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20 anos do maluco Racing 6-4 Boca na Bombonera, no dia da eleição de Macri

Capria
Foto simbólica: Capria ofusca Maradona, atrás dele (Dieguito, distinguido também pela faixa de capitão, usava uma mecha loira na lateral do cabelo)

Em uma semana, no dia 10, Mauricio Macri será empossado presidente da Argentina. Há exatos vinte anos, se elegia presidente do Boca, fator que o catapultaria ao grande público. Foi o presidente mais vitorioso do clube, mas aquela tarde de 3 de dezembro de 1995 não terminaria tão auspiciosa. Recém-reforçado com Diego Maradona e Claudio Caniggia, o Boca se encaminhava a um título lendário. Era líder invicto a três rodadas do final, já tendo pinta de campeão nacional, coisa que só havia conseguido uma vez nos quatorze anos anteriores. Em casa, estava invicto contra o Racing havia outros vinte anos, desde 1975. Mas levou da Academia a mesma quantidade de gols sofridas até ali no torneio!

Já contamos parte dessa história em especiais recentes dedicados ao próprio Macri (clique aqui) e ao retorno de Maradona ao Boca em 1995 (aqui), operado após terminar a suspensão do astro por doping na Copa de 1994. A ironia é que Maradona começou 1995 trabalhando justamente no Racing, como técnico. Não fez sucesso na função, mas era tolerado sob a expectativa de que ao fim da suspensão se convertesse em jogador blanquiceleste, o que de fato chegara a ocorrer em ao menos um amistoso (veja aqui). Mas 1995 também teve eleições presidenciais no time de Avellaneda e, dizendo-se fiel ao presidente que o trouxera, não-reeleito, Diego pediu para sair.

A suspensão só deixou que Maradona estreasse na sétima rodada, mas além de Caniggia vieram Kily González e o velho ídolo Blas Giunta, de volta do México por forte insistência de Maradona perante a diretoria para um grupo que já tinha Sergio Martínez, Alberto Márcico, Carlos Navarro Montoya e Carlos MacAllister (que será ministro de esportes na presidência argentina de Macri), remanescentes do título nacional anterior, em 1992. O técnico era outro ídolo, Silvio Marzolini, não só brilhante lateral nos anos 60, eleito o melhor em sua posição na Copa de 1966, como também técnico do penúltimo título nacional xeneize, o maradoniano Metropolitano de 1981. Apostava-se na velha parceria.

Na primeira temporada em que a vitória passou a valor definitivamente três pontos, o Boca havia vencido dois jogos e empatado quatro. Assim, apesar de invicto, o líder era o Vélez de Carlos Bianchi, que começou o torneio apenas quatro dias depois de ter sido eliminado pelo River na Libertadores. “Agora vamos pelo Apertura”, resignou-se Bianchi. A única grande mexida na equipe-base fortinera foi a saída de Roberto Pompei (para o Racing, por sinal), reposto com o retorno de Patricio Camps, que estava emprestado ao Banfield, justamente o primeiro adversário. Nos cinco primeiros jogos, quatro vitórias, um empate, 13 pontos em 15 possíveis e liderança isolada.

Delgado
Delgado encobre Navarro Montoya para fazer o segundo e comemora

Porém, da sexta à oitava o quadro de Liniers perdeu três partidas seguidas, série que começou em derrota em casa para o Deportivo Español em tarde com polêmica expulsão do goleirão José Luis Chilavert: queria cobrar fora da área uma reposição de bola, desobedecendo a orientação do juiz Horacio Elizondo, que o advertiu com o amarelo. E, em seguida, o vermelho, após gestos do paraguaio.

Enquanto o Vélez adentrava em pequena má fase, o Boca, agora com Maradona, engatinhava e roubava a liderança. Nos seis primeiros jogos com a estrela, foram cinco vitórias e um empate. Um dos triunfos, na 13ª rodada, foi exatamente contra o Vélez, que estava três pontos atrás e era o único perseguidor dos auriazuis. Com ares de final antecipada, Darío Scotto fez o único gol que ampliou para seis pontos a vantagem boquense. Bianchi era otimista, porém, declarando à imprensa que “não se tem dramatizar essa derrota. Nem tudo está perdido. Já tivemos uma série negativa de três jogos e, apesar disso, continuamos sendo protagonistas”.

Aos jogadores, El Virrey foi direto ao ponto, mas igualmente otimista: “senhores, agora não nos há outra opção senão ganhar todas as partidas que restam. Se o fazermos, somos campeões”, segundo depoimento do atacante José “Turu” Flores. Vale lembrar que, três rodadas antes daquela derrota, o time havia perdido para o resto do campeonato o atacante Omar Asad, lesionado gravemente no clássico com o Ferro Carril Oeste (vencido justamente com gol de Asad). El Turco jamais voltaria a ser o mesmo avante decisivo nos torneios internacionais ganhos no ano anterior.

