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15 anos sem o gremista Néstor Scotta, autor do 1º gol do Brasileirão 71

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Scotta ainda visto como dono da marca, em Placar de 2002

“Um chato que não deixa de correr atrás da bola um segundo, e chuta bem no gol, de qualquer lugar” foi a descrição feita pela Placar sobre a atuação de Néstor Leonel Scotta pelo Grêmio em um 3-0 no bicampeão paulista São Paulo, em pleno Morumbi, naquele 7 de agosto de 1971. Curioso: até 2010, foi oficialmente de um argentino o primeiro gol do campeonato brasileiro. Tal marca logicamente persiste para os que se opõem à unificação canetada pela CBF há pouco mais de meia década, mas La Tola Scotta ainda não perdeu um recorde único para um jogador argentino na Libertadores. Hora de relembra-lo.

Há cerca de dez dias, falamos de seu irmão: Héctor Scotta, El Gringo, bem mais célebre na Argentina, em razão de um recorde de gols em um único ano no futebol de lá (60 em 1975: clique aqui e saiba mais). Os dois começaram no Unión de Santa Fe. Mais velho, Néstor ascendeu antes ao time principal e destacou-se como o artilheiro do Tatengue no nacional de 1969, com sete gols – um deles, no 1-0 sobre o Colón, valeu a primeira vitória ocorrida em um clássico de Santa Fe pela elite argentina. O desempenho levou-o ao River no ano seguinte, enquanto o irmão era ascendido ao elenco principal do Unión. Jamais puderam jogar juntos a não ser na San Justo natal, no interior santafesino, com outros dois irmãos.

O Scotta mais velho não se deu tão bem inicialmente na mudança. Fez só quatro gols no Metropolitano de 1970. O pior é que o River vivia jejum de treze anos, que chegaria a dezoito. Uma seca que ficou a dez minutos de se encerrar naquele campeonato: concorria com o Independiente, e na última rodada precisava vencer e torcer no máximo por um empate do Rojo, que travaria fora de casa nada menos que o clássico com um Racing ainda forte. O River goleou (o Unión, por sinal: 6-0. O ex-clube de Scotta foi rebaixado), mas o Independiente ganhou de virada aos 36 minutos do segundo tempo. Terminaram empatados na liderança, mas o concorrente levou por ter um gol de diferença a mais (43 a 42).

Veio o técnico brasileiro Didi, que preferiu apostar no prata-da-casa Carlos Morete para a titularidade. Os millonarios então emprestaram dois jogadores ao Grêmio em 1971: Scotta e o meia Carlos Chamaco Rodríguez. Rodríguez virou folclore, o inábil mas raçudo Scotta não. Desempenhou-se como descrito pela Placar no início, bem ao jeito do que gosta a torcida tricolor. Em maio, na amistosa Taça do Atlântico, chegou a marcar nos 2-0 sobre o próprio River e em um 2-1 no Nacional – que naquele ano venceria não só o Uruguaião como também, pela primeira vez, a Libertadores e o Mundial.

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No Unión e nas duas etapas no River, em 1970 e em 1972 (com o irmão Héctor, do San Lorenzo)

O recém-chegado atacante argentino sobrepujou o ídolo gremista Alcindo para formar o ataque titular com os pontas Caio e Loivo e fez sua parte. Scotta não conseguiu o título estadual em meio à série de oito taças seguidas do Internacional, apesar das duas vitórias e dois empates em quatro clássicos no Gauchão. O terceiro clássico foi um 0-0 no octagonal final e Scotta, previamente suspenso, “fez uma falta danada”, em outra conclusão da Placar. No returno do octagonal, ele marcou nos 3-1 sobre o Inter, que ainda assim somaria adiante três pontos a mais. Aquela foi a última vitória gremista no clássico até 1975, rendendo o maior tabu dos Grenais (17 jogos).

Três dias depois daquele dérbi, veio a estreia do Brasileirão. E Scotta marcou não só o primeiro gol, aos 10 minutos de jogo, vencendo a disputa com Edson para receber na entrada da área um lançamento de Torino e chutar forte, no canto de Sérgio; como também o segundo gol gremista, já aos 36 do segundo tempo, tabelando com Flecha, entrando livre na área para tocar a bola no canto na saída de Sérgio. Os gaúchos fariam ainda mais um, com o próprio Flecha, em um duelo temperado pela rivalidade platina – os paulistas se alinhavam com os uruguaios Pablo Forlán e Pedro Rocha enquanto que o Grêmio usou também Chamaco Rodríguez.

Scotta foi avaliado com nota 8 e mesmo depois da rodada inicial continuou liderando a artilharia por mais algumas. À altura de outubro, ressaltava, porém: “não sou centroavante. Eu gosto é de buscar a bola e largar para o centroavante. Só fiz 4 gols”. O argentino, ao fim, ficaria em sexto na artilharia geral e em primeiro na artilharia do elenco gremista. Não fez mais pois, ainda em outubro, sofreu uma torsão, perdendo vinte dias. Scotta havia sido emprestado por 25 mil cruzeiros e o Grêmio quis compra-lo em definitivo, mas o River recusou e o atacante regressou a Núñez.

Didi caiu após sucessivas derrotas, mas Morete se impôs na titularidade da forma mais contundente possível: fazendo os dois últimos gols de uma vitória por 5-4 do River sobre o Boca – o River estava perdendo por 4-2, “e aos 5 minutos [do segundo tempo] vejo o finado Néstor Scotta aquecendo e pensei ‘tchau, me limpam’, por quem ia entrar outro camisa 9? Metemos o 4-3 e eu o 4-4, outra substituição foi feita e no último minuto meti o quinto. Coisas da vida”, nas palavras do próprio Morete, que viria a ser o artilheiro da campanha na qual o Millo enfim quebraria o jejum, em 1975 (saiba mais).

