EspeciaisRiver

Cem anos do 1º título argentino do River, maior campeão nacional

Se “toda história tem um começo”, slogan de uma popular série sobre o Superman adolescente, a do campeón del siglo XX teve seu primeiro capítulo naquele 9 de janeiro de 1921, por mais que já contasse com prólogos interessantes. Naquela data, o Club Atlético River Plate, um frequentador da elite argentina desde 1909 (foi o primeiro dos futuros cinco grandes admitido nela), enfim garantia seu primeiro título na divisão máxima. Valia ainda pela edição de 1920, na qual não perdia desde setembro, amostra da sua excelente campanha. Hora de recordá-la, revisando e atualizando nota originalmente publicada no aniversário de 95 anos do feito.

Se o Superman adolescente não trajava seu uniforme clássico e só depois de um tempo deixou Smallville para alçar voo em Metropolis, o River tampouco envergava a mística faixa diagonal vermelha e ainda residia na humilde La Boca em vez da fina zona norte de Buenos Aires – a rivalidade com o Boca Juniors começou justamente como rixa de vizinhos e no passado o dérbi Superclásico era chamado de Clásico Boquense. A camisa da Banda Roja, por sua vez, na realidade já havia sido estreada. Mas, após a campanha do acesso à elite em 1908, foi trocada por listras verticais alvirrubras separadas por finas listras negras.

O River mostrou as cartas logo no início: como estreante na elite, foi vice-campeão em 1909. Virou um participante assíduo das disputas de taça, conseguindo até um troféu internacional em 1914, a Copa Competencia, travada entre clubes portenhos, rosarinos e uruguaios. Já o troféu argentino vinha sendo abocanhado em série pelo Racing, que emendou um recordista hepta seguido entre 1913 e 1919, deixando o River de vice entre 1916 e 1918. A relação finalmente se inverteria na edição de 1920, só finalizada já naquele início de 1921. Mas não foi fácil: os alvicelestes só ficaram dois pontos atrás.

Foi um campeonato confuso também. No ano anterior, houve cisão na associação argentina de futebol. O River estava na liga dissidente, junto com Racing, Independiente e San Lorenzo. Boca e Huracán remanesceram na original, na qual seriam os representantes mais fortes. Foram separados que aqueles rivais de bairro começaram a tomar o país: o Boca conseguira seu primeiro título justo pelo esvaziado torneio de 1919 – similarmente, só finalizado em janeiro de 1920.

As cisões não se limitaram aos torneios de 1919. O decorrer do ano de 1920 viu a liga abocanhada pelo River começar com 17 times e ser finalizada com 19: Lanús e Almagro haviam aderido aos dissidentes no decorrer do torneio e foram logo admitidos na competição. Se havia alguma estabilidade naquele cenário, quem proporcionava era o futuro campeão. Desde a estreia, já se previa no jornal La Argentina que “o River Plate teve ocasião, em seu primeiro match da temporada, de apresentar uma equipe que, sem dúvida alguma, há de impressionar muito favoravelmente nos diversos encontros do campeonato. A ação empenhosa e eficaz da defesa, assim como a inteligência e exatidão dos arremates finais de sua linha dianteira, deram poder suficiente para vencer seu adversário”.

Na ocasião, o clube bateu por 3-1 o Gimnasia LP. Carlos Ísola, Heriberto Simmons e Jacinto Giúdice, Roberto Taramasso, Cándido García e Pedro Echenique, M. Aspesi, Aníbal Arroyuelo, José Laiolo, Nicolás Rofrano e Jaime Chavín foram a onzena que primeiro vestiu aquela camisa tricolor, hoje um uniforme reserva tradicional, e (heresia!) calças azuis na temporada que encerraria com uma inapelável campanha de 82,35% de aproveitamento, com 25 vitórias (doze delas, seguidas, na reta final), seis empates e só três quedas. Não era casualidade: cada vez mais sólido, aquele clube venceu também, de forma invicta, o campeonato de equipes B (que misturava jogadores sub-20 com adultos reservas), com 30 vitórias em 34 jogos e 103 gols a favor e só 13 sofridos; foi vice no campeonato sub-19; e venceu, também de modo invicto, o campeonato sub-18.

