Elementos em comum entre Flamengo e San Lorenzo
Flamengo e San Lorenzo reeditam nessa quarta-feira um duelo com certa história no continente, com diversos amistosos entre os anos 40 e 60 e nas finais da Copa Mercosul de 2001. Na última edição do torneio que sucedeu a Supercopa Libertadores e antecedeu a Copa Sul-Americana, Mengão e Ciclón enfrentaram-se também na primeira fase. Os cariocas levaram a melhor no início, mas no fim os cuervos conseguiram seu primeiro título internacional. Hora de relembrar mais pontos em comum.
O ano de 2001, por sinal, foi especial a ambos. O Flamengo conseguiu pela quarta vez o tricampeonato estadual, em contornos dramáticos para deixar o rival Vasco de trivice, além de ganhar também a Copa dos Campeões. O San Lorenzo também venceu duas vezes: treinado pelo chileno Manuel Pellegrini, futuro técnico de Real Madrid e Manchester City, ganhou primeiro o Clausura com um recorde de pontuação nos torneios curtos (47 pontos) e de vitórias seguidas (treze) e depois aquela Mercosul – concluída, é verdade, só em janeiro de 2002, com a final sendo adiada em mais de um mês em função de seríssima crise político-econômica de dezembro de 2001 na Argentina.
Falamos daquela Mercosul, estrelada pelo eterno Leandro Romagnoli (ainda nos cuervos), neste outro Especial. Os dois times também festejaram em 1972 (os rubro-negros ganharam o Carioca e o Torneio do Povo; os azulgranas viraram a primeira equipe a vencer no mesmo ano os Torneios Metropolitano e Nacional, que dividiam o calendário argentino entre 1967-85), 1974 (Carioca; Nacional), 2007 (Carioca; Clausura), 2013 (Copa do Brasil; Inicial) e 2014 (Carioca; Libertadores). Também usam aves negras como mascotes: o urubu e o corvo, apelido herdado da cor das batinas dos padres como o que usava Lorenzo Massa, o sacerdote que impulsionou o Sanloré. Os dois também se gabam de vantagens sobre seus rivais – no caso do San Lorenzo, ele tem o Boca de freguês, algo raríssimo na Argentina, e amplo domínio contra o vizinho Huracán.
O primeiro a jogar nos dois foi Waldemar de Brito. O descobridor de Pelé havia ido à Copa de 1934 e chegou ao San Lorenzo no ano seguinte. No clube do bairro de Boedo já estava seu irmão Petronilho (que seria o real autor do chute de bicicleta), que brilhara no Ciclón campeão argentino de 1933. Waldemar teve uma estreia assombrosa ao marcar três gols em um 5-3 no Talleres de Escalada pela primeira rodada, mas já na partida seguinte lesionou-se gravemente ao enfrentar o Boca. A recuperação foi mais longa do que o pensado e ele voltou ao Brasil, para o Flamengo. Waldemar ficou três anos na Gávea, conseguindo 35 gols em 60 jogos, mas sem ganhar títulos.
Chegou a voltar ao San Lorenzo em 1939. Saiu-se bem, como vice-artilheiro do elenco na temporada (atrás de Isidro Lángara, contra quem curiosamente havia jogado na única partida da seleção brasileira na Copa de 1934, perdida por 3-1 com dois gols de Lángara), com 16 gols. Mas decaiu de nível em 1940 e saiu pelos fundos. Agustín Cosso foi colega seu nos dois clubes. No Sanloré, era o centroavante titular até a chegada do superatilheiro Lángara, que fugia da Guerra Civil Espanhola. Um luxo, pois Cosso também foi um goleador formidável, chegando inclusive à seleção argentina. Artilheiro do campeonato argentino de 1935 pelo Vélez, La Pantera del Fortín foi contratado pelo Flamengo em 1936.
Cosso falou desde o início em ficar até 1937 e cumpriu, não se ambientando no Rio de Janeiro longe dos gramados. Pois, dentro deles, foi muito bem. Fez quatro gols logo no primeiro treino e ao fim deixou excelentes 20 gols (dois no Vasco e três no Botafogo) em 29 jogos pelo Mengão, ainda que o título não tenha vindo. Em 1938, voltou a seu país para defender o San Lorenzo. Não deixou por menos no bairro de Boedo, com incríveis 34 gols em 38 jogos, três deles em um 4-2 no rival Huracán. Também faltaram taças para eternizar-lhe mais no Ciclón. Após um ano na reserva de Lángara (quando entrou, chegou a fazer os quatro de um 4-1 no Estudiantes), foi ao Banfield. O nome seguinte foi o de Arturo Naón, outro ex-jogador da seleção argentina. Ainda é o maior artilheiro do Gimnasia LP, onde foi quase campeão em 1933, título que ficou com o San Lorenzo, que em 1935 comprou El Torito.
