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Especial Eurocopa – maiores goleadores da França vieram da Argentina. Foram como Messi e CR7

De 2009 a 2015, só Messi e Cristiano Ronaldo foram artilheiros na Espanha. Duopólio que durou só dois terços do protagonizado na França nos anos 70 por Delio Onnis e Carlos Bianchi, que deram o azar de jogarem em tempos onde ir ao exterior tirava os jogadores do radar da terra de origem. Um é o maior goleador absoluto do campeonato francês. O outro, o maior goleador relativo. O impressionante é que apesar do poder de fogo, só houve dois títulos, e de apenas um deles.

Onnis nasceu na Itália em 1948. Desde os três anos cresceu na Argentina. Começou a carreira no nanico Almagro, pelo qual debutou profissionalmente em 1966, na segundona. Com ele, o time quase subiu em 1967, mas perdeu na última rodada para o Argentinos Jrs em uma liga-repescagem com os últimos da elite. Na mesma época, Bianchi vencia o primeiro título argentino do Vélez, mas ainda como um 12º jogador – o craque era Daniel Willington e o talismã dos gols, Omar Wehbe, que inaugurou a dinastia dos Turcos de sucesso em Liniers (como os primos Julio e Omar Asad e os irmãos Claudio e Darío Husaín). Sobressaiu-se mais ao vazar o veterano Amadeo Carrizo, quebrando-lhe uma então recordista invencibilidade na Argentina.

Em 1969, Onnis estreou na elite pelo Gimnasia LP e Bianchi começou a se firmar no ataque velezano – no Torneio Nacional, chegou a marcar os cinco gols nos 5-0 sobre o San Lorenzo de Mar del Plata. Terminou a dois gols do artilheiro, Carlos Bulla, do Platense. Já Onnis voltava a jogar aquela miniliga-repescagem, agora procurando manter-se na elite. Foi o artilheiro do tal “Torneio Reclassificatório”, com onze gols em dezesseis partidas, salvando o Lobo da degola. Em 1970, enfim, explodiram. No Torneio Metropolitano, Onnis ficou a quatro gols da artilharia por um time que ficou só em nono – empatado com o Vélez de Bianchi. No Torneio Nacional, disputaram pela primeira vez a artilharia um contra o outro. Carlitos somou dois gols a mais.

Mas o Vélez não se classificou aos mata-matas. O Gimnasia, sim. Tinha um de seus melhores elencos, La Barredora, no qual figurava também o folclórico goleiro Hugo Gatti. Uma greve, porém, estourou no campeonato e os platenses usaram seus juvenis, que caíram por 3-0 nas semifinais para o Rosario Central. “Nos deviam seis meses de salário e para ganhar a partida contra o Central teríamos premiação. Vendo como estava a situação, pedimos ao presidente Oscar Venturino que nos pagasse o devido e nós desistiríamos da premiação, mas nos disse que não”, esclareceu o italiano.

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A dupla na Argentina: Onnis no Almagro e no Gimnasia LP, Bianchi no Vélez e na seleção

“Lhe apresentamos uma nova proposta pedindo que nos abone ao menos três dos seis meses, mas também se negou. Nós esperamos até o final para ver se o homem cedia, mas finalmente não foi assim. Inclusive nos pôs contra as pessoas, nos queriam matar. Nos doeu muitíssimo a todos, mas sua soberba nos levou a isso”. Em 1971, Onnis jogou um punhado de partidas do Metropolitano e despediu-se do futebol argentino, contratado pelo Stade de Reims. Era a segunda opção: a equipe francesa buscava Alfredo Obberti, goleador de Newell’s (depois, jogador do Grêmio), mas a esposa deste não quis viajar. Então voltaram-se para Onnis; haviam visto que ele marcara duas vezes na vitória por 4-3 sobre o Newell’s de Obberti. Ao todo, o italiano fez 53 gols em 95 jogos pelo Gimnasia LP.

