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Há 15 anos, acabava o jejum do Racing

Loeschbor, Maciel, Úbeda, Campagnuolo, Barros Schelotto e Chatruc; Bedoya, Vitali, Estévez, Maceratesi e Bastía, antes do jogo do título

Esta é uma republicação desta nota de 2011

Há exatamente quinze anos, uma das secas mais dramáticas de um time grande de uma potência no futebol chegava ao fim. Um jejum que faz os vivenciados por Corinthians e Botafogo parecerem um pequeno desconforto. O time em questão é o Racing Club. E o tabu, de 35 anos sem títulos nacionais.

Para oferecer uma noção mais exata ao leigo acerca do drama, é necessário relembrar a trajetória grandiosa da instituição. O Racing orgulha-se de ter sido o primeiro grande time do estilo criollo – expressão que na América Espanhola designa o descendente do conquistador espanhol, não um termo pejorativo a negros, vale frisar. Desde a criação, em 1891, até 1912, o campeonato argentino era meio “britânico”: passes largos, poucas surpresas, chuveirinhos na área adversária em busca de um cabeceio ao gol, certa lentidão. Mesmo a grande rivalidade daquela época, entre Alumni e Belgrano Athletic, era cavalheira, asséptica.

O futebol argentino passaria a ter um selo “nativo” através do clube, trajado desde 1910 com as cores da bandeira argentina, lembrando a seleção nacional (embora a inspiração tenha sido, na realidade, o Argentino de Quilmes). Dez anos depois de sua fundação, o time de Avellaneda tornou-se em 1913 a primeira equipe fundada fora da comunidade britânica a sagrar-se campeã da primeira divisão. Receberia a alcunha de La Academia após emendar outros seis títulos àquele. O heptacampeonato nacional consecutivo ainda é uma marca exclusiva do Racing. Desde então, o máximo que houve em taças seguidas foram tricampeonatos.

Um tri, por sinal, tornou-se outra marca pioneira na instituição. O time venceu outras duas vezes o campeonato antes do fim amadorismo, sendo o segundo que mais venceu em tal período (o profissionalismo viria em 1931). Mas chegou a ficar duas décadas sem novas conquistas no torneio. Entre 1949 e 1951, então, os blanquicelestes enfim terminaram esse tabu. Para completar, tornavam-se o primeiro clube tricampeão no profissionalismo, em marca que igualava ainda os três títulos profissionais já obtidos pelo arquirrival Independiente; o terceiro, exatamente em 1948.

Diego Milito, o mais célebre dos campeões, ainda não havia se firmado

Aquele tri também fazia do Racing o maior campeão nacional na soma de títulos com o amadorismo: ao fim de 1961, essa dianteira era dividida com o Boca Juniors, ambos com doze taças entre amadoras e profissionais. Em 1951, El Cilindro, o recém-inaugurado estádio do time, batizado oficialmente com o nome do popular presidente Perón, recebeu ainda a primeira edição dos Jogos Pan-Americanos.

O Racing permaneceu como o maior vencedor do futebol argentino até 1964 (até 1962, esteve isolado na dianteira), quando o Boca somou seu 15º título – até ali, os dois clubes haviam sido campeões mais duas vezes. Em 1967, levou o futebol argentino pela primeira vez ao teto do futebol mundial. Tornou-se o segundo time do país a vencer a Libertadores. O primeiro fora justamente o Independiente, que já o fizera duas vezes. Os Diablos, todavia, haviam perdido as duas Intercontinentais que disputaram, ambas contra a Internazionale. Foi do Racing a primeira conquista argentina mundial. O adversário era justamente o time que batera La Grande Inter na final do Velho Continente, o Celtic.

Se hoje o time de Glasgow inspira respeito apenas na Grã-Bretanha, na época, além de terem se tornado os primeiros britânicos vencedores da Copa dos Campeões da UEFA, os Lisbon Lions haviam faturado o campeonato escocês, a Copa da Escócia e a Copa da Liga Escocesa. Já El Equipo de José (alusão ao técnico, Juan José Pizzuti) naqueles anos impôs ainda um recorde de invencibilidade na Argentina – 39 partidas – que só cairia mais de três décadas depois, pelo Boca Juniors de Carlos Bianchi, que conseguiu uma a mais. Mas o que se seguiu ao auge foi praticamente uma queda livre.

