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Mário Sérgio e sua passagem menos conhecida: colega de Bauza no Rosario Central

Mário Sérgio foi um dos mais talentosos jogadores brasileiros que a Copa do Mundo renegou. Ele teve boas passagens pelas mais diferentes camisas, imune a rivalidades: promovido pelo Flamengo, no Rio passou ainda por Fluminense e Botafogo; foi ídolo na dupla Internacional e Grêmio; pelo São Paulo bi paulista e pelo Palmeiras em jejum, serviu, já depois dos 30 anos, a seleção brasileira; e em 1999, jurados escolhidos pela Placar escolheram o “vesgo” como o maior ídolo do Vitória, que completava o seu centenário, ainda que o ponta tenha parado de jogar no Bahia. Tantos episódios marcantes põem no esquecimento que ele jogou também no Rosario Central.

Hoje uma raridade, no passado já foi muito comum que jogadores brasileiros de renome fossem ao futebol argentino, mais perto “de casa”, de boa economia, de língua próxima e sem a concorrência colossal com os campeonatos europeus. Dentre os mais conhecidos, Domingos da Guia e Heleno de Freitas estiveram no Boca; Waldemar de Brito, no San Lorenzo. Outros jogadores de seleção, menos lembrados atualmente, fizeram o mesmo: Petronilho de Brito (irmão de Waldemar e, para alguns, real autor do chute de bicicleta) e Zarzur no San Lorenzo, Martim Silveira (das Copas de 1934 e 1938) no Boca, Thadeu no Independiente, Jurandyr no Ferro Carril Oeste e no Gimnasia LP.

A importação aumentou com o sucesso brasileiro nas Copas de 1958 e 1962. Só de “mundialistas”, o Boca importou Orlando, Dino Sani, o técnico Vicente Feola (todos de 1958) e Maurinho (1954) e o River, Moacyr (1958). O próprio Rosario Central também teve o seu brasileiro de Copa: o ex-palmeirense Rodrigues “Tatu” (1954) veio em 1960 junto com o irmão Antônio, com ambos chegando a marcar em um 4-1 no clássico com o rebaixado Newell’s. Apesar do insucesso de 1966, um participante deste mundial viria ao Racing para uma rápida mas brilhante passagem: Silva “Batuta”, único brasileiro a ter sido artilheiro do campeonato argentino, conforme detalhamos aqui.

O Racing importava também de outro bom chamariz, o Santos de Pelé, trazendo Dorval em 1964, o próprio Silva em 1969 e Manuel Maria já nos anos 70, quando a busca vinha arrefecendo. Mas não terminara: outro daquele Santos, Kaneko apareceu no Vélez em 1970 como primeiro jogador de origem japonesa no futebol argentino. Marcos, ponta corintiano com passagem pela seleção em meados dos anos 60, esteve no Newell’s e no Huracán entre 1970-72, período em que Didi treinou o River. Outro de Copa do Mundo, o lateral Rodrigues Neto (1978) veio brilhar no Ferro Carril Oeste em 1979.

Já nos anos 80, o Talleres teve Júlio César “Uri Geller”, que também jogou amistosos pelo River. O River, aliás, quase fechou com Toninho Cerezo antes da Roma. Em 1979, além de Rodrigues Neto, que passaria ainda pelo Boca nos anos 80, também veio Mário Sérgio à Argentina. O Rosario Central, que dois anos antes trouxera Jair (revelado no Fluminense, vinha do futebol mexicano), bancou o barbudo ponta, sem mais espaço no Botafogo. Vale ainda o registro de que esse fenômeno também ocorria no Uruguai, desde Domingos da Guia e Leônidas da Silva na dupla Nacional e Peñarol nos anos 30 ao goleiro Manga, campeão da primeira Libertadores dos tricolores, em 1971; e a outro Jair, colega de Mário Sérgio no Inter invicto de 1979 e autor de gol no último título mundial aurinegro, em 1982.

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Quatro declarações de Mário Sérgio sobre o Rosario Central à Placar

Dez anos depois de desembarcar em Rosario, Mário Sérgio explicou em 2 de julho de 1989 ao Estadão sobre essa transferência: “o vice-presidente Rogério Correia quis acabar comigo. Eu estava machucado, na época de renovar contrato. De bronca, porque eu o havia criticado, Correia colocou meu passe à venda – e só para o exterior. Ele pensou que ninguém ia se interessar. Apareceu o Rosario Central e me levou”. Porém, ficaria só um semestre, forçando sua saída para o Internacional – no qual integraria ainda em 1979 o único campeão brasileiro invicto.