River1920-02
Quadro com os campeões de 1920 no museu do River. Foto tirada em 2010 pelo próprio autor da nota (clique para ver ampliado)

A campanha campeã foi arrasadora desde o início, só perdendo depois de dez rodadas. Já na segunda delas, o ídolo histórico Ísola, no time adulto desde 1912, perdia a posição de goleiro para Juan Crotti. No ataque, o obscuro Aspesi deu lugar a Ángel Santambroggio. Os campeões até saíram atrás do placar na visita ao San Lorenzo, cujo mártir Jacobo Urso abriu o marcador em falta assinalada após mão de Taramasso aos 35 minutos, mas já aos 40 forçaram um gol contra de Castilla e prevaleceram ao fim por 3-2 – Santambroggio e Rofrano marcaram os outros dos visitantes. Curiosamente, para o terceiro jogo, o River deu chance a mais um goleiro, Agustín Moretto, preservando o restante da escalação anterior. E fez valer rotundamente o fator casa contra a indecisa defesa do Tigre, surrada por 4-0. Chavín, Rofrano, Arroyuelo e Santambroggio anotaram na Dársena Sur de La Boca.

Juan Crotti voltou para o gol na quarta rodada. Na zaga, que acompanhou Giúdice foi o veterano Arturo Chiappe, ícone remanescente do acesso em 1908. A linha média com Taramasso, García e Echenique foi mantida, mas no ataque a formação teve duas novidades: P. Sabattini entrou na ponta-direita e Antonio Ameal Pereyra, veterano da estreia na elite em 1909, apareceu na meia-esquerda no quinteto ofensivo com Laiolo, Santambroggio e Chavín. O River visitava o Independiente e não se inibiu, abrindo o placar com Chavín. Ficou-se em um 1-1 truncado e pouco elogiado pela imprensa.

O River folgou na quinta rodada e para a sexta, Moretto volto ao gol e Simmons, à zaga. O defensor não foi feliz, propiciando um pênalti ao Sportivo Buenos Aires ao usar a mão e terminar depois expulso pela exibição brusca. Na linha média, Pablo Simona era a novidade, para o lugar de Echenique. O ataque voltou à formação Arroyuelo, Laiolo, Santambroggio, Rofrano (que abriu o placar com 4 minutos) e Chavín. O adversário até arrancava uma virada dentro de La Boca, mas o River achou o empate aos 38 do segundo tempo, com um pênalti favorável convertido por Arroyuelo.

Para receber o Vélez (um duelo que não opôs La Banda Roja com La V Azulada como se presume hoje em dia, pois o adversário também tinha como camisa principal uma tricolor, similar à do Fluminense), Moretto foi mantido no gol. Com a suspensão de Simmons, o veterano Chiappe voltou à zaga. Echenique também recuperou seu posto. No ataque, a mudança foi Emilio Medone no lugar de Arroyuelo. Aproveitando uma furada da zaga velezana, Laiolo abriu o placar, mas os visitantes empataram. O jogo foi marcado por incidentes durante e depois, havendo notícias de vandalismo na confeitaria riverplatense, com a polícia tendo de intervir “enquanto o dono do negócio pedia a vozes o pagamento de taças, pratos e cadeiras entortadas e objetos desaparecidos durante a briga”.

Os pontos desperdiçados em casa foram compensados com a vitória mínima fora sobre o Ferro Carril Oeste (gol de Laiolo), especialmente pela circunstância do lateral Echenique deixar os darseneros com dez após precisar sair para atendimento médico (não se permitiam substituições) ao dividir uma bola com o adversário Barbera. Crotti, Simmons e Chiappe, Atilio Peruzzi (a novidade da tarde), García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Santambroggio, Rofrano e Medoni foram os titulares que reencontraram a vitória. Depois, Crotti, Chiappe e Simmons, Taramasso, García e Echenique, Medoni, Laiolo, Arroyuelo, Rofrano e Chavín surraram desde os 3 minutos de jogo o Barracas Central. Aos 18, já haviam marcado duas vezes nos 3-0 em casa (Laiolo, Chavín e novamente Laiolo).