Ainda em 1967, ano em que os torneios Metropolitano (ironicamente, o mais valorizado) e Nacional passaram a dividir o calendário, o Racing passou perto no primeiro. Após eliminar o arquirrival Independiente nas semifinais, perdeu por 3-0 para o Estudiantes de La Plata na decisão, ocasião em que o monopólio dos cinco grandes foi quebrado pela primeira vez no profissionalismo. No Nacional, o campeão foi justamente o Independiente, que garantiu o título exatamente em um clássico de Avellaneda (ganho por 4-0), situação que a dez minutos do fim se repetiria na edição de 1970. Ainda eram tempos cordiais: o dérbi de 1967, no estádio rival, foi precedido por homenagens com pompa aos campeões mundiais, algo hoje impensável.

Reforços para o segundo semestre de 2001 e o técnico “Mostaza” Merlo

O Racing ainda caiu ante pequenos nos Metropolitanos de 1968 (final) e 1969 (semifinal), contra respectivamente Vélez Sarsfield e Chacarita Juniors, ambos virgens de títulos na elite até então. Aliás, teria sido o campeão em 1968 se vencesse o River na última rodada. Empatou e isso forçou triangular final com o Vélez e o próprio River. O canto do cisne do elenco de 1967 foi o vice no Metropolitano de 1972, seis pontos atrás do San Lorenzo. Assim, a Intercontinental foi permanecendo como a forte resposta dos racinguistas às provocações da metade vermelha de Avellaneda (que reultrapassou os títulos nacionais profissionais do Racing em 1971) até o ano seguinte, 1973 – quando o Independiente também alcançou, na quarta tentativa, essa conquista.

Para piorar, os rivais dominaram a Libertadores naquela década, com um tetra seguido (período em que o Rojo ultrapassou os alvicelestes também em vitórias no clássico, com direito a dois 5-1 e dois 4-1) alcançado no mesmo dia em que o Racing perdeu de 4-3 um jogo em que vencia o Boca por 3-0. Os feitos continentais do vizinho teriam ainda nova cereja em 1984. Se o Racing enaltecia o hepta nacional seguido, o Independiente respondia com um hepta na Libertadores, ainda que não-consecutivo. O rival levou ainda o segundo título mundial ao final daquele 1984, ano em que a outrora Academia, que desde o mágico 1967 não ganhava nada, padecia na segundona pela primeira vez desde seu primeiro acesso, em 1910.

O rebaixamento, em 1983, sob o comando técnico do mesmo Juan José Pizzuti que treinara os vencedores de 1967, fora ainda por cima misturado com novo título nacional do Independiente obtido em um clássico, como o Futebol Portenho mostrou aqui. Caiu exatamente no campeonato que implementou os famigerados promedios, sistema de rebaixamento ainda vigente, favorável aos grandes clubes por considerar a média de pontos nas temporadas anteriores. Como se não bastasse, os blanquicelestes perderam o último play-off de acesso de 1984, para o Gimnasia LP. Tiveram de esperar mais um ano na segundona para, enfim, obterem a promoção à elite. Naqueles anos, as dívidas fizeram o Cilindro ser fechado e usado como depósito da feira municipal…

O Racing até quebrou, em 1988, a sua seca de títulos de expressão, faturando naquele ano a primeira edição da Supercopa Libertadores, torneio extinto dez anos depois (e que o Independiente conseguiu conquistar duas vezes). O jejum nacional, pendente desde 1966, ainda fazia-se sentir, porém. Era algo que poderia ter caído no ano seguinte à Supercopa: o time, terceiro colocado na temporada anterior, liderava o campeonato argentino de 1988/89 com três pontos de vantagem sobre o Boca até a 19ª rodada, exatamente a metade do certame, quando ambos se enfrentaram em Avellaneda.

Duas capas da semanal El Gráfico em outubro, com Estévez e Loeschbor; e com Chatruc celebrando a virada de 3-2 fora de casa sobre o Estudiantes após estar perdendo de 2-0

A partida, então empatada sem gols, foi encerrada ao fim do primeiro tempo depois que o goleiro boquense Navarro Montoya foi atingido por um rojão disparado por torcedores racinguistas. No tapetão, o resultado se transformou em vitória xeneize. Nas dezenove partidas seguintes, o Racing venceu apenas três vezes e terminou em nono. Como tudo pode ficar pior, o campeão ali foi o Independiente. Foi uma das desventuras que o time enfrentaria nos dez anos seguintes, seja com o fracasso na contratação de Maradona como técnico (ele estava suspenso de jogar pelo doping na Copa 1994 e havia a expectativa de que se convertesse em jogador racinguista ao fim da punição), seja com títulos perdidos nos detalhes.

