de La Máquina) virou e Sánchez anotaram o terceiro da vitória que permitiu aos visitantes abrir dois pontos de vantagem. Foi exatamente essa a diferença que os separaria ao fim do campeonato dos Globetrotters, embora o título tenha se confirmado ainda na penúltima rodada. Aquele foi o último título de Loustau como titular, com sua vaga na ponta-esquerda em 1957 ficando de vez com Zárate. Já Ramos Delgado foi convocado à Copa de 1958 ainda como jogador do Lanús.

O zagueiro foi à de 1962 já como atleta do River, onde foi ídolo apesar de atravessar a famosa seca de títulos que o clube suportou entre 1957 e 1975. Além dele, somente outro defendeu a Argentina vindo dos dois: o ponta Héctor Minitti, um dos destaques de outra rara boa campanha grená, a do elenco apelidado de Albañiles em 1968, quando perdeu apenas nos critérios de desempate a vaga na semifinal do Torneio Metropolitano. Jogou algumas vezes pela Albiceleste naquele ano e no seguinte, quando defendeu o River vice do Metropolitano para o Chacarita – enquanto o ex-clube foi rebaixado.

O Lanús voltou em 1971, mas chegou a passar até pela terceira divisão depois. É exatamente o único clube na Argentina que, após descer tão baixo, conseguiu depois ser campeão da primeira divisão. A terceirona foi conquistada em 1981 tendo como integrante o meia-direita Héctor Enrique, titular na Copa do Mundo de 1986 como membro de um River que naquele ano conseguiu o título nacional e suas primeiras Libertadores e Mundial. Apesar disso, El Negro já afirmou que sua maior felicidade esportiva foi mesmo subir de divisão com o clube do coração, onde voltou no fim da carreira.

O Apertura 1993 foi o outro torneio em que Lanús (representado por Fabbri, segundo desde a esquerda) e River (representado por Rivarola) disputaram a taça. Mas com diversos outros times na corrida, em torneio equilibradíssimo

No início dos anos anos 90, o Lanús ainda foi um ioiô. A solidez veio em meados da década, com a Cúperativa do técnico Héctor Cúper conseguindo duas finais seguidas da Copa Conmebol (ganhando a primeira) e alguns pódios com um elenco operário formado por atletas da base ou desconhecidos provenientes de outros times pequenos, à exceção do goleiro ex-racinguista Carlos Roa. Mas somente em 1993 houve uma nova disputa com o River.

No Apertura 1993, eles chegaram a dividir a liderança na décima rodada, com o River isolando-se ao vencer por 2-0 o confronto direto na 11ª, ainda que sofresse derrotas seguidas que o fariam recuperar a liderança só na antepenúltima rodada. Foi um título jovem, com o técnico Passarella promovendo Ortega, em seu primeiro título como titular, dando as primeiras oportunidades aos ainda reservas Crespo, Gallardo e Almeyda e bancando alguns que não vingariam tanto, como Facundo Villalba, Lavallén e Silvani. A experiência vinha por conta de Goycochea, Berti (ambos de volta), Hernán Díaz, Leonardo Astrada e Toresani, autor do gol do título.

O Lanús ficou em sexto, mas a dois pontos do campeão. Já no Apertura 1996 ficou em terceiro, mas a nove pontos do River. Em outros campeonatos onde estiveram no pódio, ou a taça ficou com outro clube ou a distância foi grande demais para alguma disputa série: Clausura 2006 (Boca campeão), Torneio Final 2013 (do Newell’s) e Transição 2014 (do Racing), além de um dos grupos do campeonato de 1929, em que a vaga na final foi do Gimnasia LP. A raridade histórica de conquistas do Lanús e seu pouco intercâmbio histórico com o River fizeram com que somente um jogador tenha sido campeão nos dois clubes desconsiderando-se títulos de divisões inferiores: o atacante José Sand. Ele foi até 2011 o maior artilheiro das categorias de base millonarias, mas nunca vingou no time principal.

“Vá olhando essas carinhas”, anuncia a El Gráfico em janeiro de 1998 sobre os juvenis que o brasileiro Delém, chefe das divisões de base do River, indicara para irem à pré-temporada dos adultos. Aimar vingou, Costanzo e Sand tiveram carreiras respeitáveis longe do River

El Pepe (apelido comum a quem se chama José nos países de língua espanhola) chegou a fazer a pré-temporada com os adultos em 1998, sem ainda dar o salto: em 1999, ainda estava no time sub-19, sendo, para variar, o artilheiro da categoria. Até integrou o elenco no Clausura 2000 e no Clausura 2001, além de participar do amistoso festivo do centenário oficial, o 0-0 com o Peñarol, em 25 de maio de 2001 (em dois tempos de trinta minutos). Mas só na temporada 2003-04 é que ele enfim estreou como riverplatense no campeonato argentino, após meia dúzia de anos sendo sempre emprestado a outros clubes: Colón no Apertura 1999, Independiente Ridadavia no segundo semestre de 2000, Vitória no segundo semestre de 2001, Defensores de Belgrano ao longo de 2002 e 2003…

Sand até jogou duas partidas do Apertura 2003 pelo River, mas em jogos postergada para 2004 (2-1 no Atlético Rafaela em 3 e março e 3-1 no Racing em 3 de junho). Sua estreia oficial é considerada pelo Clausura 2004 mesmo, em 15 de fevereiro daquele ano. Foi campeão, marcando apenas naquele torneio promissores 7 golzinhos dos onze anotados pela equipe adulta do River. Mas perdeu espaço com a chegada de Ernesto Farías. A rotina de empréstimos voltou, com estadias por Banfield e Colón até o Lanús comprar o passe e transformar Sand. Pepe foi um dos quatro presentes tanto no primeiro título na elite, no Apertura 2007, como no segundo, nove anos depois, ano passado. Conseguiu ainda duas artilharias do campeonato e algumas chances na seleção, além de marcar quatro vezes em dez reencontros contra o ex-clube. É a figura oponente mais temida pela torcida millonaria hoje.

Além de Pepe Sand, pode-se citar os irmãos Serrizuela, ambos zagueiros, como outros campeões no duelo, cada um em um lado: José, presente na campanha do Millo de 1989-90, acabou indo à Copa do Mundo de 1990. Já Juan esteve nas finais da Copa Conmebol de 1996 e 1997, ganhando a primeira. Oscar Ruggeri, por sua vez, é o único finalista do continente por ambos: líbero do super River de 1986, ele pendurou as chuteiras como vice da Conmebol em 1997, deixando uma grata recordação na torcida a despeito de originar e briga generalizada na final com o Atlético Mineiro.

Os irmãos José e Juan Serrizuela; e o artilheiro Sand vitimando os dois lados no duelo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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