O River já liderava bem àquela altura e fez outra exibição de campeão em seguida, um categórico 5-1 em tarde de frio fora de casa sobre o Platense – curiosamente, o time de Núñez naqueles tempos. Crotti, Chiappe e Simmons, Giúdice, García e Echenique, Santambroggio, Laiolo, Arroyuelo, Rofrano e Chavín já começaram acertando o travessão. Ao fim, Rofrano e Laiolo marcaram cada um duas vezes e Chavín, outra, para um torcedora riverplatense que seguia o time há nove anos “rasgar as luvas de tanto aplaudir”. Em casa, Chavín e Giúdice anotaram ainda no primeiro tempo os 2-0 sobre o Estudiantes de Buenos Aires – o segundo, convertendo um pênalti observado pelo bandeirinha, que deixou o clubismo de lado: era Maximiliano Susán, o maior jogador que o adversário já teve. Crotti, Simmons e Giúdice, Taramasso, García e Echenique, Santambroggio, Laiolo, Arroyuelo, Rofrano e Chavín foram os vencedores.

O massagista Machín (atuante no River até os anos 60!), Choperena, Giúdice, Crotti, Taramasso, García e Simmons; Arroyuelo, Galanzino, Laiolo, Rofrano e Chavín

A mesmíssima onzena, contudo, sofreu então um primeiro revés, duro: 3-0 dentro de La Boca para um decadente San Isidro, que já começava a se focar mais no rúgbi (onde é o maior campeão portenho) mas abriu o placar já no primeiro minuto, com alguém chamado Cilley – sobrenome dos mais renomados na Argentina no esporte da bola oval. O resultado permitiu que o San Lorenzo se igualasse na liderança. Pois o River tratou de responder energicamente: escalando novamente os mesmos jogadores das duas rodadas anteriores, o clube deu de 4-0 em casa no Quilmes, ainda que demorasse todo o segundo tempo para assinalar a goleada (com dois de Rofrano e um de Laiolo e Chavín).

Em seguida, o River visitou o Defensores de Belgrano – o que significou outra curiosa situação de ser visitante em Núñez. A novidade estava no ataque, alinhado com Arroyuelo, o estreante Santiago Mantero, Laiolo, Rofrano e Chavín. Foi uma partida de “incidências desagradáveis” pelo jogo brusco mútuo, a render desfalques por lesões a ambos os lados. Ainda assim, o placar foi magro, vitória mínima dos visitantes em chute forte de Arroyuelo. O triunfo isolou-os na liderança, agora um ponto à frente do Racing (21 a 20), embora o gigante de Avellaneda ainda tivesse um jogo a menos. E eles fizeram na sequência o duelo direto.

Entusiasmo não faltou o público, a abarrotar os 10 mil lugares do estádio racinguista (calculando-se em dois mil a massa interessados que não puderam adentrar) de então, e nem aos times – que, contudo, pecaram pela falta de eficácia transparecida no 0-0 final. Para um jogo daquela magnitude, o experiente Ísola voltou ao gol. O resto do time-base foi mantido, com a outra alteração se resumindo ao estreante Víctor Bonadeo no lugar de Mantero. Em dado momento, os dois times jogaram com nove cada um, após lesões dos alvicelestes Alberto Ohaco e Natalio Perinetti e dos visitantes Rofrano e Bonadeo. Esse resultado pesaria bastante lá na frente.

O River pôde folgar a 15ª rodada. Na 16ª, para visitar o Estudiantil Porteño, Crotti já voltou ao gol e o River comportou-se “de uma forma que” fez “recordar suas épocas de apogeu”. A zaga com Simmons e Giúdice e a linha média com Taramasso, García e Echenique seguiam intactas, ao passo que no ataque o lesionado Chavín deu lugar ao estreante Héctor Rivas, completando um quinteto com Arroyuelo, Laiolo, Bonadeo e Rofrano – que abriu o placar com um golaço após livrar-se de vários marcadores e então fuzilar na marca do pênalti. Aos 43 do primeiro tempo, Laiolo soltou um outro chute forte, rasante, que o goleiro não segurou, para dar números finais.