Destes “detalhes”, vantagens de dois gols revertidas em três minutos, como quando o time liderava na reta final o Apertura 1993 até um jogo assim, contra o Ferro Carril Oeste (o autor do segundo gol no 2-0 parcial foi expulso ao tirar a camisa na comemoração, reenergizando o Ferro); não venceu os dois jogos seguintes e perdeu o título por um mísero ponto; e outro com gol de goleiro pela primeira vez na primeira divisão. Em 1995, para ser campeão do Apertura precisava que o rival, campeão continental na Supercopa dias antes, vencesse (o Vélez) na última rodada, o que obviamente não aconteceu.

Em 1997, esteve próximo de voltar à final da Libertadores depois de 30 anos. Havia despachado o então campeão River em pleno Monumental e depois o Peñarol para nas semifinais vencer o menos tarimbado Sporting Cristal na Argentina, para depois conseguir perder por 4-1 no Peru. No ano seguinte, um exorcismo chegou a ser realizado no Cilindro a fim de afugentar possíveis maus espíritos. Mesmo assim, outro ano mais tarde, com a instituição falida, decretou-se simplesmente que o clube havia deixado de existir. A comoção e mobilização generalizada impediram que isso se efetivasse na prática, embora a piadinha Ra Sin Club (“Ha! Sem Clube!”) perdure até hoje.

Aquele torneio Apertura de 2001 ainda tinha o detalhe de que o Racing entrou nele com sério risco de novo rebaixamento, que por muito pouco não se consumara ao fim da temporada anterior: no Apertura 2000, o time venceu apenas uma vez, sua pior campanha em torneios de turno único. Recuperou-se no Clausura 2001, onde chegou a brigar pela ponta, mas pretensões ao título encerraram-se com derrotas que incluíam um 4-0 com dois gols contra para o Almagro e um empate em 1-1 com o Lanús em que dois pênaltis a favor foram perdidos em três minutos. Só escapou da repescagem contra o descenso graças a uma improvável vitória em um clássico de Avellaneda na última rodada.

Bedoya após gol salvador contra o concorrente River. Semanas depois, a crise argentina parou o campeonato

O Apertura 2001, no segundo semestre, iniciou-se com o Racing ocupando exatamente o último lugar na tabela de promedios. Não era de se imaginar que um elenco sem estrelas comandado por Reinaldo Merlo (alguém mais ligado ao River Plate: ainda é quem mais jogou pelo clube de Núñez, 562 vezes) fosse além de nova luta para não cair. De fato, o único jogador que despontou daquele plantel foi o atacante Diego Milito. Embora ele tenha sido um dos três campeões presentes em todas as partidas, só deslancharia no ano seguinte, não sendo exatamente titular na campanha.

Além do próprio Mostaza Merlo, de trabalhos apenas satisfatórios no Belgrano e no Chacarita, os principais reforços consistiam no goleiro reserva do San Lorenzo recém-campeão do Clausura, Gustavo Campagnuolo (Sebastián Saja, que depois jogou no Grêmio, era o titular sanlorencista); em um lateral esquerdo campeão com a anfitriã Colômbia na desvalorizada Copa América daquele ano, Gerardo Bedoya; e em um refugo do Boca Juniors mal chegado ao Villarreal, Gustavo Barros Schelotto (meia mais lembrado apenas como o irmão gêmeo de Guillermo, este sim um ídolo dos auriazuis). Outro reforço, discreto, vinha do Rosario Central: Gabriel Loeschbor. Guarde esse nome.

Mas o time soube se acertar, com a eficiência de seu conjunto sendo justamente a maior figura do Paso a Paso, como o técnico Merlo planejava a caminhada. Os poucos destaques individuais se resumiam à segurança de Campagnuolo, que defenderia os arcos racinguistas até 2009, entre as traves; à garra desmedida do volante Adrián Bastía (que recebeu sete cartões amarelos, sendo o mais advertido dentre os campeões); e ao oportunismo dos artilheiros José Chatruc (seis gols) e Maximiliano Estévez (sete). Em dezenove jogos de um campeonato, é verdade, de nível técnico pouco vistoso, o Racing venceu doze, com apenas dois deles com mais de dois gols de diferença. Mas perdeu apenas uma vez.

Começou vencendo o Argentinos Jrs sob chuva torrencial com Pablo de Muner marcando contra para dar a vitória a doze minutos do fim à Academia – que abrira o placar com um canhotaço de Carlos Arano e sofrera empate de Federico Insúa. A seguir, clássico emocionante fora de casa: Diego Forlán pôs o Independiente à frente já aos 33 do segundo tempo, mas a cabeça de Loeschbor conseguiu ser oportunista nos acréscimos e empatar. Novo resultado positivo fora de casa, um 1-0, manteve o embalo na terceira rodada, com Chatruc acertando o ângulo direito do Rosario Central no Gigante de Arroyito. Nova vitória veio em seguida, na melhor partida de Milito, autor ainda no primeiro tempo dos dois gols nos 2-1 sobre o Newell’s, que só descontou no final.

