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Há 20 anos, Palermo fez os gols do Estudiantes e Verón, o do Boca, no confronto entre ambos

Martín Palermo é o maior artilheiro do Boca. Juan Sebastián Verón é presidente do Estudiantes e considerado o maior ídolo do clube mesmo por jogadores mais vitoriosos do que ele lá, pertencentes ao ciclo 1967-70. Curiosamente, contudo, os dois amigos tiveram em uma mesma tarde, há exatos 20 anos, seus momentos de carrasco das equipes das quais são ícones. Foi exatamente naquela partida, aliás, que La Brujita Verón realizou seu último jogo de sua passagem-relâmpago pelo Boca.

A dupla cresceu junta nos inferiores do Estudiantes, onde o centroavante Palermo começou no extremo oposto: “o Palermo goleiro durou muito pouco. Teriam sido dois anos agarrando, até que me entediei. Na pré-nona divisão de base já comecei de atacante”, relembrou El Titán ao recapitular à El Gráfico em 2011 a recém-finalizada carreira. Ele estreou antes nos profissionais, em 1992. Já Verón estreou em 1994. Não poderia haver pior momento: pouco depois, o time foi rebaixado.

“Que maneira de começar, por favor! Estreei em abril de 1994 e uns meses depois fomos à série B. Tudo bem, era algo que se enxergava vir, o clube não estava bem. (…) O rebaixamento tomava mais como torcedor, para mim era um momento duro, triste, muito triste, sobretudo porque vir do meu pai que havia ganhado tudo e eu começar e ir ao descenso (…) não era um começo muito auspicioso, digamos”, afirmou La Brujita, também em 2011, também à El Gráfico.

Sentindo que manchava o sobrenome de Juan Ramón La Bruja Verón, o craque solitário do time mais aguerrido do que técnico mas supervencedor de 1967-70, o filho pensou em sair. “Me lembro que no primeiro treino depois do rebaixamento éramos uns 60 ou 70, uma coisa de loucos. Pensei ‘aqui não jogo nunca mais’. Mas eles [os treinadores Eduardo Luján Manera e Miguel Ángel Russo] disseram que ficasse e aí arranquei com continuidade no Nacional B”.

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Palermo ainda goleiro e Verón (na outra ponta) juntos nos juvenis do Estudiantes. Verón foi disputado por Boca e River na virada de 1995 para 1996

Já Palermo, embora com mais tempo de profissional, enfrentava situação diversa: “no ascenso trouxeram cinco atacantes, por isso quase fui de empréstimo ao San Martín de Tucumán. Eu até mesmo havia pago a passagem. Estive duas semanas treinando, mas não pude ficar. Foi um baque terrível. Não restava nada senão esperar”. Mesmo com contribuição nula de Palermo, que não marcou nenhum gol enquanto Verón deslanchava, a segundona 1994-95 foi vencida sem sustos, com o título se garantindo na 37ª de 42 rodadas. O Pincha ficou a onze pontos do segundo colocado.

Na volta à elite, o Estudiantes foi o estraga-prazeres do celebrado Boca. Os auriazuis haviam se reforçado com Maradona e Caniggia. Repentinamente, passaram de líderes invictos antes da antepenúltima rodada do Apertura 1995 a sem chances de título após a penúltima: na antepenúltima, os xeneizes levaram de 6-4 do Racing (três gols racinguistas foram de Rubén Capria, outra estrela do Estudiantes campeão da segundona) e foram ultrapassados pelo Vélez. Na penúltima, o Vélez venceu novamente enquanto o Boca perdia outra, agora para a equipe de La Plata.

Os alvirrubros haviam sido só os 11º colocados no Apertura 1995. Mas Verón foi disputado por Boca e River. Escolheu o Boca, que passara a ser treinado por Carlos Bilardo, ex-jogador daquele Estudiantes de 1967-70. Um Boca ainda mais estrelado começou com tudo aquele Clausura 1996. Depois de algumas turbulências, como o 6-0 sofrido em casa para o Gimnasia LP (detalhamos aqui) e o 5-1 para o Vélez (aqui), recobrou a boa fase na reta final. Foi como jogador do Boca nesse embalo que Verón estreou pela seleção argentina principal, em 20 de junho, contra a Polônia. Tornou-se o segundo caso de filho de ex-jogador da seleção a defendê-la também e o primeiro desde os anos 60.

A ascensão foi coroada com um 4-1 para cima do River apenas três semanas depois do arquirrival ter vencido a Libertadores. Foi a célebre partida dos três gols de Caniggia e do beijo dele com Maradona (relembre). O Superclásico ocorreu na última rodada antes do campeonato ser paralisado por conta das Olimpíadas de Atlanta – Verón, embora tenha participado do Pré-Olímpico, terminou não convocado aos Jogos. Àquela altura, com mais três rodadas restantes, o Boca era segundo colocado, com 32 pontos, junto com o belo Gimnasia LP dos gêmeos Barros Schelotto.