Voltando a folgar na 17ª rodada, o líder bateu em pelo placar mínimo o Atlanta na 18ª – gol de cabeça do volante García logo aos 5 minutos (ou ainda aos 2, segundo outras fontes), aproveitando um escanteio. Mesmo sendo vitória magra, a exibição foi bastante elogiada por diversos meios. River e Racing tinham agora o mesmo número de partidas, preservando-se a vantagem de um ponto (25 a 24) da escalação Ísola, Simmons e Chiappe, Taramasso, García e Giúdice, Arroyuelo, Laiolo, Medoni, Rofrano e Chavín. Começou então o turno das revanches e o Gimnasia aproveitou sua chance, vencendo por 1-0 em La Plata a escalação Crotti, Simmones e Giúdice, Taramasso, García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Alfredo Garasini, Rofrano e Chavín.

A curiosidade fica para o estreante Garasini, justamente o artilheiro da primeira campanha campeã do Boca, no torneio vencido pelo rival em 1919. Ligado por quase toda a vida aos auriazuis (surgiu das inferiores, foi até goleiro improvisado e também defensor e faleceria em 1950 compondo a comissão técnica em um amistoso em Santa Fe), ele também integrou parte do bicampeonato que, em sua liga, os vizinhos conseguiram pelo certame próprio de 1920 e de fato não tardaria muito a retomar a seu verdadeiro lar – ainda assim, se tornou o primeiro jogador campeão argentino pela dupla. Mas, para o jogo seguinte, a escalação já era Ísola, Simmons e Giúdice, Taramasso, García e Echenique, Rivas, Laiolo, o estreante Armando Risso, Rofrano e Chavín.

River de 1918, com muitos dos outros jogadores presentes na campanha de 1920: Simmons, Peruzzi, García, Ísola, Chiappe e Pedro Calneggia, Ameal Pereyra, Laiolo, Roberto Brown, Rofrano e Martín Ortelli. Só os grifados não jogaram dois anos depois

A partida contra o San Lorenzo era outro duelo direto pela taça e ficou-se no 0-0, que, mesmo em La Boca, foi pior aos visitantes, estacionados nos 25 pontos. Por outro lado, as duas rodadas sem vitórias permitiram que o Racing se reigualasse ao River na liderança, com 27 – e dois jogos a menos. Ainda em La Boca, o River então passou o tratou no Sportivo Buenos Aires, em virada de 4-1. A novidade foi Luis Libera como quarto goleiro usado pelo futuro campeão na campanha. Chiappe e Giúdice, Taramasso, García e Echenique reforçavam a retaguarda, enquanto o ataque viu a estreia de José Ventura na meia-direita e de Fernando Roldán como centroavante; Arroyuelo, Rofrano e Chavín completaram o time da casa naquele 1º de agosto.

O primeiro tempo terminou em 1-1, com Ventura igualando já aos 40 em uma confusão na área. Os outros três gols vieram nos 20 minutos finais, com Roldán soltando um tiro forte em cruzamento de Chavín; outro de Ventura, aproveitando passe de Arroyuelo; e com García aproveitando outro escanteio. Ao invés de pegar o Platense na ordem do primeiro turno, o River inicialmente folgou no fim de semana da 22ª rodada, que marcou a entrada tardia do Lanús no campeonato. O jogo contra o Tigre também ficou para depois; o compromisso seguinte já foi contra o Independiente, e em 5 de setembro. Crotti, Simmons e Chiappe, Taramasso, García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Ventura, Rofrano e Chavín deram conta de vencer o Rojo por 3-1, também de virada, tudo ainda no primeiro tempo. Chavín, um gol contra do adversário Fernández e Rofrano marcaram.