Naón veio junto com Waldemar e como ele se lesionou pouco depois da estreia, no terceiro jogo. Mas ficou, recuperou-se e foi campeão em 1936, em torneio especial por deixar o Huracán de vice – o rival até foi batido naquele ano com dois gols de Naón. Já estava de volta ao Gimnasia quando foi adquirido em 1939 pelo Flamengo, que chegou a alinhar em alguns jogos um quinteto ofensivo onde só o ponta Sá não era argentino (Agustín Valido, Naón, Alfredo González e Raimundo Orsi completaram o setor em um 2-1 no Bangu). O Flamengo, que tinha de argentino também Carlos Volante, foi campeão pela primeira vez em doze anos, seu maior jejum, mas Naón fez só dois gols e seguiu ao Argentino de Quilmes. Ex-colega seu no San Lorenzo, Ricardo Alarcón foi o próximo.
Alarcón defendeu os cuervos de 1933 (também campeão) a 1939, com 77 gols (quatro sobre o Huracán) em 128 jogos, chegando à seleção também. Em 1940, se eternizou ao, já pelo Boca, marcar o primeiro gol de La Bombonera. Veio já decadente ao Flamengo, em 1943. Era descrito pelo Globo Sportivo entre “esforçado” e “desambientado”, chegando a ter atuações “embaraçosas”. Foi no Torneio Municipal que teve seus lampejos, com um gol em um 2-0 no clássico com o Vasco e quatro em um 5-1 no Bangu. Sucessor, só nos anos 60, quando brasileiros encheram a liga argentina. O San Lorenzo não foi indiferente ao fenômeno deflagrado com a Copa de 1958 e João Mallmann, apelidado de Parobé, chegou sob aprovação do próprio técnico Juan Carlos Lorenzo.
Ex-colega de Pelé no sul-americano militar de 1959, Parobé havia se formado no Grêmio. O ponta-esquerda, porém, não foi levado em conta em Boedo. Fez só oito jogos e voltou ao Rio Grande para defender o Internacional. No Flamengo, esteve em 1965 para uma passagem ainda mais obscura: só duas partidas oficiais, contra Santos e Fluminense pelo Torneio Rio-São Paulo. Em 1968, o San Lorenzo tornou-se o primeiro campeão invicto no profissionalismo argentino (confira). O técnico era brasileiro: Elba de Pádua Lima, o Tim, ex-jogador da seleção na Copa de 1938. Ele em seguida foi contratado pelo Flamengo, saindo ao fim de 1969 criticado por supostamente não impor disciplina. Ao ser indagado sobre sugestões de reforços em sua chegada, Tim assegurara que seu melhor jogador no elenco campeão era justamente o que não podia jogar: Narciso Doval, titular desde 1964.
Doval estava suspenso por dez meses desde 1967, acusado de assédio contra uma aeromoça (supostamente, aceitou levar culpa que seria de colegas casados). El Loco teve altos e baixos no início, a ponto de ser emprestado em 1971 ao Huracán, arquirrival sanlorencista, onde mesmo irregular foi decisivo nos rumos do campeonato. O gringo firmou-se ao retornar em 1972. O ex-ponta, que somara 40 gols (dois no Huracán) em 112 jogos em Boedo, virou um habilidoso centroavante, sendo artilheiro e campeão estadual. Foi o grande ídolo pré-Zico no início dos anos 70, formando dupla com o próprio Zico depois. Venceu o Estadual também em 1974. Ainda é o maior artilheiro estrangeiro do Flamengo, conseguindo ser ídolo também no Fluminense, para onde foi em 1976. Doval já teve especial dedicado a si: clique aqui. Também escrevemos seu verbete no Wikipédia.
Doval ainda voltaria veterano ao San Lorenzo em 1979, ano turbulento na instituição, que em função das dívidas perderia até o seu mítico estádio Gasómetro. Falecido dez anos antes daquela Copa Mercosul de 2001, foi lembrado pelo Clarín em nota que imaginava ídolos que do céu assistiam a final. Quando El Loco chegara ao Rio de Janeiro em 1969, foi hospedado pelo goleiro flamenguista Rogelio Domínguez, que na Gávea encerrou ao fim daquele ano uma carreira consagrada de quem havia jogado no Real Madrid de Di Stéfano. Domínguez veio após o vice da Libertadores de 1967 pelo Nacional. Pendurou as luvas sem títulos no Rio, crucificado por uma expulsão no Fla-Flu decisivo de 1969, mas houve quem votasse nele como melhor goleiro do clube em eleição promovida pela Placar em 2006. No San Lorenzo, teve duas passagens: ambas como técnico, em 1971 e 1977.
