Rubén Galván, caudilho do Independiente tetra da Libertadores e campeão da Copa 1978
Neste mês de abril de 2017, Rubén Galván, nascido em 1952, fez 65 anos – há fontes para o dia 7 e outras para o dia 17 (ontem). Foi um clássico volante argentino: combativo e de personalidade a ponto de vestir a braçadeira de capitão, com boa noção de antecipação e vez ou outra uma ida ao ataque, rendendo-lhe 16 gols em 277 jogos pelo seu Independiente (dois deles, em clássicos com o Racing). Membro dos dourados anos 70 do Rojo, esteve na seleção de 1978.
Galván nasceu longe de Avellaneda. Foi na província de Formosa, na cidade de Comandante Fontana. Mas desde criança tinha coração vermelho: “no meu povoado recebíamos (a revista) El Gráfico com um mês de atraso e em uma capa estava Rubén Navarro, que era capitão nesse momento. E como me caíram muito bem suas declarações, decidi ser do Rojo“. O tal Navarro era membro do elenco que venceu as duas primeiras Libertadores do futebol argentino, no bi seguido de 1964-65, e seu apelido dizia tudo sobre a dureza imposta aos rivais: El Hacha Brava.
Já o apelido de Galván era comum a argentinos de pele ligeiramente escura, ainda que por heranças mais indígenas do que propriamente africanas, em uma população bastante embranquecida: El Negro. Sabia desde o início a vida que levaria: “quando estava no colégio primário, dizia às freiras que não me interessava estudar porque eu ia jogar futebol no Independiente e na seleção”. Conseguiu: fez os juvenis no clube do coração.
El Negro Galván foi relacionado pela primeira vez ao time adulto na 34ª rodada do vitorioso Torneio Metropolitano, embora não chegasse a entrar em campo; estreou na 32ª, substituindo Antonio Moreyra aos 10 minutos do segundo tempo de 1-1 com o River. Foram os únicos 35 minutos de Galván em campo naquela campanha, o suficiente para ele ser considerado entre os campeões.
Ele jogou oficialmente mais duas vezes em 1971, já pelo Torneio Nacional: na 8ª rodada e na 10ª, ambas também saindo do banco, em formações juvenis improvisadas (até o treinador era o do time sub-20, Roberto Ferreiro, ex-lateral daquele elenco bi seguido de 1964-65) diante de uma greve da classe profissional; embora já integrasse o time adulto, El Negro, como qualquer juvenil, só seria efetivamente profissionalizado pelas normas da época após dois anos de carreira. Sua partida seguinte tardaria até a 11ª rodada do Metropolitano 1972, em outra escalação reserva – substituiu Carlos Bulla em meio ao 6-0 sofrido em 16 de abril para o Rosario Central; os titulares estavam poupados para compromisso dali a 48 horas pelas semifinais da Libertadores.
Aquela Libertadores de 1972 seria a primeira de uma série seguida de títulos no torneio, ainda um recorde exclusivo dos diablos. Galván não chegou a entrar em campo naquela edição: o meio-campo era composto de forma sólida por Miguel Ángel Raimondo, José Omar Pastoriza e Alejandro Semenewicz, trio importado pela seleção semanas depois na disputa da Taça Independência, minicopa organizada pelo Brasil para os 150 anos do Grito do Ipiranga. O jovem, por sua vez, seria usado em outra escalação mista no Metropolitano 1972, na 16ª rodada, em 21 de maio – três dias antes dos titulares garantirem o título continental.
Galván saiu outra vez do banco no 3-3 com o Banfield e enfim teria um primeiro jogo como titular na 22ª, em pleno Clásico de Avellaneda: 2-1 no Racing, atuando os 90 minutos. Jogou mais duas vezes naquele Metropolitano 1972 (novamente vindo do banco) e, no Torneio Nacional, também só apareceu duas vezes mesmo que àquela altura o concorrente Pastoriza já deixasse aberta uma vaga ao transferir-se ao Monaco.
