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12 nomes para os 120 anos de história do Banfield

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O Sul da Grande Buenos Aires rendeu no futebol argentino histórias díspares de sobrevivência e de decadência. O Club Atlético Banfield, da cidade homônima nomeada com o sobrenome do engenheiro ferroviário que dirigia a primeira ferrovia que ligava a capital ao sul, pertence ao primeiro caso. Tem o sucesso único de clube que permaneceu amador após a implantação do profissionalismo e que, tardiamente, conseguiu adaptar-se à nova era. Contar a história alviverde é em parte contar reviravoltas. A começar pelo próprio futebol nela, pois os britânicos que o fundaram eram adeptos de outro esporte bretão, o críquete.

Não que o football não fosse desde logo praticado: o conjunto banfileño participou dos campeonatos argentinos logo em 1897 e 1898, mas ficou em último em ambos. Futebol na municipalidade de Lomas de Zamora, onde se situa a cidade de mesmo nome e também as de Banfield e Temperley, era coisa do Lomas Athletic, multicampeão naquela década, até 1898. Simbolicamente, em 1899 veio no Banfield uma nova presidência, que enfim foi dar maior impulso à modalidade enquanto o Lomas decaía até deixar o futebol dez anos depois (para focar-se no rúgbi, onde havia exatamente em 1899 sido membro-fundador e primeiro campeão da união argentina).

Ainda em 1899, o Banfield foi inscrito em um certame mais condizente com o nível dos jogadores, a nascente segundona. Que foi vencida naquele ano e no seguinte (naquele tempo, os poucos clubes existentes escolhiam em qual divisão atuariam; foi só em 1907 que o título da segundona passou a promover o campeão à elite). Dentre os jogadores, um nome histórico nas estatísticas argentinas: Charles Douglas Moffatt, o escocês que fez os três gols do St. Andrew’s na final de 1891, o primeiro campeonato argentino. O retorno à primeira divisão foi ensaiado em 1908 e 1910 (dentre os jogadores, o zagueiro Carlos Galup Lanús, que já como atleta do Estudiantes enfrentou pela seleção o Brasil na primeira Copa Roca, em 1914) até ocorrer em 1912. Por mais uma reviravolta.

Alguns clubes discordavam em cobrar ingressos de seus sócios e se retiraram da associação argentina, criando a federação, que se encheu com alguns membros da segundona da associação (dentre eles, o Independiente). A associação reagiu em 1913, incluindo na elite os clubes restantes de sua segunda divisão e o campeão da terceira – que era o Banfield. Que foi logo 3º colocado em 1914. Neste mesmo ano, porém, irrompeu a Primeira Guerra Mundial. Muitos membros do clube eram cidadãos britânicos e foram lutar no exército de Sua Majestade.

O Banfield despencou até cair pela primeira vez, em 1917. Voltou em 1920 e foi logo vice-campeão para o Boca no campeonato e campeão da Copa, sobre o mesmo Boca. E assim a seleção convocou pela primeira vez atletas banfileños: o atacante Fausto Lucarelli e o volante Ángel Frumento, participantes da Copa América. Em 1921, porém, o clube foi jogar em outra associação dissidente, onde estavam os outros futuros grandes (River, Racing, Independiente e San Lorenzo). Ficou longe das cabeças. As duas associações se uniram em 1927, mas novo cisma ocorreu em 1931. As equipes mais populares, cansadas da arrecadação ser repartida igualitariamente com as menores, criaram uma liga profissional.

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Brameri, Aragú, Bermani, Cernick, Frumento e Vera; López, López, Lucarelli, Pambrum e Álvarez. O time de 1920

Os representantes do Sul foram o Lanús e seu rival, o Talleres da cidade de Remedios de Escalada. O Banfield remanesceu na associação argentina, ainda amadora. Ela geria a seleção e foi em razão do esvaziamento que os alviverdes seguintes apareceram na Albiceleste, naquele 1931: o ponta-direita Carlos Bertetti, o atacante Emilio Castro, o volante Adolfo Lagomarsino, o zagueiro F. Rodríguez. A associação argentina rendeu-se à nova era em 1934, com seus representantes passando às divisões inferiores profissionais. Clubes tradicionais que haviam remanescido amadores após o cisma de 1931 já não foram os mesmos.

Almagro, Estudiantes de Buenos Aires, Nueva Chicago, Defensores de Belgrano, Excursionistas, Argentino de Quilmes e El Porvenir se tornaram tradicionais na segundona ou abaixo. Curiosamente, destino pior tiveram os campeões amadores de 1931-34: o Sportivo Barracas (1932), que havia vencido o Barcelona em 1929, está atualmente na quarta divisão, assim como o Sportivo Dock Sud (1933). O Estudiantil Porteño, vencedor de 1931 e 1934, havia revelado o meia-esquerda Atilio Demaría, campeão pela Itália da Copa de 1934 e ídolo na Internazionale. Desativou seu futebol competitivo.