Como treinador, Domínguez foi reconhecido em Boedo e em outros clubes como um professor que, mesmo nada revolucionário taticamente, promovia futebol bem ofensivo, mas sem títulos. Se em 1977 foi um desastre, em 1971 foi vice-campeão. Jorge Paolino, por sua vez, foi um zagueiro de mais técnica do que força, aparecendo na seleção em 1974 já após a Copa do Mundo. Na época, estava no Huracán semifinalista da Libertadores. No Flamengo, ele esteve de 1976 a 1977, jogando só nove vezes, desentendido com técnico e seleção. Fez carreira no futebol mexicano, onde conheceu o sérvio Bora Milutinović, treinador do México na Copa de 1986 e contratado pelo San Lorenzo no ano seguinte.
O iugoslavo teve um começo promissor, mas rescindiu contrato seduzido por oferta do futebol italiano. Paolino, que era seu assistente, ficou como técnico interino até a chegada de Héctor Veira. Depois foi a vez de Maxi Biancucchi, que esteve nas categorias de base do San Lorenzo, mas profissionalizou-se já no futebol paraguaio, de onde foi importado em 2007 pelo Flamengo. O primo de Messi esteve na grande campanha que levou os rubro-negros da zona de rebaixamento a um 3º lugar. Virou xodó especialmente após marcar o gol da vitória sobre o Fluminense, mas não se firmou. Até esteve no plantel campeão brasileiro em 2009, mas no futebol baiano é que conseguiu luz própria. O técnico era Andrade, que apesar do título foi demitido em 2010. O ex-volante foi sucedido por Rogério Lourenço, sucedido por sua vez por Silas, de trabalhos interessantes no Avaí e no Grêmio.
No Flamengo, porém, durou só um mês, no qual venceu uma única partida em dez. Mas segue prestigiadíssimo na Argentina, onde conseguiu idolatria em níveis nunca alcançados no Brasil. Já no fim da carreira de jogador, o meia apareceu em 1994 no San Lorenzo, que vivia jejum havia vinte anos. Logo na estreia, pelo Clausura 1994, marcou no clássico com o Boca (que chegou a sofrer até gol olímpico dele em outro encontro). Atleta de Cristo, contaria depois que antes do jogo decidira que se marcasse naquele dia interpretaria como um sinal divino para continuar na Argentina.
Um gol ainda mais lembrado foi um sobre o River dentro do Monumental após passar por praticamente meio time (cinco adversários) antes de arrematar ainda fora da área. O jejum sanlorencista durou só mais um semestre, caindo de forma emocionante no Clausura 1995. Silas ainda marcou três vezes sobre o Huracán, uma delas na maior goleada do clássico, o 5-0 naquele mesmo 1995 (outro foi um 5-1, em 1997). Darío Bottinelli, por sua vez, precisou sair da Argentina para desenvolver a carreira. O meia-armador conseguiu gols em dois clássicos com o Boca, mas nunca se firmou no San Lorenzo, na sombra do zagueiro Jonathan Bottinelli, seu irmão. Darío até esteve no jogo do título argentino de 2007, mas saindo do banco. Teve talento melhor aproveitado no México (Atlas) e no Chile (campeão na Universidad Católica), de onde veio para o Flamengo em 2011. Não conseguiu boa regularidade.
Como Maxi, Bottinelli teve seu momento de glória em um Fla-Flu, virando para 3-2 ainda em 2011 ao marcar dois gols depois dos 40 minutos do segundo tempo. Atualmente, o plantel rubro-negro conta com Alejandro Donatti, zagueiro que teve brevíssima passagem em 2006 pelo San Lorenzo, sem chegar a jogar. Vale ainda mencionar o ala Walter Herrmann, da geração dourada que o basquete argentino teve na virada do século. Medalha de ouro nas Olimpíadas de 2004, segue fazendo suas cestas na Argentina pelo Obras Sanitarias. Antes de defender a potência do bairro de Núñez, passou exatamente por Flamengo e San Lorenzo. No Fla, foi campeão mundial em 2014. No Sanloré, ano passado, esteve no primeiro título azulgrana na Liga Nacional do básquet, sendo MVP das finais. No mundial de 2014 foi colega do pivô ianque Jerome Meyinsse, que ano passado foi ao Ciclón.
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