Inicialmente, para repor El Pato Pastoriza o clube foi atrás de um astro do continente, o uruguaio Julio Montero Castillo, do Nacional campeão de tudo em 1971 e da seleção celeste semifinalista da Copa de 1970. Mas o pai do futuro xerife Paolo Montero não convenceu em Avellaneda. Na estreia da Libertadores de 1973, com Montero Castillo na posição que era de Pastoriza, os campeões foram derrotados pelo Millonarios. Galván, então subutilizado pelos treinadores rojos de 1972 – Pedro Dellacha e Ferreiro -, ganharia mais espaço com o técnico novo, Humberto Maschio.
Na Libertadores, Galván, sem participações na edição 1972, enfim estreou na segunda partida da de 1973 – precisamente na vaga que era de Montero Castillo, que por sua vez não voltaria a atuar pelo Rojo em La Copa. Afinal, El Negro firmou-se junto com El Polaco Semenewicz e, inicialmente, Héctor Martínez (depois, Raimondo). Em paralelo, conseguiu doze jogos no Metropolitano, sendo titular em dez, ao passo que Montero Castillo apareceu em apenas quatro e não voltou após ser expulso no 2-2 com o Vélez ainda em 6 de maio. Exatamente um mês depois, em 6 de junho, com Galván titularíssimo, o Independiente sagrou-se bicampeão da Libertadores.
Foram semanas especialmente douradas ao novato: apenas quatro dias depois de enfim vencer em campo a Libertadores, Galván marcou um primeiro golzinho na carreira, abrindo o placar no 1-1 com o Rosario Central na 16ª rodada, em 10 de junho. No mesmo mês, o clube também ganhou a Copa Interamericana válida por 1972, um tira-teima contra o campeão da Concacaf (os hondurenhos do Deportivo Olimpia). Mas o passado de jogador racinguista do técnico Maschio o impedida de cair totalmente nas graças e, sob desavenças com a diretoria, o treinador renunciou em agosto. Àquela altura, Galván já estava firmado e manteve-se titular com Ferreiro, novamente tirado do time sub-20 para efetivar-se no principal: no Torneio Nacional de 1973, já foi foi o jogador mais utilizado do elenco.
Ainda em setembro de 1973, Galván inclusive estreava pela seleção, ainda que de uma forma nada glamourosa: foi contra no 1-0 sobre a Bolívia em La Paz, integrando a tumultuada preparação de três meses de uma virtual “seleção B”, esquecida pela AFA e que teve de se virar para angariar amistosos, fundos, habitação e alimentação. Foi na chamada Selección Fantasma que outros astros também chegaram à Albiceleste, casos de Mario Kempes, Ubaldo Fillol e Ricardo Bochini, todos também futuros campeões mundiais.
Bochini, que estreara na Libertadores justamente na finalíssima de 1973, substituiu Martínez no trio do meio-campo rojo. Em novembro, ele, Galván e Raimondo formaram o setor na escalação que enfim conseguiu, na quarta tentativa, o primeiro título mundial do Rojo – sobre a Juventus, dentro da Itália. Quase a história foi diferente, com a Juve perdendo um pênalti inexistente atribuído justamente ao Negro…
A memória quase traumática seguia fresca 35 anos depois, como relembrado por ele em 2008 à revista El Gráfico: “eu era um garoto, um doente pelo clube, por isso quando apitaram o pênalti queria me matar. Hoje, com 56 anos, te posso confirmar que não foi. Antes que chutassem, fui caminhando até o meio-campo e fiquei de costas, não queria ver. Nisso notei que os da Fragata começaram a festejar e minha alma voltou ao corpo. Teria sido catastrófico para mim”. O pessoal da Fragata, a Libertad, eram marinheiros argentinos que estavam por acaso atracados em Roma e não perderam a oportunidade de presenciar o Mundial, em apoio quase solitário de duas dezenas de almas – a descrença de público e crítica no título longe de casa era grande.
Como se fosse pouco à torcida, em abril de 1974 o Independiente superou o Racing em número de vitórias no Clásico de Avellaneda. E foi com direito a um 4-1 com Galván marcando. Apenas dois meses depois, o volante fez outro gol no rival, derrotado em casa de forma ainda pior, por 5-1. A rivalidade chegou a lhe fazer “recuperar-se” em vinte dias de uma fratura no perônio, apenas para poder jogar (e vencer). E novo título na Libertadores, agora sobre o São Paulo, veio em outubro, com Galván jogando-a da primeira à última partida, ainda que em um rodízio com Raimondo, Semenewicz e Hugo Saggioratto pelas três vagas (Bochini virara centroavante).
