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Crise na AFA ameaça início do campeonato e possível conquista na Olimpíada do Rio

Não adianta bater na porta; embora o porteiro possa atendê-lo, dificilmente o deixará entrar. Tampouco é válido telefonar: exaurido, o pobre porteiro já não aguenta mais deixar o seu posto e atender ao telefone. Esta é a AFA atual. Seu grande dirigente, neste momento, é o porteiro. E o campeonato, como fica? E a superliga, tão aclamada pelos dirigentes? E a lista de Martino para os Jogos do Rio? Aparecerá, com certeza. Como? Quem sabe. Quando? Quem se importa?

A crise na AFA segue manchando o futebol argentino de mais uma vergonha histórica. Ninguém se entende. Em capítulo decisivo, a juíza Servini de Cubría, que investiga os desvios na entidade desde 2009, chamou as partes para uma conversinha. Governo, FIFA e dirigentes envolvidos. Da FIFA, Primo Corvaro e Monserrat Giménez, este último enviado pela CONMEBOL, que também resolveu meter a colher na panela, não satisfeita com o protagonismo isolado da FIFA na intervenção. E por que Servini não chamou Damián Dupiellet, designado anteriormente pela FIFA para presidir interinamente a AFA? Porque Dupiellet é justo um dos que ela investiga pelo arrebatador desaparecimento de grana na entidade. O cidadão em questão representa o futebol de areia, o que clarifica os motivos pelos quais a modalidade passa fome no país, embora comprovadamente rios de dinheiro foram enviados para a sua sustentação. Além disso, Dupiellet é juiz do trabalho e não conseguiu autorização para assumir mais um carguinho no país.

Do governo, Servini convocou Fernando De Andreis, secretário geral da presidência e o coordenador do Fútbol para Todos, Fernando Marín. Este último já foi repreendido por vários cartolas por anunciar publicamente tratativas sem finalização dos cartolas, como a data de início do próximo campeonato argentino. Aquele, investigado até pela Interpol por suas centenas de contas em offshores espalhadas pelo mundo. Ou seja, um grande inimigo do Estado, conhecido no país, como o “Não-paga-imposto”, e que no Governo de Macri assumiu como o Secretário Geral do gabinete presidencial.

Dos dirigentes, foram chamados os 44 membros do Comitê Executivo da AFA. Todos eles envolvidos na luta incessante para elegerem um novo Corleone para colocar no lugar de Grondona. Não se iludam, só não resolveram essa parada pois vacilam quanto à condição do eleito em manter as coisas literalmente como eram na época do grande “benfeitor”.

E o que decidiram? Apenas que o comitê que vai gerir a AFA de forma interina será composta por gente ligada ao futebol. Nada de gente do Governo, políticos, empresários e, principalmente, nenhum representante da Justiça. Ou seja, “abriram as pernas” direitinho para a FIFA. Ficaram de “quatro” e falaram para a trupe de Infantino: “manda ver!”. Ora vejamos, o que a FIFA proclama e exige é que seja somente gente do futebol. Contudo, em nenhum momento proíbe que esses dirigentes sejam membros do Governo, políticos, empresários e até membros da Justiça. A questão se traduz em que se todos eles estiverem envolvidos com o futebol, automaticamente são “gente do futebol”. E isto não é mera anterioridade, é condição que legaliza e permite que dirigentes honestos ou criminosos comandem federações como a AFA e todas as demais mundo a fora.

Dos seis representantes que comandarão a AFA, Primo Corvaro e Monserrat Giménez são os principais. Ninguém ainda sabe quem serão os outros. Contudo, a dupla sequer já comanda alguma coisa. Desta forma, coube ao titular do Fútbol para Todos, Fernando Marín, decretar: “o novo campeonato começa em 05 de agosto”. Mas que campeonato? A Superliga. E o que é a Superliga? Nada, apenas a liga de sempre, com outro nome. Era para ser assim? Em tese, não. Ideia era a de formar um campeonato à parte e independente da AFA. Era o começo de uma revolução. Só esqueceram de publicar que seus revolucionários eram justos aqueles cartolas que faziam parte da AFA, os presidentes de clubes. No fim das contas, o que estes desejavam era o mesmo de sempre: pressionar o Governo para obter mais recursos para o futebol. Na prática, todos eles, em conjunto, foram o Grondona do passado. Valem tanto esses cartolas que todos eles precisaram se juntar apenas para conseguir o que o grande “chefão” conseguia sozinho: tirar grana dos cofres públicos.

E a Liga, chamada de “Superliga”, começa mesmo? Todos sabemos que sim, mas para que isto aconteça o jogo de cena há de continuar. Vamos entender. O anúncio da data de início do campeonato só aconteceu porque os cartolas conseguiram junto a Macri que os valores do Fútbol para Todos fossem aumentados de R$394 milhões para R$514 milhões. A comemoração foi ampla e o assalto ao Estado, também. À época de Cristina, o Estado investia, mas ao menos ganhava algo: a propaganda. Por certo que era uma chatice só. Na prática, era só a propagação dos feitos do Governo. Em teoria, contudo, era algo sustentado na Constituição; gostemos ou não. Com Macri, a situação fica pior, pois o Estado segue investindo no futebol, mas perde a propaganda. E o Estado, em teoria, ganha o quê? E se não bastasse este fato, os valores ainda foram majorados.

