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65 anos de Ricardo La Volpe, bigode “quase mexicano” e goleiro da Copa de 1978

“Nos anos 70 se usava muito o bigode, a barba e o cabelo comprido. Hoje não é moda”, explicou há dez anos Ricardo Antonio La Volpe nessa entrevista à El Gráfico – na qual a primeira resposta esclarece que seu sobrenome (“A Raposa”, em italiano) se escreve separado. De fato, outros colegas da Copa de 1978 ostentaram bigodes (Omar Larrosa, Leopoldo Luque e, na primeira fase, Mario Kempes), mas só o terceiro goleiro foi apelidado de El Bigotón. Também foi chamado de El Chino e de El Loco. Hoje mais associado ao futebol mexicano, o campeão do mundo faz hoje 65 anos.

O apelido de Loco foi usado também no mitológico Amadeo Carrizo, longevo goleiro que o River teve entre os anos 40 e os 60, lembrado por popularizar o estilo de posicionar-se além da pequena área em tempos em que goleiros raramente saíam de perto das traves. La Volpe de fato teve em Carrizo um modelo, assistindo-o nas arquibancadas graças a um tio fanático pelo River, tendo estilo parecido. Até porque não lhe agradava ser goleiro. Queria ser atacante.

Seu pai por sua vez era maluco pelo Banfield. La Volpe terminou adotando o Taladro como clube do coração, especialmente por ter se profissionalizado nos alviverdes. Acabou ficando no gol mesmo ao destacar-se improvisado na função em uma partida juvenil. Foram seis anos no time adulto da equipe do Sul da Grande Buenos Aires. Viveu de tudo. Desde o rebaixamento em 1972, passando pelo imediato título da segundona de 1973 à maior goleada do futebol profissional argentino, os 13-1 no Puerto Comercial da Bahía Blanca (partida que rendeu outro recorde profissional, o de mais gols de um mesmo jogador: Juan Taverna fez sete) em 1974.

Nesse ano, o Banfield ficou em 3º no seu grupo no Nacional. Ainda que desclassificado (só os dois primeiros avançaram), foi uma campanha bem recordada para um time mal acostumado aos holofotes. Grande figura de um elenco que decaiu para 17º de 20 times no Torneio Metropolitano de 1975, La Volpe estreou pela seleção em 18 de julho daquele ano, em um 3-2 sobre o Uruguai em Montevidéu. No mês seguinte, fez mais três partidas pela Argentina – todas, curiosamente, no México, em torneio amistoso que envolveu esse país (1-1), os EUA (6-0) e a Costa Rica (2-0).

Ainda sem o bigode, irrompendo no Banfield

Era uma revanche para quem fora desligado da seleção juvenil para um torneio em Cannes ao insistir em defender bolas com uma só mão (tal como Carrizo fazia) mesmo após desaprovação do técnico Juan José Pizzuti. No Banfield, destacara-se especialmente ao segurar um 0-0 contra o Boca na Bombonera, resultado que permitiu que o River fosse campeão após dezoito anos, maior jejum dos Millonarios. O goleiro foi em seguida catapultado ao San Lorenzo.

Além de transferir-se para um dos cinco grandes clubes do país, o goleiro chegava também ao campeão argentino no ano anterior e que havia somado quatro títulos entre 1968 e 1974. Boa amostra da fase do Bigotón, escalado pelo Futebol Portenho para o time banfileño dos sonhos (clique aqui). Entretanto, ainda que seja um dos dois únicos campeões mundiais como jogadores do Ciclón (o outro foi o defensor Jorge Olguín), La Volpe não chegou a virar ídolo azulgrana. Além da passagem breve e da falta de títulos, seu estilo nunca transmitiu plenamente segurança a uma torcida bem mais exigente que a do Banfield, além de mal acostumada após tantas taças recentes.

La Volpe, marcado por sofrer gols dos rivais Huracán e Boca ao perder a bola depois de sair jogando, estreou logo levando de 4-0 do Ferro Carril Oeste. Chegou a recuperar-se, sendo o goleiro titular na maioria dos jogos do clube no Torneio Nacional de 1975, onde o Sanloré foi 3º no octagonal final. Até voltou à seleção entre fevereiro e maio de 1976, nas partidas contra Brasil e Paraguai pela Taça do Atlântico, válidas também pelas Copas Bogado (contra os guaranis) e Roca (contra os tupiniquins) – além de dois jogos não-oficiais, em derrota de 2-1 para o clube Hertha em Berlim Ocidental em 30 de março e um 1-1 com outro clube, o Talleres, em 5 de maio em Córdoba. Mas perdeu a posição para o veterano Agustín Irusta, goleiro do ciclo 1968-74, e até para César Mendoza.

Só recuperou a titularidade no San Lorenzo em 1977. Na seleção, praticamente nunca mais: mesmo sempre convocado desde 1976, terminava no banco ora para Hugo Gatti, ora para Héctor Baley – Ubaldo Fillol, que terminaria titular, não jogou uma vez sequer entre 1974 e 1978 após recusa de uma convocação para defender o seu River na Libertadores (terminou beneficiado pela lesão de Gatti). O último jogo oficial de La Volpe pela Argentina foi mesmo a derrota de 2-0 para o Brasil no Maracanã em 1976; desde aquele ano, só entrou em campo uma outra vez, mas sem registros nas estatísticas oficiais: foi um 2-1 já em 7 de maio de 1978, contra a seleção provincial de Corrientes. Ainda assim, declarou que viveu “plenamente” o título mundial. “Vinha com o grupo desde 1975. Me senti campeão”.