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Gol de Palermo no River, rotina que já existia quando defendia o Estudiantes. Ele e Verón são sortudos: são dos pouquíssimos que foram colegas de equipe de Maradona (e Caniggia) e Messi

Os líderes, com só um ponto a mais, eram Vélez e Lanús (que venceria a Copa Conmebol). O Estudiantes, por sua vez, também mantinha chances, correndo por fora com 29 pontos. Os pincharratas haviam perdido Verón, mas viam Palermo enfim florescer: o atacante ficou a dois gols da artilharia do campeonato, incluindo aí dois gols em um 3-1 no River, e assumiu a braçadeira de capitão. Nas três semanas de recesso, o Boca acertou em 20 de julho a venda de Verón para a Sampdoria, com a ressalva de que La Brujita jogaria o Clausura até o fim. Cinco dias depois, ele estava em campo ainda com a camisa auriazul. Mas em uma derrapada da diretoria: o clube fez uma excursão à distante China.

Foram dois amistosos com os chineses em 48 horas, nos dias 25 (com Verón marcando os dois gols da vitória por 2-1 sobre o Beijing Guoan) e 27 de julho. Logo no dia 1º de agosto, outro amistoso, contra a Universidad de Chile. O campeonato foi retomado no dia 7 de agosto. E o Racing voltou a aprontar na antepenúltima rodada. Venceu por 1-0, com gol de Claudio López a oito minutos do fim. Não bastasse isso, Maradona ainda perdeu um pênalti quando faltavam três minutos. Dieguito vinha sofrendo com isso de forma incrível: era o quinto pênalti seguido que perdia no torneio.

Naquela antepenúltima rodada, o Lanús perdeu e estacionou nos 33 pontos. O Estudiantes, em casa, só empatou em 2-2 com dois gols de Palermo, indo aos 30. O Gimnasia LP bateu o River em pleno Monumental, 2-1 com Guillermo Barros Schelotto marcando um dos gols. Ficou com 35. E o Vélez, após golear por 4-1 o San Lorenzo, ficou com 36, quatro pontos à frente do Boca e a seis de um Estudiantes com chances apenas matemáticas, restando duas rodadas.

Boca e Estudiantes fariam assim um confronto direto entre desesperados pelo título naquela penúltima rodada. Mas antes mesmo da partida começar, os pinchas já não tinham chances: na véspera, o Gimnasia sapecou um 6-0 no Racing, indo a 38 pontos já inalcançáveis para o Estudiantes. Assim, o único estímulo dos alvirrubros seria a própria honra. O Boca, que jogaria em casa, por sua vez precisava vencer e torcer para que o Vélez no máximo empatasse.

Verón cobra a falta onde marcaria o gol sobre o clube do coração
Verón cobra a falta onde marcaria o gol sobre o clube do coração. Mesmo abraçado por Maradona, não comemorou

O jogo começou promissor. Logo aos 14 minutos, festa aos auriazuis na Bombonera, exceto a um: em falta pela esquerda na entrada da grande área, Maradona simulou a cobrança e abriu espaço para Verón desferir lindo chute, em curva que morreu no ângulo. Diante do clube do coração, o autor do gol reagiu cabisbaixo, sem comemorar. Mal daria tempo, mesmo: oito minutos depois, Palermo recebeu bola cruzada e acertou um sem-pulo até fraco, mas que fez a bola quicar e encobrir a estirada de Carlos Navarro Montoya. O alívio momentâneo na plateia foi que quase ao mesmo tempo o Belgrano, em Córdoba, abria o placar contra o Vélez. Mas o concorrente empataria no início do segundo tempo.

O Boca bombardeou a defesa do Estudiantes na segunda etapa, mas foi o visitante quem marcou. Outra bola lançada para Palermo, que dessa vez usou um potente cabeceio para encobrir Navarro Montoya, já aos 27 minutos do segundo tempo (no ano seguinte, seria a vez do Titán ser contratado pelo Boca, a pedido de Maradona). Aos 43 minutos, nem uma virada milagrosa ajudaria: o Vélez anotou os 2-1 contra o Belgrano e ia a 39 pontos inalcançáveis ao Boca. O Lanús, ao empatar em casa com o Gimnasia de Jujuy, também deu adeus às suas chances.

Sem chances de taça, Verón não jogou a última rodada, contra o Deportivo Español – na qual o Boca levaria o empate aos 43 minutos do segundo tempo, terminando o torneio só em 5º, abaixo até do Estudiantes. De nove pontos possíveis após o recesso olímpico, os xeneizes só somaram um. Maradona, desiludido, anunciou antes da última rodada que também não a jogaria: iria tratar por 45 dias no exterior o vício em cocaína, período sabático que viraria um ano. Caniggia também não jogaria. Em boa fase, inclusive voltando à seleção, tinha ofertas da Europa (mas igualmente viria a tirar um ano sabático, por motivos ainda mais trágicos: sua mãe se suicidaria em setembro).

Ironias: duas semanas depois daquele 11 de agosto de 1996, o Boca sem Verón, Maradona e Caniggia bateu fora de casa por 3-2 o Estudiantes, já pela 1ª rodada do Apertura 1996. Um dos gols do Boca foi de outro Diego, o “Diego bom”: Latorre, que voltava ao clube após quatro anos. E um dos gols do Estudiantes foi de um Verón: Fernando Verón, sem um centésimo de talento e de parentesco com a “família real” alvirrubra. Dez anos depois, em dezembro de 2006, Palermo e o Verón “verdadeiro” se reencontrariam em outro Estudiantes 2-1 Boca, histórico. Em alguns meses, detalharemos.

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Palermo cumprimenta Maradona antes da partida. À direita, o gol da virada, de cabeça

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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