15 anos do título argentino de Cambiasso: o Clausura 2002, pelo River
“Um orgulho. Em um país como o nosso, com tantos jogadores que fizeram história e ganharam tantas coisas, ser o que mais títulos obteve provoca uma grande satisfação. Mas não os fui contando, heim, nunca levei em conta até que me avisaram que havia chegado a este recorde. Não tenho dúvidas de que será um recorde passageiro, porque Leo terminará sendo o que mais títulos ganhará. É normal, se trata do melhor”.
Assim começava entrevista de Esteban Cambiasso à revista El Gráfico em dezembro de 2012. Àquela altura, o volante somava 23 diferentes títulos na carreira, contabilizando os por seleções juvenis. Só conseguiria mais um, dias atrás, o do campeonato grego pelo Olympiakos – uma pena ter El Cuchu ter saído do Leicester City justamente na janela prévia à da Premier League de 2015-16! Como ele imaginava, Lionel Messi realmente já o superou como argentino com mais títulos no futebol. Dos 24 de Cambiasso, só um deles foi ainda no campeonato argentino, completando ontem 15 anos, com gol dele na ocasião: o Clausura 2002 pelo River.
Acasos permearam a trajetória de Cambiasso. Filho de dois ex-jogadores de basquete, foi criado em um clube dedicado às cestas, o Gimnasia y Esgrima de Villa del Parque. No mesmo bairro portenho de Villa del Parque, há também o clube Parque, onde praticava futsal (e com convênio com o Argentinos Jrs). Quando jovem, ele sequer se interessava por futebol, mas sua correria atraiu olheiros da bola nos pés. Os pais acreditavam que o ambiente das quadras era mais são que o dos gramados.
Mas “com os dias fiz um grupo de amigos e nesse momento pesa mais o tema das amizades que o jogo em si. Me divertia e por isso quis seguir indo jogar bola no Parque. Assim começou tudo”. Mas o Parque também tinha seu time de basquete e Cambiasso “quase foi expulso”: “fazia futebol no Parque e basquete no GEVP, e fui uma vez no Parque jogar basquete e acertei a última bola desde bem longe. ‘Melhor que não venhas mais aqui’, me diziam. De brincadeira…”.
“Calhou de eu nascer em um clube de basquete e acreditava que este era o meu esporte. Mas ao começar nos juvenis do Argentinos tive que me decidir porque jogávamos aos domingos de manhã, no mesmo horário do basquete. Mas posso te dizer que quando deixei, jogava melhor o basquete do que o futebol. Os que me viam jogar basquete me aconselhavam a não deixa-lo”. O acaso continuou: “pense, por exemplo, que o Sul-Americano sub-17 que me projetou na seleção deveria ter sido jogado em janeiro de 1995 no Peru, mas houve uma guerra e foi postergado para maio. Caso se jogasse em janeiro, não teria ido, mas foi em maio e estive. E graças a isso fui ao Mundial”.
Cambiasso terminou como estrela no Mundial Sub-20 de 1997, com direito a gol na final contra o Uruguai. O frisson foi tamanho que o Real Madrid, para contrata-lo, levou junto seu irmão, o goleiro Nicolás Cambiasso (que não sairia do time B madridista e teria destaque justo no All Boys, rival clássico do Argentinos Jrs). Esperava-se um novo Fernando Redondo, da mesma posição e também forjado no Argentinos Jrs.
“Tive a sorte de conhecê-lo quando ele estava de férias na Argentina. Eu tinha um poster grande dele na minha parede, e levei para que autografasse. Tirei fotos também, jogamos uma partida de futebol de cinco. Foi muito curioso. Essa vez que nos vimos eu estava na sub-17, foi em meados de 1995, e logo um ano depois o Madrid me comprou e estava compartilhando a pré-temporada com Fernando e com todos os monstros do Madrid”, declarou o volante. O clube espanhol, para amadurecer a promessa, emprestou-a ao Independiente em 1998.
Aprovando a experiência, o próprio Cambiasso pediria para o empréstimo ser prorrogado, o que ocorreria até 2001. Em Avellaneda, ele teve grande momento sobretudo no Clausura 2000. Seis dos seus dezesseis gols pelo Rojo vieram só naquelas 19 rodadas, ótimos números para um volante, incluindo um na vitória no clássico com o Racing. O Independiente terminou em vice e El Cuchu enfim estreou pela seleção principal, em um 2-0 amistoso sobre o México em Los Angeles, em dezembro. O clube já fazia campanhas ruins e o empréstimo foi direcionado em 2001 ao River, que vinha mais sólido pelas cabeças e celebrava o seu centenário oficial.
O ano festivo terminou sem nada, com a perda do campeonato justo para o Racing, que não o ganhava havia 35 anos… Não que Cambiasso não fizesse sua parte. Foram nove gols naquele Apertura 2001, incluindo no 5-0 sobre o ex-clube em Avellaneda, no Superclásico com o Boca (1-1 no Monumental) e no 1-1 em visita ao concorrente Racing na reta final, partida que o River ganhava até os últimos minutos. O campeonato foi perdido exatamente por um único ponto. A reação do River foi contratar dois atacantes com renome na Europa: Juan Esnáider, que defendera a Argentina por Real Madrid, Atlético de Madrid e Espanyol; e o uruguaio Daniel Fonseca, ex-Juventus e Napoli. Ironicamente, nenhum deles vingaria. Fonseca sairia praticamente ainda na pré-temporada, após conflito de dois temperamentos fortes com o técnico Ramón Díaz.