Em tempos em que nem todos os reservas ficavam à disposição do treinador, que só poderia relacionar cinco para sentarem no banco, ser um desses escolhidos sinalizava algum prestígio – ao menos para os jogadores de linha. Mário Sérgio foi relacionado pela primeira vez para compromisso em 29 de abril, na visita ao Boca (1-1), pela 9ª rodada do Torneio Metropolitano. Não entrou em campo, mas foi novamente relacionado à rodada seguinte, em 2 de maio, um 2-1 fora de casa sobre o Chacarita. Ele enfim jogaria nas duas rodadas subsequentes. Mas só. Seus jogos pelo Central se concentraram naquele mês de maio.

Nos dias 6 e 13 de maio, o brasileiro saiu do banco no segundo tempo para substituir Rubén Díaz: na vitória por 3-1 sobre o Estudiantes, entrando aos 69 minutos, e uma derrota de 1-0 para o Colón do goleiro Andrada, entrando aos 59. Eis a escalação vitoriosa: Ricardo Ferrero; Héctor Chazarreta, Edgardo Bauza, José van Tuyne e Juan Carlos Ghielmetti; José Luis Gaitán, Eduardo Giuliano (Miguel Manzi) e Eduardo Bacas; Félix Orte, Guillermo Trama e Rubén Díaz (Mário Sérgio), treinados por Ángel Tulio Zof, maior técnico da história centralista. Os gols foram de Gaitán, Manzi e Díaz. Van Tuyne iria à Copa de 1982. Bauza, à de 1990.

Ele ainda atuou em mais duas partidas, amistosas, nos dias 20 e 27, quando o campeonato estava pausado em função de jogos da seleção argentina; a dupla Rosario Central e Newell’s promoveu então um quadrangular amistoso com Lazio e, curiosamente, o Grêmio. Contra os italianos, o “Rei do Gatilho” fez sua única partida como titular pelo Central. Com o jogo ainda em 1-0, gol de Manzi em pênalti, o brasileiro foi substituído no intervalo por Díaz. No segundo tempo, Gaitán e Díaz selaram o 3-0. Assim, o brasileiro voltou ao banco para a decisão, contra o Grêmio. Com o jogo já favorável em 3-0, com dois gols de Díaz e um de Trama, substituiu Díaz aos 27 minutos do segundo tempo. Gaitán faria mais um para os donos da casa e Paulo Cézar Caju descontaria de pênalti a cinco minutos do fim.

O “Vesgo” só daria mesmo certo no lado brasileiro dos Pampas. Sobre a passagem rosarina da carreira, Mário Sérgio vez ou outra comentou à Placar, sendo possível extrair do acervo da revista declarações em que o ponta tanto amaldiçoava (como nesta) como, apesar do fracasso, valorizava a estadia em Arroyito (como nesta ou nesta). No comentário mais extenso (veja aqui), atribuiu o momento ruim a diversos fatores, de suposta má vontade dos colegas e até a si próprio, além da saudade da esposa. O fato é que a concorrência nos canallas era grande. A equipe auriazul fomentava um de seus elencos mais festejados, apelidado de La Sinfónica.

Conforme contamos aqui, aquele Rosario Central viria a ser campeão nacional no ano seguinte (ainda é o penúltimo título argentino do clube), em campanha cujo goleador foi justamente um defensor: ninguém menos que Edgardo Bauza, quarto maior zagueiro-artilheiro a nível mundial e que teve o azar de ser conterrâneo e contemporâneo do segundo, o ainda mais fenomenal Daniel Passarella. El Patón e o clube, que ontem sagrou-se novamente finalista da Copa Argentina, não deixaram de lembrar e lamentar por Mário Sérgio, vide conteúdo abaixo.

Vá em paz, craque.

Vale lembrar a ajuda que o River promoveu ao Torino em 1949, em um dos últimos jogos de Di Stéfano pela equipe de Núñez: veja aqui.

Atualização após a matéria: nos mencionando, o Patadas y Gambetas complementou em 3 de dezembro informações sobre a estadia rosarina de Mário Sérgio, com declarações do ex-colega José van Tuyne, a lembrar dele como “um jogador tão habilidoso em campo quanto calado e chateado fora dele” e rechaçar as reiteradas afirmações de violência contra o comentarista: “Não não, não havia nada específico contra ele. Era nossa forma habitual de jogar, talvez um pouco mais brusca do que ele estava acostumado, mas nada era feito de propósito, isso jamais. Até porque depois ele foi jogar, e jogou bem, em um futebol também ríspido, no futebol gaúcho. Ele dava sinais claros de que não gostaria de estar ali, e depois de um tempo ficou muito difícil de se aproximar dele, não havia contato, diálogo, nada. Ele gostava de saber como a gente atuava em sindicatos, sobre como era nossa negociação com os dirigentes para fazer valer os direitos do jogador. Nossas tentativas de conversa com ele foram em cima disso, mas era difícil o papo fluir”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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