Àquela altura, River e Racing tinham ambos 20 jogos e era o time de Avellaneda que liderava, por 33 a 31 – mesma pontuação do San Lorenzo, que tinha dois jogos a mais. O Atlanta, com 30, corria por fora, com o restante do pelotão já distante (melhor colocado dos outros times, o Vélez tinha 24 em tempos em que vitórias valiam dois pontos e não três). No decorrer da semana pós-jogo, foi a vez do Almagro também ser admitido no campeonato. A organização colocou logo os novatos na rota do River, agendando um duelo para 12 de setembro em La Boca.

Crotti, Simmons e Chiappe, Taramasso, García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Ventura, Rofrano e Chavín mostraram as credenciais com um seguro 2-0, gols de Ventura e García. A note triste foi o goleiro adversário Carlos Recanatini ter sofrido uma fratura na costela em choque com Ventura e Laiolo, logo aos 20 minutos de jogo, ainda com o placar zerado. Futuro astro da seleção, seu irmão Humberto Recanatini (zagueiro) improvisou-se na posição. Ao fim do domingo, o Racing, agora com 34 pontos, mantinha uma vantagem de dois para os darseneros. E o encontro seguinte foi novo duelo direto. O River seria o mandante, mas não usou seu campo em La Boca e sim o do Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires, uma instituição elitista (ainda) renomada mesmo que já não praticasse futebol.

E deu Racing: 2-0 ainda no primeiro tempo (gols de Alberto Marcovecchio, logo aos 5 e aos 35) contra Crotti, Simmons e Giúdice, Taramasso, García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Ventura, Rofrano e Chavín. Curiosamente, embora o resultado parecesse fazer do octacampeonato racinguista mais concreto que um inédito título riverplatense, sobrou espaço para cornetas à Academia, apontada como não mais regular como em outros tempos, do contrário teria construído uma goleada naquela tarde, em um jogo avaliado como pobre tecnicamente apesar de todo o interesse gerado. Com quatro pontos de desvantagem para o líder e ultrapassado até pelo San Lorenzo, o River não poderia mais dar-se ao luxo de perder.

E não deu.

Após aquela última derrota, em 19 de setembro, o River teve basicamente um mês para se recuperar, voltando a campo em 17 de outubro para visitar o Barracas Central usando a mesma escalação batida pelo Racing. Ainda não foi um duelo de todo auspicioso, igualado em 2-2 (dois gols de Rofrano para a visita). Mas dali a uma semana, novamente de visitante, a mesma escalação fez uma exibição digna de postulante à taça, com um 3-0 no Estudiantes de Buenos Aires – um gol de García e dois de Arroyuelo. Como o Racing só empatou com o Estudiantil Porteño, a desvantagem se reduziu a um ponto. Arroyuelo também marcou o único do compromisso seguinte, sobre o Tigre, em La Boca. A única alteração foi a volta de Chiappe ao lugar de Simmons. Ainda não bastava para tomar a dianteira do Racing.

Rara foto da campanha: o jogo contra o Independiente no primeiro turno

Em 11 de novembro, então, River e Vélez protagonizaram em La Boca um dos encontros “mais bravos e melhores do dia”, ainda que para uma plateia descrita como “escassa”. Crotti, Giúdice e o estreante Pedro Choperena, Taramasso, García e Echenique, Arroyuelo, o estreante Tomás Galanzino, Laiolo, Rofrano e Chavín começaram perdendo aos 5 minutos e a situação piorou com o 2-0 aos 16. Ainda no primeiro tempo, García diminuiu. E no segundo, só deu River: Laiolo empatou aos 8, Chavín virou aos 16 e Arroyuelo ainda teve anulado por impedimento aos 18 um quarto gol que acabou não fazendo falta na grande virada de 3-2 – que ainda serviu para reigular os darseneros ao Racing, que perdera na visita ao Platense: havia campeonato.