Em novembro de 1974, Galván ganhou também nova Copa Interamericana, contra o Deportivo Municipal da Guatemala. E fez sua segunda partida pela Argentina, no 1-1 contra o Chile, na estreia do técnico César Menotti na seleção. Em abril de 1975, o clube encerrou o ciclo de quase dois anos do técnico Ferreiro após amargar para o Atlético de Madrid o vice do Mundial Interclubes ainda válido por 1974. A diretoria roja trouxe de volta Dellacha, o mesmo técnico da temporada 1972. Que, dessa vez, não ousou tirar Galván da titularidade.
O tetra na Libertadores veio em junho de 1975. Galván jogou todas as partidas do título mais épico (as outras posições no meio variaram entre Semenewicz, Bochini, Percy Rojas e Aldo Rodríguez), pois o Rojo havia sido surrado nas duas primeiras partidas do triangular-semifinal, precisando ganhar o último jogo por três gols de diferença e conseguindo – sobre o Cruzeiro.
El Negro foi descrito como o melhor da equipe na derrota na primeira final, para a Unión Española, depois batida em Avellaneda e na neutra Assunção. No mês seguinte ao título, veio a terceira partida oficial pela Argentina, na primeira vitória sobre o Uruguai dentro do estádio Centenário em dezenove anos (3-2). Mas Menotti, apostando largamente em jogadores do interior, preferiu passar a usar Américo Gallego, então jogador do Newell’s e de características similares às de Galván. Ele só voltaria a defender a Argentina outras quatro vezes: três somente em 1977 e outra em 1978.
Em 1976, o ciclo do Independiente na Libertadores foi encerrado. No mês seguinte, veio a última taça copeira nos anos 70, nova Interamericana (válida por 1975), sobre os mexicanos do Atlético Español – os Mundiais de 1974 e 1975 não chegaram a ser realizados. Sem dividir o calendário com o continente, o clube voltou a ser campeão argentino pela primeira vez desde 1971, quando Galván ainda era iniciante. Foi pelo Torneio Nacional de 1977, só encerrado em janeiro de 1978.
Foi na mais épica final argentina, em que uma arbitragem flagrantemente favorável ao Talleres validou gols impedidos e de mão do oponente. Revoltados, os Rojos protestaram contra o juiz Barreiro, que sem cerimônia exibiu cartão vermelho aos visitantes em Córdoba. Galván foi um dos indignados: “tenho dois filhos e isso me dá vergonha. Me expulse”. Mesmo com oito em campo, o clube conseguiu nos minutos finais empatar, resultado que deu-lhe o título.
Em abril, Galván jogou sua última partida oficial pela seleção, em derrota de 2-0 para o Uruguai em Montevidéu, a única derrota que teve pela Argentina – ainda entraria em campo em dois jogos não-oficiais em maio, no 2-1 sobre a seleção provincial de Corrientes no dia 7 e no 7-0 sobre a seleção do sul da província de Buenos Aires no dia 13. Esteve na Copa do Mundo, mas sem jogar nenhum minuto – o Galván que entrava em campo era o zagueiro Luis, do Talleres, com quem não tem parentesco. A situação chegou a render uma depressão ao volante. Que pareceu refletir-se nos gramados: embora campeão do mundo, ironicamente perderia espaço rapidamente em casa.
Ele e seu Independiente até festejaram o Torneio Nacional de 1978, décimo e último título de Galván pelo clube. Mas ali, concorrendo com Carlos Fren, jogou somente seis vezes, nenhuma delas nos mata-matas. Seriam então 15 jogos no Metropolitano 1979 e cinco no Nacional, despedindo-se ao fim da temporada em meio à entressafra vivida na Doble Visera. Após um ano no Estudiantes, El Negro passou pelo “mundo ascenso” (All Boys e Deportivo Morón) e pelo futebol boliviano, sem nunca deixar de ser sinônimo de noites copeiras em Avellaneda.
Pingback: Jogar por Boca e River, por Racing e Independiente: a carreira única de Osvaldo "Japonês" Pérez
Pingback: 50 anos do primeiro Mundial do Independiente