No San Lorenzo em 1976, junto com outros campeões da Copa 1978: Olguín (penúltimo em pé) e Ortiz (penúltimo agachado)

Seu clube foi 2º no seu grupo no Torneio Nacional de 1977 e ele terminou confirmado na convocação ao mundial, levando a melhor contra o consagrado veterano Agustín Cejas pela última reserva. Curiosamente, mal festejou a taça: “nesse 25 de junho, nasceu Sabrina, minha segunda filha, então terminou o jogo e me tiraram na viatura para ir à clínica”. Após o mundial, La Volpe jogou até dezembro de 1978 pelo San Lorenzo. Sem ele (concentrado com a seleção de fevereiro a junho) na maioria das rodadas do Torneio Metropolitano, o clube havia sido 4º. Com ele, foi lanterna do grupo no Torneio Nacional. Mas o status de campeão da Copa rendeu uma transferência ao México.

Jogou três anos no Atlante e dois no Oaxtepec, onde começou nova carreira ainda como um improvisado jogador-treinador na luta contra o rebaixamento. Deu certo. De 1983 a 2006, sempre conseguiu emendar empregos pelos mais diversos clubes mexicanos, incluindo os principais rivais do país – Chivas (treinou também o Atlas, rival local deste clube em Guadalajara) e América. Títulos, mesmo, foram poucos: um em 1993 pelo seu Atlante, após mais de quarenta anos de jejum, e outro em 2002 pelo Toluca. No embalo dessa conquista, foi alçado à seleção depois da Copa do Mundo da Ásia, chegando a treinar o clube pelo telefone.

Ironicamente, a estreia de La Volpe à frente do México foi justamente contra a Argentina natal: derrota de 1-0 em amistoso em Los Angeles em fevereiro de 2003. Conseguiu uma boa marca contra o Brasil. Mesmo eliminado nas quartas da Copa América de 2004 com um 4-0, foram três vitórias – dois 1-0 (um deles, na final) pela vitoriosa Copa Ouro em 2003 e outro pela Copa das Confederações de 2005, vencida exatamente pela canarinho. Também sabia jogar duro contra a Argentina: na mesma Copa América de 2004, La Tri venceu a Albiceleste por 1-0 e segurou um 1-1 nas Confederações de 2005.

Para o azar de La Volpe, México e Argentina se cruzaram também no primeiro mata-mata da Copa do Mundo de 2006. Os mexicanos impuseram um jogo duro, com os sul-americanos contando com alguma sorte na vitória de virada conquistada só na prorrogação. “Eu sou argentino, porque se não teria me naturalizado, mas o México deu demais a mim, não só no profissional, mas também genros e netos. Tenho sentimentos divididos” – os genros, aliás, foram comandados seus na seleção; Duilio Davino (filho de argentino) e Rafael García. A declaração foi dada à El Gráfico naquela entrevista, assim como a seguinte:

Treinando o México contra a Argentina na Copa 2006. Fez longa carreira no futebol asteca: à direita, nos anos 90 no América, onde foi semifinalista do último Mundial de Clubes

“Fui uma partida dificílima para mim. Fizesse o que fizesse, iam xingar de algum lado, então entrei depois dos hinos e pronto. Foi muito difícil. Os mexicanos te observam com lupa e os argentinos, se os eliminas, te querem matar. Se houvesse ganho, teria respeitado o momento sem pular nem festejar. Chorei. Chorei porque havia prometido a quinta partida e não pude cumprir. E nos vence uma equipe sem ser superiora ao México. Se no Mundial a jogada do minuto 86 tivesse Borgetti em vez de Kikín (Francisco Fonseca), vocês já eram”.

La Volpe, que havia tido peito em não levar o astro Cuauthémoc Blanco à Copa, também entrou em atrito com a divindade Hugo Sánchez (que criticava até os estrangeiros da seleção, casos do brasileiro Sinha e do argentino Guillermo Franco). A entrevista à El Gráfico foi dada com o ex-goleiro já de volta ao futebol argentino. Ele, que havia sido eleito pelo jornal britânico The Guardian como o melhor técnico da Copa, veio inicialmente ao Boca substituir o vitorioso ciclo de Alfio Basile, que assumiria a seleção.

Os auriazuis, que nunca conseguiram ser tricampeões argentinos seguidos, estiveram muito perto disso sob El Bigotón. Mas perderam o Apertura 2006 de forma inacreditável para o Estudiantes, sendo derrotados nas duas últimas partidas (incluindo uma virada no fim para o Lanús dentro da Bombonera na rodada final), igualados pelos alvirrubros e derrotados de virada no jogo-extra contra a equipe de La Plata. La Volpe, que em dado momento declarara que se não fosse campeão teria que sair, cumpriu a palavra e assumiu o Vélez. Também não teve sorte: o Boca seria campeão da Libertadores eliminando no caminho justamente o novo clube do ex-técnico.

O ex-goleiro voltou ao lugar que virou lar, contratado pelo Monterrey em 2008. Com exceção a uma pausa entre 2010 e 2011 pela seleção da Costa Rica e no seu Banfield, trabalha no futebol asteca desde então. Atualmente, é técnico do América, onde foi semifinalista do último Mundial de Clubes, eliminado com um honroso 2-0 para o campeão Real Madrid.

Clique aqui para conhecer outros argentinos que passaram pela seleção mexicana.

Os trabalhos argentinos de La Volpe: Boca, Vélez e Banfield. Não teve êxito

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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