Em 21 de novembro, o River já reencontrou o Lanús e manteve a mesma escalação que se superara contra o Vélez. Na visita ao sul, construiu um seguro 2-0 no segundo tempo. Primeiramente, García aproveitou bom passe de Rofrano (avaliado como melhor em campo) e a dez minutos do fim Laiolo fez o segundo; na saída de bola, os grenás chegaram a marcar, mas um impedimento invalidou a reação. O Racing, em paralelo, apenas empatou em casa com o Atlanta. O River voltava ser líder isolado, com 42 pontos contra 40 de La Acadé. E reforçou isso com um 4-0 na visita ao San Isidro na 33ª rodada, que usou o estádio do Estudiantes de Buenos Aires. Ainda assim, noticiou-se que havia fiéis riverplatenses que invadiam o gramado a cada gol para abraçar os autores, que foram Chavín, duas vezes Laiolo e Rofrano. A escalação se mantinha, exceto pela volta de Simmons ao lugar de Choperena.

Em 5 de dezembro, o líder cumpriu seu jogo atrasado pela 22ª rodada, recebendo o Platense. Crotti, Choperena e Giúdice, Simmons, García e Echenique, Arroyuelo, Laiolo, Galanzino, Rofrano e Chavín seguiram triunfando, tanto no placar (2-0 já nos 15 minutos finais, gols de Arroyuelo e Chavín) como em eventuais pugilatos também noticiados contra o Tense. Três dias depois, o Estudiantil Porteño visitou La Boca.

Com a mesma onzena do dia 5, o líder aplicou um 3-1 de virada, tudo ainda no primeiro tempo – agora, com dois de Galanzino e um de Chavín. O jogo ficou marcado pela detenção do adversário Medina, que fraturou o nariz do árbitro Diez (avaliado como de bom desempenho na tarde). Em 19 de dezembro, o Atlanta, de bom campeonato, também alugou o estádio do Gimnasia de Buenos Aires para receber o líder (a manter novamente toda a escalação que virou sobre o Vélez), diante do interesse geral. Chavín marcou o único gol em tiro cruzado, após receber de Rofrano em cobrança de falta que, na realidade, deveria ter sido concedida ao adversário.

A imprensa já se perguntava “quem pode contra o River Plate?”. Bem, não foi o Defensores de Belgrano, para um jogo de 26 de dezembro. Àquela altura, só esse jogo e o do Racing continuavam a atrair grande público. A Academia, que já vinha de um feroz 7-0 no Tigre, chegou aos 50 pontos com um inapelável 6-0 no San Isidro. O River não maltratou tanto o Defe, mas dois gols de Galanzino (um em cada tempo) serviram para jogar o líder para 52 pontos. A única mudança na escalação foi o uso do reserva Libera no gol.

Sem tanto descanso pós-natal, também sem tanto descanso pós-virada: em 2 de janeiro de 1921, o Racing não arredava das chances matemáticas, com um 2-0 no Barracas Central. Aquela escalação afirmada na reta final, com Crotti de volta ao gol, contudo, deu de 3-0 no Ferro Carril Oeste: dois gols de Arroyuelo e outro de Laiolo, em outro dia em que a visita foi indigesta à arbitragem: ao ameaçar ordenar a expulsão dos verdolagas Briola e Barbera se mantivessem o jogo duro, o Sr. Lorenzo Martínez (que já havia expulsado o visitante Pini) levou um chute de um e um soco do outro, suspendendo a partida aos 15 minutos do segundo tempo – e terminou criticado por não ter sido enérgico mais cedo.

River1920-03
Cándido García nos anos 30, já aposentado, com a camisa tricolor, mantida como uniforme reserva, como demonstram Pedernera e Moreno (anos 40), Passarella (70), Francescoli (80), Sorín (90) e Mascherano (anos 2000)

Para a rodada final naquele 9 de janeiro, o Quilmes, apenas 10º colocado, prometia energia extra para segurar em sua casa o River. O Racing buscou fazer sua parte, triunfando longe de Avellaneda sobre o Almagro, em uma sétima vitória seguida para La Academia. Mas, reeditando a escalação da rodada anterior, os darseneros conseguiram simplesmente um 12ª triunfo consecutivo (no profissionalismo, por exemplo, só o San Lorenzo de 2001 superou essa marca).