Mesmo não tendo técnica refinada nem sendo grande driblador, manteve o poderio na França. Em duas temporadas no Reims, acumularia 39 gols, apesar do time ter brigado para não cair na primeira (na qual por outro lado foi semifinalista na Copa da França) e ter sido só 8º na segunda. Enquanto Onnis rumava à Ligue 1, Bianchi esteve muito perto de se consagrar como protagonista no Vélez, então ainda visto como um excelente clube social mas de time tradicionalmente mediano. El Virrey (apelido oriundo, por sinal, de um francês: Jacques “Santiago” de Liniers, vice-rei da colônia que daria origem à Argentina e cujo sobrenome nomeia o bairro do Vélez) fez 36 gols em 36 jogos daquele Torneio Metropolitano de 1971.

Na última rodada, bastava ao Vélez vencer em casa o irregular Huracán. Os fortineros abriram o placar logo no primeiro minuto, mas o oponente, em tarde inspirada do reforço Narciso Doval (emprestado pelo Flamengo), virou para 2-1. Paralelamente, o concorrente velezano Independiente ganhou sua partida e acabou campeão. O Vélez só voltaria em 1993 a vencer o campeonato, agora tendo Bianchi de treinador. Um técnico que chegou a ouvir brincadeiras dos comandados por às vezes se perder no idioma, falando sem querer em francês algumas vezes.

Ainda como jogador, Carlitos continuou acumulando gols no Vélez até o início de 1973, chegando à seleção. O Reims não retomara com Onnis o sucesso vivido pelo clube nos anos 50, mas o italiano fez sua parte e acabou vendido ao Monaco. O ex-clube, para repor seu goleador, comprou Bianchi. Que foi logo foi artilheiro da Ligue 1 em 1974, pondo o Reims na sexta colocação enquanto os monegascos se livraram do rebaixamento só nos critérios de desempate apesar dos 26 gols de Onnis. Quase ambos decidiram a Copa da França: o grande Saint-Étienne da época bateu Bianchi nas semifinais e, na final, Onnis (que marcou gol). Na temporada seguinte, foi a vez do italiano conquistar sua primeira artilharia, com o Monaco sendo só o décimo.

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Onnis agachado por Reims (atrás dele, o argentino Roberto Zwyca) e Tours e já veterano sendo artilheiro também no Toulon. Porém, só foi campeão uma vez, no Monaco

Bianchi então acumulou as artilharias de 1976 a 1979. As duas primeiras, ainda no Reims (vice da Copa da França em 1977, também para o Saint-Étienne), mas sozinho também foi incapaz de devolver troféus ao clube. Conseguiu no máximo o quinto lugar em 1976. As outras duas foram pelo Paris Saint-Germain, em época ainda pobre do recém-fundado time da capital, nascido em 1970: o PSG nem em décimo lugar chegava, mas o argentino conseguiu 60 gols em 70 jogos pelos parisienses. Média de invejar um certo sueco de tempos bem mais generosos no Parc des Princes.

Já Onnis, enfim, tinha redenção: o Monaco havia sido rebaixado em 1976 apesar da vice-artilharia do italiano, mas a equipe do Principado conseguiu o feito de emendar o acesso da Ligue 2 em 1977 (com o italiano de artilheiro com 30 gols em 31 jogos) com o título da Ligue 1 em 1978 (na qual foi também semifinalista da Copa da França). O elenco contava ainda com os hermanos Raúl Noguès e Heriberto Correa, este um paraguaio que jogara pela seleção argentina. Foi o único título nacional de elite do máximo goleador do campeonato francês. Os feitos da dupla, porém, foram insuficientes para levá-los à Copa do Mundo.

Fora só em 1972 que a Argentina começara a usar jogadores do futebol europeu, e ir para lá ainda mais atrapalhava do que ajudava a manter-se nela. César Menotti chegou a convocar para a Copa de 1978 um jogador do futebol francês, o zagueiro Osvaldo Piazza, do dominador Saint-Étienne, mas um acidente de carro sofrido pela esposa de Piazza o fez ficar na França. O único “estrangeiro” no elenco campeão foi justamente Mario Kempes, que acumulava artilharias no Valencia.

Onnis, então, sofreu duas vezes: tendo cidadania argentina, não recebia convocações da Albiceleste por jogar na Europa – ele não concorria à Bola de Ouro da France Football, que o considerava argentino, em época em que o prêmio era exclusivo a jogadores das seleções europeias. E, tendo cidadania italiana, tampouco era lembrado pela Azzurra, que também não chamava gente de campeonatos estrangeiros. É o maior artilheiro do futebol que jamais defendeu qualquer seleção, ao menos por essa listagem. No Monaco, ganhou também a Copa da França de 1980, marcando na final. Em tempos distantes dos atuais, torrava a maior parte do salário em chamadas telefônicas à família – na realidade para um vizinho dela, o único que dispunha de um aparelho próximo.