Porém, como dissemos, o jogo de cena continua. Os clubes da elite argentina devem oficialmente R$ 214 milhões. Embora suspeitas parem sobre esses números, o certo é que a parte deles que cabe ao fisco de fato corresponde a R$ 70,6 milhões. Pois bem, os clubes exigem de Macri que lhes forneça esses valores para que fiquem de boa com o fisco. Alegam, e estão corretos, que esta foi uma das promessas de campanha do atual presidente argentino. Absurdo? Que nada, querem mais! Querem também que o Governo arque com todos os custos dos operativos policiais que envolvem os jogos. Dizem, e estão corretos, que esta foi também uma promessa de campanha de Macri. Se o “chefão oficial” não aceitar, não haverá campeonato.

Bem, mas que campeonato? Ninguém sabe explicar como ele será. Os jogadores estão em pré-temporada mas não sabem se jogarão uma competição longa, curta, de todos contra todos ou de grupos, à maneira que ocorreu na última disputa. Quando perguntado a respeito, o representante do Fútbol para Todos disse que “ainda decidiriam”.

E a para a Olimpíada do Rio, quem virá? Martino, com certeza. E não porque ele era o preferido de todos. Mas porque alguém precisava demiti-lo e esta decisão não poderia ficar a cargo do porteiro. Até agora o que temos é uma pré-lista, refinada pelo técnico de 57 para 30 nomes. Parou por aí. Por que a lista de Martino não sai? Porque o porteiro da AFA não consegue negociar com os clubes a liberação dos jogadores. Tampouco teria força para pressionar pela já quase impossível liberação de Paulo Dybala, frente à Juventus.

Os únicos confirmados para o Rio são: Gerónimo Rulli (Real Sociedad), Jonathan Silva (Sporting de Lisboa), José Luis Gómez (Lanús), Mauricio Martínez (Unión), Giovani Lo Celso (Rosario Central), Leandro Paredes (Empoli), Cristian Espinoza (Huracán) e Ángel Correa (Atlético de Madrid). Emanuel Mammana estava confirmado, mas virou dúvida, pois foi negociado com o Lyon e o “maldito” porteiro não tratou de convencer ao técnico Bruno Génésio a esperar pelos Jogos Olímpicos de forma a ter os serviços do defensor. O mesmo se pode dizer de Mauro Icardi. Cruzeiro já disse sim por Lucas Romero e o Atlético de Madrid, por Kranevitter. Porém, o efeito dominó já contaminou a Sampdoria, que disse que não liberará Joaquín Correa.

A tratativa por todos os demais estão suspensas no momento; o que enfraquece o desejo de Martino em contar com os jogadores. Mesmo Edgardo Bauza, sempre gentil com essas questões, adiantara que não liberaria Calleri até o fim da Libertadores. O mesmo ocorre com os nomes dos atletas acima dos 23 anos. Gerónimo Rulli, Musacchio e Ramiro Funes Mori estão quase descartados. A questão é simples: nenhum técnico deseja liberar seus jogadores. O que destrava tais liberações são as negociações, o que revela o quanto o “maldito” porteiro é ineficiente.

A data para o início dos treinos da seleção olímpica era 15 de junho. Nada aconteceu. A próxima data de inicio ficou para 04 de julho. Ninguém sabe se vai acontecer. Mas por que o técnico não treina com os jogadores que tem à disposição e encontra alguns outras gatos pigados para completar? Porque não há dinheiro para custear a operação. Alguém da AFA revelou que os empregados do prédio da Calle Viamonte compram com o próprio dinheiro o papel que usam para xérox, tinta para as máquinas etc. Além disso, se querem tomar um café (substituído na Argentina pelo mate), precisam trazer de casa, assim como marmitas, já que não recebem salários, o dinheiro para o lanche e para o almoço. Nem os cheques existem mais. Quando existiam, à época de Segura, eram devolvidos. O próprio Martino recebeu vários, mas nenhum tinha fundo.

Vale lembrar que a Argentina estreia na Olimpíada em 04 de agosto, no tal “Estádio Olímpico do Rio”. Por falar nisso, a AFA decidira que a seleção não ficaria na Vila Olímpica, já que ela situa-se muito distante dos locais de treinamento. Já não sabem se optarão por uma sede particular, pois na Vila Olímpica ao menos o COI cobre os custos com alojamento e alimentação.

Uma das maiores favoritas para a conquista do caneco no Rio era justamente a seleção da Argentina. Mas os cartolas seguem estragando tudo. Neste momento, não se sabe se haverá uma seleção. E se ela se apresentar, sua condição técnica estará abaixo de seus déficit físico e de sua preparação. Mais uma vergonha para o futebol do país que tem o melhor jogador do mundo. Mais um presente para os rivais. Neste caso, na fase de grupos, para os “insignificantes” Portugal, Argélia e Honduras.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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