Cambiasso terminaria o Clausura 2002 com menos produção goleadora. Foram só três assinaturas. Não precisava se esforçar tanto, em um trio ofensivo letal entre Ariel Ortega e os jovens Andrés D’Alessandro e Fernando Cavenaghi. O River, inconstante no torneio anterior, não brincou no Clausura. Se permitindo a ter só três defensores (Ariel Garcé, Celso Ayala e Ricardo Rojas), aquele elenco superofensivo começou o torneio com 3-1 no Talleres, 4-0 no Huracán, 6-0 no Unión (só Ortega fez quatro) e 3-2 no Estudiantes, com Cavegol honrando o apelido ao marcar os três em espaço de dez minutos, virando em La Plata jogo perdido por 2-0.
Cambiasso, por sua vez, mostrou-se pé quente nos poucos gols. O primeiro veio na rodada seguinte, o Superclásico. Era em La Bombonera, onde o River não vencia havia oito anos. O volante abriu o 3-0 com um chutaço no primeiro tempo, na noite recordada pelo “gol de vaselina” do discreto Ricky Rojas. Mas foi El Cuchu quem estampou a capa da El Gráfico seguinte à partida. Foi uma edição histórica; a revista circula desde 1919, algo que sempre fazia semanalmente até aquela vez. A crise que imperava na Argentina forçou-a a, a partir dali, virar mensal. A mesma crise mudou o patrocínio cervejeiro, da nacional Quilmes para a ianque Budweiser; a troca não chegou a ser automática, propiciando que alguns jogos tivessem “camisa limpa”.
A ressaca foi grande em Núñez: empate sem gols com o Banfield, mas uma belíssima falta de D’Alessandro deu a vitória sobre o Vélez dentro de Liniers. Outro 1-0 foi aplicado no Independiente e a invencibilidade enfim caiu para o Newell’s, em Rosario (1-0). A recuperação foi rápida, batendo o Belgrano por 2-1 com o segundo gol de Cambiasso na campanha. Veio o 0-0 visitando o San Lorenzo e um 4-2 no Colón. Começava então a decisiva reta final, contra os postulantes Gimnasia LP e Racing.
O Gimnasia, que entre 1985 e 2005 portou-se como a melhor equipe de La Plata nos campeonatos (foram cinco vices) e nos clássicos com o Estudiantes, seria o mandante. Mas teria de se contentar mesmo com a segunda colocação, pois Cavenaghi marcou a cinco minutos do fim o único gol no Bosque naquele “jogo de seis pontos”, exatamente a diferença final entre os dois clubes. Dali, veio um inesperado 2-2 com o Chacarita, antes do teste contra o Racing. O experiente goleiro Ángel Comizzo foi expulso e, já tendo feito as três substituições, o técnico Ramón Díaz mandou o jovem Martín Demichelis calçar improvisadamente as luvas.
No finzinho, o Racing da revelação Diego Milito conseguiu uma falta no limite da área contra aquele zagueiro-goleiro. A jogada terminou mesmo em gol, mas para o acuado River: a cobrança rebateu em Cambiasso, e sobrou para Rojas acionar o paraguaio Nelson Cuevas, que disparou, driblou o goleiro oponente e marcou já nos acréscimos – foi seu único gol na temporada inteira, prévia de sua noite de talismã dali a umas semanas na epopeia contra a Eslovênia na Copa do Mundo. Para o lado do Racing, o baque foi tamanho que o time de Avellaneda não venceria nas três rodadas que restavam, caindo para um enganoso 6º lugar final. Já para o River o título poderia vir já na rodada seguinte, mas o Lanús estragou os prazeres e venceu no Sul por 1-0. Ainda assim, os millonarios puderam ser campeões na penúltima rodada. E melhor, em casa.
O Argentinos Jrs, contra quem o River tantas vezes já garantiu títulos a ponto de despeitar suspeitas, dessa vez assustou. Leandro Pisculichi abriu o placar em Núñez. Mas Cambiasso marcou no ex-clube, empatando ainda aos 21 minutos de jogo. Alejandro Chori Domínguez virou aos 33. E a torneira se abriu a Cavenaghi, Ele fez os três gols seguintes no 5-1. Terminaria na artilharia do Clausura. Cambiasso, outrora um galã juvenil no estilo Backstreet Boy, já ostentava sua calvície precoce e pela primeira vez raspou, na festa, os poucos cabelos que restavam, estilo que adotaria de vez a partir de 2007.
O título foi histórico também para o técnico Ramón Díaz, que ali se isolou como treinador mais campeão no Millo, superando o mito Ángel Labruna. Outra comemoração é que na época a conquista era tida como a trigésima do River no campeonato (pois público e mídia não consideravam o título amador de 1920). Já Cambiasso admitiu que aquele semestre valeu mais que três anos de Independiente; dali finalmente rumaria ao Real Madrid, no segundo semestre de 2002: “ganhar o campeonato com o River foi a consagração, ter amadurecido definitivamente. Nesse momento, tinha 21 anos de idade e completava quatro em uma elite da Argentina. Para o futebol europeu, ter um ano a mais ou a menos pode mudar a equação. E dei o salto”.
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