Bianchi substituiu Onnis no Reims e foi artilheiro lá e em um PSG pobre. Só não se sobressaiu no Strasbourg

Bianchi, após uma temporada morna, para seus padrões, no Strasbourg (que, campeão em 1979, reforçara-se com ele para manter o título, ficando só em quinto no campeonato e sendo eliminado precocemente na Liga dos Campeões – competição em que Carlitos pôde jogar só três partidas, mas a tempo de aplicar um hat trick, sobre o Start, sendo talvez quem conseguiu a marca com menos jogos), voltou ao Vélez em 1980. E com tudo: foi artilheiro nacional de 1981. Seu sucesso estrondoso como técnico ofusca como ele fora um goleador espetacular: teria sido o maior artilheiro da liga argentina (o recorde são os 295 de Arsenio Erico) se não passasse tanto tempo na francesa (o recorde são os 299 de Onnis) e vice-versa.

Foram 206 gols em 324 jogos de Bianchi no campeonato argentino e 187 em 238 no francês, totalizando 393 gols, 385 na primeira divisão, números que ainda fazem dele o argentino com mais gols em ligas nacionais. Considerando Onnis argentino, ele é por sua vez o terceiro hermano com mais gols em ligas. Acumulou 363, juntando os 299 na elite francesa, outras pela Ligue 1 e seus gols na Argentina. Só a dupla e Alfredo Di Stéfano seguem à frente de Lionel Messi entre os argentinos com mais gols em campeonatos nacionais, conforme detalhamos neste outro Especial. Sem o concorrente Bianchi, o italiano foi artilheiro francês de 1980 a 1982 – as duas últimas, já pelo nanico Tours (que em 1981 foi simplesmente o antepenúltimo; em 1982, foi só o 11º, mas foi semifinalista na Copa da França em 1982 e 1983).

Onnis saíra do Monaco pois os dirigentes achavam que ele, já passado dos 30 anos, definharia e não esconderam que tentariam substitui-lo. O goleador não teve dúvidas em aceitar ganhar o triplo no Tours, estreante na elite. O bósnio Vahid Halilhodžić “furou” a série em 1983, após nove campeonatos em que o goleador máximo da Ligue 1 ou foi Bianchi ou foi Onnis (rebaixado com o Tours). O ítalo-argentino, porém, ainda acumulou mais uma artilharia, sua quinta na França, igualando-se nisso a Bianchi. Foi na temporada seguinte, pela quarta camisa diferente, a do Toulon, o quinto colocado e semifinalista na Copa. O clima da Riviera lhe fazia bem: tinha 36 anos o chamado Monsieur But, o “Senhor Gol”.

A temporada de 1984-85 teve ambos juntos novamente na França, mas ao mesmo tempo separados: Onnis, que penduraria as chuteiras outra temporada depois, seguia no Toulon (sexto), enquanto Bianchi voltava ao Reims, que estava desde 1979 na segundona. Os alvirrubros não subiram, mas Carlitos seguiu entre eles, agora como treinador a partir de 1985. Ficou até 1989, sem tirar o clube da Ligue 2. Também passou pelo Nice na nova função. Até mudar de patamar ao assumir em 1993 um Vélez de um só título argentino e 25 anos de jejum, encerrados logo ali. Aí começa sua faceta mais conhecida…

Clique abaixo para outro especial temático da Eurocopa:

Especial Eurocopa – argentinos da Seleção Francesa

Atualizações após a matéria: publicamos em 2017 um especial alusivo à carreira do Bianchi jogador (clique aqui) e em 2018 foi a vez de Onnis (clique aqui). Em 4 de setembro de 2018, Messi ultrapassou Bianchi contando-se somente gols na primeira divisão.

Bianchi Onnis 3
Onnis, Bianchi, Heriberto Correa e Santiago Santamaría, quarteto argentino antes de um Monaco x Reims

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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