Loeschbor marcando e comemorando o gol

A terceira vitória consecutiva veio contra o Talleres em Córdoba. Novamente, um cabeceio de Loeschbor dava um aperitivo do que viria. No fim, o reserva Leonardo Torres definiu com um toque refinado o 2-0. Um pequeno balde de água fria trouxe a torcida à difícil realidade, com um fraco 0-0 em casa contra o Belgrano. A rodada seguinte compensou. Visitando o Huracán, o ex-sanlorencista Campagnuolo pegou todas enquanto Barros Schelotto, no meio do segundo tempo, apareceu de surpresa para emendar um cruzamento. O 1-0 foi suficiente para isolar o Racing na liderança. Depois, diante do próprio San Lorenzo, começou perdendo mas virou para 4-1, goleada construída com Loeschbor empatando ainda no primeiro tempo e Estévez, Bedoya e Rafael Maceratesi completando.

O 2-0 fora de casa contra o Unión escondeu um jogo complicado. Campagnuolo foi vital no primeiro tempo. Estévez abriu a conta já no segundo e Bedoya definiu só nos acréscimos. Contra o Colón, brilhou a estrela de Merlo. Milito desviou chute de Bastía, mas o Racing não soube controlar o 1-0. Claudio Graf empatou no início do segundo tempo. Merlo pôs então Maceratesi no lugar do defensor Martín Vitali. O atacante deu a vitória. Seguida pelo jogo talvez mais brilhante: em La Plata, Julián Fernández e Loeschbor, contra, puseram Estudiantes 2-0. A torcida visitante manteve o apoio e Estévez, duas vezes, e Chatruc viraram para dar nova vitória seguida. Veio então a única derrota, em jogo adiantado para que o Boca viajasse ao Mundial. Estévez só descontou os gols do Barros Schelotto adversário, de Marcelo Delgado e Ariel Carreño.

A recuperação foi categórica: 4-1 no Gimnasia. Chatruc marcou dois, Estévez aproveitou cruzamento de Vitali, Guillermo Sanguinetti descontou e Maceratesi garantiu a vitória. Veio então o jogo mais maluco, no estádio do Vélez, contra o Nueva Chicago. Juan Herbella pôs o líder à frente e o Chicago virou para 3-1. Então o Racing “contravirou” com Chatruc, Maceratesi e Torres, mas o delírio foi apaziguado com um chutão de Walter Serrano encerrando o 4-4. Depois, um nada frenético 1-0 em casa contra o Chacarita, com o líder cozinhando a conversão de Estévez em pênalti cavado por Chatruc no fim do primeiro tempo. 

Àquela altura, o concorrente era o River, que vinha de dois vices seguidos e queria festejar devidamente o seu centenário. O Racing só empatou em casa, mas sorriu mais: manteve vantagem de cinco pontos com um gol chorado de Bedoya aos 41 do segundo tempo. O roteiro até então parecia típico à torcida, com Esteban Cambiasso marcando no contra-ataque de um arremate de Estévez no travessão. Vantagem que se reduziu a três pontos na rodada seguinte: o River venceu enquanto o Racing só ficou no 0-0 com o Banfield, com Estévez tendo dois gols irregularmente anulados. Perigo…

Comemorações no Fortín e no Cilindro após a partida

Era a penúltima rodada e o título poderia vir ali. Maceratesi com o peito e Chatruc, no rebote de tentativa de Milito, fizeram sua parte para garantir um 2-0 no Lanús, mas o River também venceu. Por outro lado, bastava ao Racing empate no último jogo. E foi o que veio. Mas dos mais sofridos pelas circunstâncias de antes e durante a partida: para aumentar a agonia, a própria rodada decisiva teve de ser adiada. A Argentina vivia a maior crise político-econômica de sua história, com intensas manifestações nas ruas contra o chamado corralito do ministro Domingo Cavallo chegando a resultar em dezenas de mortes, milhares de feridos e na decretação de estado de sítio.