O Banfield, que havia ficado a dois pontos do Dock Sud em 1933 e a três do Estudiantil em 1934, teve de esperar até 1940 para reaparecer, agora profissionalmente, na elite. A primeira divisão vinha desde 1937 rebaixando o lanterna, a ser substituído pelos campeões inferiores. Pior para o Talleres de Remedios de Escalada, o fundador da liga profissional há mais tempo longe da elite: clube do goleiro argentino titular na Copa de 1930 (Ángel Bosio), caiu ali e não mais voltou. Seu lugar cativo na elite e como rival do Lanús passariam a ser ocupados pelo Banfield, promovido em 1940.

Os promovidos anteriormente logo caíram, casos do Almagro, apesar do reforço de Raimundo Orsi, campeão da Copa de 1934 (com gol na final), e do Argentino de Quilmes (onde por sua vez jogava o goleiro da final da Copa de 1930, Juan Bottaso, e que nem uma vitória sequer conseguiu em 1939). Assim, o 10º lugar banfileño em 1940 foi visto como uma campanha surpreendente. Em 1941, o clube só terminou em penúltimo porque perdeu 16 pontos nos tribunais, com os quais havia sido 7º, colocação enfim ocupada em 1942. Nascia assim o apelido Taladro (“furadeira” ou “broca” em espanhol) para aqueles azarões, ainda que o rebaixamento viesse em 1944 e se tornasse uma constante.

O Banfield é o clube que mais vezes caiu da elite. Mas não demora a retornar, nunca tendo descido abaixo da segundona. Trajetória diferente da do seu rival original, o Los Andes, de acessos apenas esporádicos (nos anos 60 e em 2000). Uma tradição iô-iô que, para o contexto em que o clube esteve, é vitoriosa. Um pouco do resto dos 120 anos de história pode ser contado através da escalação abaixo:

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La Volpe (ainda sem o característico bigode), Zanetti (já com o penteado de sempre) e Bagnato

GOLEIRO: o uruguaio Juan Besuzzo foi quem catava no início dos anos 40, e seu período (1940-42) coincide com os bons momentos do Taladro. Edilberto Righi, nos anos 60, e Christian Lucchetti, nos 90 e 2000, chegaram nos dez anos de Banfield, com diferenciais: Righi foi à seleção e Lucchetti, além de campeão em 2009, é o maior goleiro-artilheiro argentino. Mas ficamos com Ricardo La Volpe, que agarrou de 1971-75. O clube costumava ficar na segundona ou nas últimas posições da elite, e mesmo assim La Volpe se sobressaía a ponto de ser chamado à seleção como jogador banfileño. Foi reserva na Copa de 1978.

DEFENSORES: para começar, um nome que dispensa apresentações. Javier Zanetti, curiosamente duas vezes rival do Lanús: revelado no Talleres de Escalada, foi pinçado por um Banfield recém-promovido outro vez à elite, em 1993. Com El Pulpi, os alviverdes conseguiram campanhas na metade superior da tabela, ótimas para o porte local. Recordista de jogos pela seleção, Zanetti estreou nela ainda como jogador do Taladro. Na primeira temporada após a venda dele à Internazionale, o ex-clube foi penúltimo no Apertura e antepenúltimo no Clausura, caindo outra temporada depois. Luis Bagnato, por sua vez, estava no Banfield vice-campeão argentino de 1951. Está no Top 10 de estreantes mais veteranos, pois tinha 31 anos – e em 1955, passado já um bom tempo daquela campanha histórica.

Líder também fora do clube, Bagnato havia sido um dos fundadores do sindicato dos jogadores argentinos. Seu companheiro de zaga era Osvaldo Ferretti, também jogador de seleção como alviverde, mas por só 45 minutos. O trocamos por Oscar Calics. Foram sete anos no Taladro, incluindo o acesso de 1962 e presença na Copa de 1966 sem sequer ter estreado antes pela seleção, após boas campanhas nos anos anteriores. Grande ídolo do primeiro campeão profissional invicto, o San Lorenzo de 1968. Vale ainda menção honrosa também ao lateral-esquerdo Nelson López, ex-Internacional e único argentino a ir uma Copa como jogador do Banfield, em 1966 (Calics estava recém-sanlorencista), mas sem a mesma transcendência no clube e fora dele como os escolhidos.

MEIAS: Eliseo Mouriño foi um volante técnico com voz de mando. Protegia a defesa do surpreendente Banfield vice-campeão de 1951, a primeira vez em que um clube de fora dos cinco grandes esteve tão perto da taça no profissionalismo: o Taladro empatou em pontos com o Racing e foram necessários dois jogos-desempate entre eles. Estreou pela Argentina já em 1952 e tem um registro admirável: capitão em 20 dos 26 jogos que fez pela Albiceleste. Passou a peso de ouro ao Boca, ajudando-o a livrar-se de um jejum de dez anos sem títulos em 1954 (se imagina isso hoje?).