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Em 1971: nos 3-0 sobre o São Paulo, palavras daquela partida e a lesão que lhe impediu de destacar-se ainda mais pelo Grêmio

Em 1973, o River comprou do Racing o defensor de seleção Enrique Wolff e usou aquele atacante reserva de dez gols em 43 jogos como parte do pagamento. Em Avellaneda, Scotta foi bem melhor. Fez oito gols apenas no Torneio Nacional de 1973 e onze no Nacional, onde foi o terceiro artilheiro (empatado com Mario Kempes). No Metropolitano de 1974, a Academia perdeu por um mísero ponto a classificação ao quadrangular final e Scotta esteve novamente no Top 5 de artilheiros do Torneio Nacional.

Individualmente, 1975 também foi bom para o atacante. Contra os grandes, só não vazou o San Lorenzo, onde já brilhava o irmão Héctor. Marcou inclusive duas vezes no Independiente – aliás, já havia marcado em 1973 e em 1974 no Clásico de Avellaneda. Quem não ajudava muito era o Racing, que só venceu um desses encontros com os grandes (o 2-1 no Boca, com Scotta fazendo o da vitória em La Bombonera – os alvicelestes demorariam vinte anos para conseguir novo triunfo sobre os auriazuis lá: confira), perdeu do River de 3-2, e com o Independiente levou de 5-1 em casa e empatou em 1-1.

A Academia foi só 16ª de 20 times no Metropolitano e 5ª em um grupo de oito no Nacional. Não ganhava nem mesmo quando La Tola marcava três vezes, como nos 4-4 com Banfield e Gimnasia LP. Já Scotta foi mencionado até no oscarizado filme O Segredo dos seus Olhos, cuja antológica cena do futebol entre Racing e Huracán só poderia ter ocorrido naquele 1975, conforme contamos neste outro Especial (o Huracán, aliás, foi vice-campeão argentino em 1975, sofrendo gol de Scotta no caminho).

O bom desempenho levou o atacante ao rico narcofútbol colombiano. Scotta deixou o Racing com cerca de meio gol por jogo (63 em 127 partidas. Mais gols em números absolutos e relativos que Diego Milito, por exemplo), desempenho dos mais expressivos considerando a má fase que a Academia já passava. Dentre os cânticos que recebeu dos alvicelestes, “Dale Tola, Dale Tola y al que no le guste el Tola que le chupe bien las bolas” e “Racing toca, Racing toca y los goles los hace Scotta“. Sem seu artilheiro, o desempenho racinguista despencaria ainda mais em 1976: só um ponto o livrou do rebaixamento.

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Onde mais teve destaque: Racing, Deportivo Cali e Temperley

O argentino foi fazer mais história no Deportivo Cali do técnico Carlos Bilardo. Pelos alviverdes, foi o artilheiro da Libertadores de 1977 e 1978. Até hoje, é o único hermano artilheiro duas vezes da competição, seja de forma alternada ou seguida. Com os gols dele, o Deportivo se tornou o primeiro colombiano a decidir o torneio, em 1978, mas não pôde com o Boca nas semifinais de 1977 e naquela final inédita. Na campanha de 1978, Scotta e colegas venceram dentro e fora de casa gente experiente no torneio como Peñarol e Cerro Porteño (que levou de 4-0 em Assunção com dois do argentino – vale ressaltar que sete dos goleados venceriam no ano seguinte a Copa América pelo Paraguai).

Após mais um ano na Colômbia (marcou no 1-0 sobre o Independiente na Libertadores de 1979), Scotta não mais tão letal, voltando a ser ponta quando voltou à Argentina. No Platense, somou três gols no Metropolitano de 1981 – dentre eles, no 2-1 no Independiente e no 2-2 com o Argentinos Jrs, confronto que virava clássico para o Tense. Scotta recuperou destaque no Temperley: subiu com os celestes na segunda divisão em 1982 e esteve na melhor campanha do Gasolero na elite, o 3º lugar no Nacional de 1983 – o clube caiu na semifinal para o futuro campeão Estudiantes. O veterano fez gols tanto em Boca (um 3-0 fora de casa) como o único da vitória sobre seu velho River.

O atacante, porém, voltou às divisões inferiores em 1984. Primeiramente, virou a casaca em Santa Fe para defender o rival do Unión, mas não foi tão bem no Colón. Já em 1985 e 1986, defenderia o Estudiantes de Buenos Aires, curiosamente o tradicional rival do amigo argentino do Grêmio, o Almagro – chegou a marcar em um 2-0 no encontro com o All Boys, onde àquela altura jogava o irmão Héctor. La Tola ainda defenderia o Excursionistas de Bajo Belgrano antes de parar de jogar.

Uma de suas últimas aparições públicas foi em 3 de dezembro de 1999, na festa organizada pelo River para celebrar o autoproclamado título de “campeão do século XX”. Apesar da passagem irregular lá, Scotta foi um dos convidados para a partida festiva de ex-jogadores – estava trabalhando como técnico dos infantis do clube. Em 8 de janeiro de 2001, infelizmente, faleceu em acidente de carro.

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Reportagem de 1975 com os irmãos Scotta, quando chegaram a liderar juntos a artilharia. Clique para ver ampliado

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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