A final da Copa Mercosul daquele ano, entre Flamengo e San Lorenzo, foi inclusive transferida, de 19 de dezembro para 24 de janeiro do ano seguinte, em razão dos tumultos populares que no dia seguinte à data original resultariam na conturbada renúncia do presidente Fernando de la Rúa. Entre 20 de dezembro e 2 de janeiro, a Argentina teve nada menos que quatro presidentes (De la Rúa, Rodríguez Saá, Camaño e Duhalde). Nesse clima, clubes e a AFA decidiram deixar a última rodada do Apertura, que deveria ocorrer dia 21, para o início de fevereiro. Mas concordou-se em abrir exceções para os jogos daqueles que ainda postulavam ao título: as partidas de Racing (contra o Vélez) e River (contra o Rosario Central) terminaram remarcadas para o dia 27, ainda naquele ano de 2001.

Para não comemorar no seco os seus cem anos, o River precisava vencer (em casa) e torcer para o Racing perder (fora), o que forçaria um jogo-extra entre ambos. E os millonarios fizeram em cheio a sua parte, com um 6-1 no Central, maior goleada do torneio. O primeiro gol, antes mesmo de começar a partida no Fortín de Liniers, a casa velezana. Restava aos riverplatenses secar o Racing.

No estádio do Vélez, o líder começou nervoso, mas abriu o marcador aos 8 minutos do segundo tempo. Na metade do campo adversário, Estévez sofreu falta após dar passe para Chatruc. Na cobrança, Bedoya cruzou para a área, com Loeschbor, sugestivo camisa 13, emendando de cabeça. A bola quicou no chão e entrou para as redes por entre as pernas de Gastón Sessa – goleiro racinguista até o fim da temporada anterior. O fim do jejum de 35 anos sem títulos nacionais, porém, perigou aos 32.

O reserva velezano Mariano Chirumbolo, que, além de estrear profissionalmente ali, sobrenaturalmente carregava a camisa número 35 nas costas, aproveitou bola mal recuada de Vitali. Livre a dois passos da pequena área, empatou a peleja. A narração, talvez prevendo infartos, preocupou-se imediatamente em esclarecer que “com esse resultado, o Racing segue sendo o campeão”. Mas uma virada fortinera em casa frente ao histórico mal-assombrado do Racing não era nada improvável, mesmo com a expulsão de Jonás Gutiérrez pouco depois do empate. O goleiro Sessa até tentou cabeceio contra o ex-time em escanteio nos acréscimos.

Para o êxtase da sofrida hinchada académica, a invadir tanto o Fortín quanto o Cilindro (jamais havia se visto dois estádios serem tomados de uma vez pela mesma torcida) e o Obelisco, a igualdade no placar terminou inalterada. Ainda havia o adicional de aquela conquista deixar o Racing à frente do Independiente no total de títulos do campeonato argentino, 16 contra 15. Quinze anos depois, é de se lamentar que nova glória em forma só viesse em 2014, após novo jejum expressivo, com Milito sendo o único remanescente de 2001 – e único bicampeão argentino pelo clube nos últimos cinquenta anos. Mas, por outro, lado, os torcedores poderão neste 27 de dezembro de 2016 ver melhor desfrutada na mídia aquela conquista. Pois, mesmo naquela redenção, as características agruras do time se fizeram presentes…

Exatamente uma semana depois da histórica fuga de helicóptero do renunciado ex-presidente De la Rúa da Casa Rosada, o auge da crise argentina continuava a tomar conta dos noticiários. Assim, eles na época relegaram no geral a segundo plano matérias do feito protagonizado na tarde daquela última quinta-feira de 2001 pela formação Gustavo Campagnuolo; Francisco Maciel, Gabriel Loeschbor e Claudio Úbeda; Martín Vitali, Adrián Bastía, Gerardo Bedoya, Gustavo Barros Schelotto (Carlos Arano) e José Chatruc; Maximiliano Estévez (Alexander Viveros) e Rafael Maceratesi (Diego Milito).

(Acima, vídeo com os lances dos gols e os festejos dos torcedores nos dois estádios. E abaixo, reportagem israelense sobre judeus argentinos comentando a paixão pelo Racing que carregaram para Israel. Há imagens dos times de 1967, mostrando aos 1min05s o gol do brasileiro João Cardoso na final da Libertadores, e de 2001. Está em hebraico, mas  é possível distinguir em perfeito sotaque portenho no início um “En el norte/Y en en sur/Brillará blanca y celeste/La Academia, Racing Club” e no fim um “Sí sí señores, yo soy de Racing/Sí sí señores, de corazón/Porque en este año de Avellaneda, de Avellaneda/Salió el nuevo campeón”.)

Atualização em 23-01-2017: relembre aqui os 15 anos da Copa Mercosul do San Lorenzo, conquista também permeada (e atrasada) por aquela crise econômica.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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