Como volante-esquerdo, Daniel Bilos, outro a brilhar no Sul e em La Boca. Nome habilidoso daquele elenco de 2003 a 2005, ano em que estreou pela Argentina após recusar a Croácia das raízes. Mesmo não sendo um atacante, foi o artilheiro da bela campanha alviverde na Libertadores 2005 e dali foi ganhar tudo o que o Boca teve ao alcance na temporada 2005-06. À frente, Rafael Sanz, pela esquerda, e Armando Farro, pela direita, foram a dupla dinâmica de meias ofensivos do Taladro original, no início dos anos 40.

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Calics, Mouriño e o “croata” Bilos

Sanz somou nove anos de Banfield, com um ligero passo pelo Flamengo (junto com o colega Alfredo de Terán) campeão estadual de 1944 – sem ele, a ex-equipe foi rebaixada. Seus 21 gols em 30 jogos já haviam impedido por um único ponto a queda em 1941, quando os tribunais retiraram 16 pontos do clube – naquele ano, estreou pela seleção. Já Farro esteve na queda e ainda assim foi chamado para a Argentina campeã da Copa América de 1945. Seria campeão argentino pelo San Lorenzo de 1946, integrando o ataque conhecido como Terceto de Oro que deslumbrou o jovem Papa Francisco.

Farro ganha a posição de Juan José Pizzuti, que muito antes de ser técnico do Racing campeão da Libertadores e Mundial em 1967 foi artilheiro do Argentinão por um Banfield 10º colocado em 1949. Pizzuti fica de fora pois mesmo sem ele, vendido ao River, os colegas foram muito mais longe apenas dois anos depois. Ter sido chamado para a seleção só em 1959 também pesou. Completando o trio, José Luis “Garrafa” Sánchez. Foi um ídolo cult entre todas as torcidas nos anos 2000, aura que só cresceu após seu acidente motociclístico fatal, que há uma quinzena completou dez anos.

Sánchez personificou a ascensão recente do Banfield. Após classificar o nanico uruguaio Bella Vista à Libertadores, tirou o Taladro da segundona em 2001 (estava nela desde 1997) e o classificou pela primeira vez ao principal torneio interclubes sul-americano – do qual o time só caiu nas quartas-de-final, em 2005.

ATACANTES: Santiago Silva foi o homem-gol do inédito título, em 2009, deixando de coadjuvante o futuro artilheiro da Copa 2014, James Rodríguez – que por sua vez destacou-se na Libertadores 2010. Mas Silva vestiu depois a casaca do Lanús e o brilho de James foi fugaz. Darío Cvitanich foi artilheiro do Clausura 2008 e rotineiro carrasco nos clássicos com o Lanús. Norberto Raffo, antes de ser artilheiro e campeão da Libertadores com o Racing em 1967, estreara pela Argentina ainda como banfileño, em 1965. Juan Taverna tem o recorde de gols em um só jogo no campeonato argentino…

Mas para centroavante a escolha não poderia ser outra. Gustavo Albella é o maior artilheiro do clube e a grande referência ofensiva do vice-campeonato de 1951, do qual foi vice-artilheiro. Albella fez sucesso também no São Paulo, que o contratou em 1953 (vencendo o estadual), fazendo 47 gols em 81 jogos. Já Toribio Aquino foi o grande ídolo dos complicados anos 80, nos quais o Taladro esteve na elite apenas na temporada 1987-88. Era mais útil para romper o jogo pelas pontas do que propriamente definir: um bom pivô para Albella e as subidas dos meias ofensivos.

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O flamenguista Sanz, Farro e o cultuado “Garrafa” Sánchez

Mas Aquino não deixava de fazer seus gols: nos mata-matas que haviam definido o acesso na temporada 1986-87, fez dois nos 3-2 em um clássico com o Lanús pelas quartas-de-final, no jogo de volta, na casa adversária (em casa, havia sido 0-0). E marcou o gol do acesso, nos 2-0 sobre o Belgrano, que havia vencido por 1-0 na ida. Além disso, Aquino foi outro chamado pela Argentina mesmo após o rebaixamento do clube – foi em julho de 1988. Fez sucesso também na Espanha, especialmente por um Real Betis 3º colocado nos anos 90 – um filho seu jogou pelas seleções espanholas juvenis.

TÉCNICO: Emilio Baldonedo era o comandante de 1951, mas não há o que discutir. Julio César Falcioni foi quem elevou o Banfield a mais patamares. Pegou um time ameaçado pela queda em 2003 e o classificou à Libertadores, da qual saiu honrosamente nas quartas-de-final e contratado por um Independiente que celebrava o centenário. Foi ele quem vislumbrou, por exemplo, que Bilos, então um centroavante, rendia bem melhor mais recuado. Voltou ao sul em 2009 para enfim comandar o primeiro elenco banfileño campeão da elite. Um terço do seu Boca vice da Libertadores de 2012 era de ex-comandados no Taladro: Walter Erviti, Santiago Silva, Darío Cvitanich. Ao mesmo tempo em que, apenas dois anos depois do título, o ex-clube deles era rebaixado, por sinal.

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O são-paulino Albella, Aquino e, festejando o Clausura 2009, o técnico Falcioni

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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