Após vencer o Vélez, o Boca derrotou também o Banfield, fora de casa. Mas aí deixou escapar pontos preciosos: 0-0 em casa com o Rosario Central e 0-0 no Superclásico com o River. Já o Vélez vinha cumprindo à risca a determinação de Bianchi, ganhando tudo e espreitando a liderança. Estava dois pontos atrás antes da rodada daquele 3 de dezembro de 1995.

brindisi
O técnico Brindisi, quase campeão naquele 1995 pelos arquirrivais Independiente e Racing. Só conseguiu nos Rojos. À direita, cumprimentado pelo ex-parceiro Maradona após aqueles 6-4

Já o Racing também chegava perto. Pedro Marchetta foi inicialmente o sucessor de Maradona como técnico, mas foi sob Miguel Ángel Brindisi que a Academia engrenou – curiosamente, Brindisi havia sucedido Marchetta também no Independiente. Ex-jogador racinguista, Brindisi havia brilhado treinando justo o arquirrival Independiente: em 1994, levantara o Clausura e a Supercopa com um belo futebol. Naquele 1995, também a Recopa. Miguelito esteve perto de ser, no mesmo ano, campeão nas duas forças de Avellaneda. Outra ironia é que Brindisi também era ídolo no Boca, sendo o grande parceiro de Maradona naquele título do Metropolitano 1981. Falamos aqui.

Outras recentes incorporações do Racing logo viraram ídolos: o atacante Marcelo Delgado, do futebol mexicano, e o armador Rubén Capria, trazido do Estudiantes recém-campeão da segundona. Apelidado de El Mago, foi um dos mais habilidosos jogadores argentinos jamais aproveitados na seleção (seu irmão Diego chegou a jogar no Atlético Mineiro) e, ironia, era sondado pelo Boca a qual arruinaria até o clube resgatar Maradona. Com os dois, o instável ponta Claudio López, aplaudido e xingado em proporções parecidas, enfim conseguiu melhor regularidade para também despedir-se bastante querido ao sair, dali a um ano (ele somaria 17 gols na temporada 1995-96). O Racing estava cinco pontos atrás do Boca antes daquela tarde. E esse trio fez os visitantes sonharem.

Era a antepenúltima rodada e até então o Boca havia sofrido seis gols no campeonato inteiro. Mas levou metade dessa quantidade em apenas doze minutos. Capria iniciou a atuação de gala de sua mágica canhota com uma bomba em rebote certeiro no alto aos três minutos. Aos dez, Delgado, posteriormente ídolo no próprio Boca (decisivo nas finais contra o Santos na Libertadores de 2003), veio em velocidade e encobriu Navarro Montoya. Dois minutos depois, El Piojo López se insinuou entre Néstor Fabbri e Fernando Gamboa e tocou por baixo do corpo do goleiro boquense.

A plateia, incrédula, foi se aliviando: aos 21 minutos, o racinguista Sergio Zanetti foi expulso. Marzolini então arriscou, tirando o defensor Julio Saldaña e colocando mais um atacante, o camaronês Alphonse Tchami. O boquense Giunta foi expulso aos 35, mas, de pênalti, Maradona diminuiu para 3-2 aos 44 minutos. Tchami fora derrubado na grande área após passe milimétrico de Dieguito.

López
Redenção para o ainda contestado Claudio López, autor de dois gols. O lance é o do primeiro deles

Só que aos 15 do segundo tempo a vantagem racinguista já era novamente de três gols. Capria havia sido certeiro em chute rasteiro de fora da área logo aos 2 e, aos 15, emendou de cabeça cruzamento do saudoso Néstor de Vicente, habilitado de calcanhar em triangulação com Claudio López. A doze minutos do fim, Sergio Martínez descontou para 5-3, inutilmente: López recolocou os três gols de vantagem com um toque sutil de fora da área que ainda bateu na trave antes da bola entrar, já aos 41 minutos do segundo tempo. Scotto, sem ângulo pela ponta direita,  diminuiu um pouco o vexame aos 44 e só. Craque da tarde, Capria esnobou o feito: “depois queriam que em todas as partidas fizesse três gols e jogasse assim. Me prejudicou um pouco”.

Quem muito se aproveitou foi o Vélez, que na mesma rodada bateu fora de casa o San Lorenzo para roubar a liderança. E, de quase campeão, aquele Boca perdeu as chances de título já na rodada seguinte. Perdeu por 2-1 para o Estudiantes em La Plata, o que significou apenas dois pontos somados nos últimos doze disputados. O Vélez abria quatro pontos de vantagem sobre os auriazuis, ao vencer o Belgrano. O Fortín só não era já campeão pois o Racing, sonhando (não era campeão nacional desde 1966), venceu o Gimnasia LP e ficou três pontos atrás do time de Carlos Bianchi.

Restava ao Racing vencer e torcer por derrota velezana. Ambos jogariam fora de casa. López abriu o marcador em Santa Fe contra o Colón. Mas o Vélez também vencia, e desde os cinco minutos: o lateral Roberto Trotta fez de pênalti (foi o curioso artilheiro do elenco campeão, com sete gols). Aos 26 do segundo tempo das duas partidas, o sonho ruiu de vez. Foi quando o Vélez fez o segundo e o Colón empatou. A torneira, assim, se abriu em Santa Fe, com os alvicelestes massacrados por 5-1.

O time de Bianchi fez mais um, completando fabulosas seis vitórias nos últimos seis jogos, os seis jogos seguintes àquela derrota que parecia tão fatal contra o Boca. O Boca, aliás, nem em terceiro ficou, empatando na última rodada com o Deportivo Español e sendo ultrapassado pelo Lanús nos critérios de desempate. O Racing ficou no vice, que lhe colocaria na Libertadores de 1997, onde só parou nas semifinais (falamos aqui). O time que perdeu por 3-0 em casa para o Vélez e assim ruiu a pretensão da Academia foi o arquirrival racinguista, o Independiente. Que já havia invertido os festejos em Avellaneda apenas três dias depois daquele sonhador 6-4. Contaremos a razão no próximo domingo, dia 6 de dezembro.

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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