Para tanto, contaram até com reza da mãe do capitão Jacinto Giúdice, que ao despedir-se dele antes daquela decisão, avisou-lhe que nada mais faria por toda aquela tarde a não ser orar para que o rebento retornasse à casa como campeão. Giúdice faria do ritual um hábito, a ponto de, quando tornou-se nos anos 30 só mais um torcedor riverplatense, ir rezar nas igrejas dos bairros onde o River iria jogar.

Se Galanzino era no ataque a formiga que ia e voltava para os outros quatro compartilharem gols sem egoísmo (ao todo, o motor Arroyuelo fez onze gols, o veloz Chavín e o “falso-lento” Rofrano acumularam doze e o virtuoso Laiolo, treze) e García era um volante, a ocasião especial presenteou os dois. Aos 35 minutos, o bom jogo aéreo de García abriu o placar, cabeceando cruzamento de Arroyuelo. Prêmio a um dos primeiros volantes que, além de proteger a defesa, se arriscava a subir ao ataque: fez ao todo sete gols no campeonato e já se destacava precocemente – estreou com apenas 16 anos no time adulto do River (Atilio Badaracco, o titular, havia faltado e García, que se banhava após jogar pelos juvenis, pegou a camisa suada para enfrentar o Comercio), idade em que também marcou naquele 1913 o primeiro gol do primeiro Superclásico da elite argentina.

Um dos primeiros símbolos do River, García defenderia o clube até 1927. Sua dupla no meio, o lateral-esquerdo Simmons, já defendia o River naqueles idos de 1913 também. Eles e o centroavante Laiolo se destacaram a tempo de serem usados pela seleção argentina antes da cisão de 1919, momento a partir do qual ela só passou a chamar gente dos clubes da associação original até a reunificação das ligas, em 1927. Também da velha guarda, Ameal e Peruzzi, embora praticamente nulos em 1920, remanesciam daquela Copa Competencia de 1914; é de Peruzzi a camisa da imagem que abre a matéria. Os veteranos mais icônico, claro, eram Chiappe e Ísola, que até participaria dos dez minutos iniciais do jogo-despedida da lenda Ángel Labruna em 1959, quando então deu lugar à estrela Amadeo Carrizo.

Mas e Galanzino? Esse meia, que somou apenas quatro gols na campanha, fechou o placar logo no primeiro minuto do segundo tempo, aproveitando rebote do goleiro rival para La Boca festejar por completo, pois naquele 9 de janeiro o Boca Juniors também sagrava-se campeão de 1920, na sua liga. Com menos concorrência nela, o vizinho conseguiria acumular ao todo seis títulos até a unificação das federações. O River ficou apenas naquele, embora ainda fosse vice em 1921 e terceiro em 1922, com uma concorrência mais qualificada. Assim,  sentindo-se grande demais para La Boca, mudou-se em 1923 para a zona norte, inicialmente para o bairro de Palermo (em terreno hoje pertencente ao da Recoleta, na esquina das ruas Alvear e Tagle): falamos aqui.

De todo modo, o caráter especial do título de 1920 se traduz também na certa demora para uma reconquista, que aguardaria até o ano de 1932 – quando, já enriquecido, o clube fez aquela que foi a mais cara contratação mundial no futebol por mais de vinte anos. Ao mesmo tempo, voltava a usar a faixa diagonal. E, completando a nova roupagem, angariou outro traço característico: o apelido Los Millonarios. Uma outra história, que contamos neste outro Especial.

Para mais detalhes da conquista centenária vale ampliar as imagens carregadas no Twitter pela conta @MuseoRiver, em busca cronológica pela #RiverCampeón1920: ao aniversário de cem anos de cada partida, a conta do museu oficial do Millo subiu recortes de jornais (ainda que na ampla maioria não identificasse os periódicos), de onde tiramos as aspas dessa nota. Abaixo, a ficha mais recente:

https://twitter.com/MuseoRiver/status/1347929433655619584

https://twitter.com/RiverPlate/status/1347952345867550726

https://twitter.com/MuseoRiver/status/1348004322488016900

https://twitter.com/MuseoRiver/status/1347974624752099328

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

4 thoughts on “Cem anos do 1º título argentino do River, maior campeão nacional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois + dezessete =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.