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Héctor Baley, o argentino negro campeão mundial na Copa de 1978

Com atualizações em 30 de junho de 2022, a partir desta entrevista dada nessa data ao La Nación

Nascido em 16 de novembro de 1950, Héctor Rodolfo Baley completa hoje 65 anos. Data propícia para relembrarmos um daqueles curiosos goleiros capazes das defesas mais difíceis mas também de sofrer gols bobos. Não é tão lembrado fora da Argentina pois, embora presente em duas Copas do Mundo e campeão em uma delas, não jogou nenhum minuto, na reserva do mito Ubaldo Fillol. Assim, sua fama no exterior deve-se mais pelo fato de ser um raro argentino negro de destaque no futebol. Ou, mais precisamente, mulato: neto paterno de um senegalês, tinha como mãe uma loira de olhos verdes.

A pele de todo modo escura, especialmente para os padrões argentinos, lhe rendeu o apelido de El Chocolate, que ironicamente nasceu em uma cidade chamada Ingeniero White – que, por outra ironia, situa-se em uma municipalidade chamada Bahía Blanca, onde aquele avô paterno se instalara após vir do Brasil para trabalhar na construção do porto local. Baley herdou a profissão e a posição do pai, Walter, goleiro do Puerto Comercial de Ingeniero White e da seleção regional de Bahía Blanca; foi mesmo pressionado pelo pai a também jogar entre as traves. Começou nos juvenis do próprio Puerto Comercial, e ainda nas categorias de base acabou aprovado em testes que fez no Estudiantes.

Rara imagem de Baley pelo Estudiantes: era o terceiro goleiro do elenco tri da Libertadores nos anos 60, sem chegar a entrar em campo nas campanhas

Amante das pescas, sofreu para se acostumar a um estranho ambiente urbano sem conhecidos. E demorou para ter oportunidades concretas, embora até estreasse com 18 anos recém-completados na equipe principal. Foi em 12 de dezembro de 1968, na rodada final do Torneio Nacional, em derrota de 3-2 fora de casa para o Belgrano. Mas o elenco utilizado foi totalmente reserva, o que incluiu outro futuro vencedor da Copa 1978, Rubén Pagnanini, e até mesmo o treinador: na súmula constou Juan Urriolabeitia e não o real comandante pincha, Osvaldo Zubeldía.

A folga tinha suas razões de ser: Zubeldía e pupilos haviam ao longo de 1968 vencido a Libertadores em maio, sido vice-campeões do Torneio Metropolitano em agosto e erguido o Mundial em outubro. Zubeldía, aliás, também era do interior e transmitiu ao garoto Baley suas experiências para encoraja-lo a perseverar. Era preciso mesmo: naquela fase áurea em que o clube chegou a quatro finais seguidas de Libertadores entre 1968 e 1971, vencendo as três primeiras, os goleiros eternizados foram outros: Alberto Poletti nas conquistas de 1968 e 1969, Néstor Errea na de 1970 e Carlos Leone no vice em 1971. Baley inicialmente era apenas o terceiro goleiro, com Mario Flores sendo o reserva imediato entre 1967 e 1969 e Oscar Pezzano em 1970 e 1971.

No Colón, pelo qual estreou na seleção: ele, Rodolfo Zimmerman, Rubén Aráoz, Hugo Villaverde, Enzo Trossero e Edgar Fernández; Mario Lamberti, Ernesto Álvarez, Salvador Pasini, Carlos López e Hugo Coscia

Foi preciso aguardar o fim daquele ciclo para que El Chocolate (apelido que ele ganhara ainda no Estudiantes) ganhasse lugar: sua participação na 9ª rodada do Torneio Nacional de 1971 foi simplesmente justamente sua primeira partida competitiva pela equipe principal desde daquela estreia em 1968, após duas temporadas seguidas tendo de contentar-se em ser pontualmente relacionado ao banco de reservas. O Estudiantes, já treinado por Miguel Ignomiriello, venceu por 5-3 o Colón dentro de Santa Fe em 14 de novembro e adiante Baley atuou também nas duas rodadas seguintes, auspiciosas: 4-0 no forte Chacarita da época e um inapelável 5-1 sobre o rival Gimnasia. Mas foi só: Leone foi dono absoluto da meta em 1972, sem que o bahiense atuasse uma só vez entre Metropolitano e Nacional.

Lembrando bem dele, o Colón contratou-o e Baley enfim deslanchou: sabia jogar com os dois pés e sua marca registrada era arriscar-se para antecipar-se a cruzamentos ou outros botes adversários. Interceptou várias tentativas de gol, mesmo que levasse outros tantos, por vezes bobos, quando não chegava. Mas no rubronegro de Santa Fe, formou aquela que é considerada a melhor defesa da história sabalera, protegido pelos laterais Ernesto Aráos e Edgar Fernández e pelos zagueiros Hugo Villaverde e Enzo Trossero – estes dois fariam história juntos também no Independiente nos anos 70 e 80. O Colón fez 110 anos neste 2015 e contamos um pouco de sua história através de 11 jogadores, um por posição, e escolhemos Baley como o goleiro: clique aqui.

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Em dois momentos pelo belo Huracán dos anos 70 – o terceiro e quarto agachados também venceriam a Copa 1978: Osvaldo Ardiles e Omar Larrosa

César Menotti assumiu a seleção após a Copa de 1974 e promoveu como nenhum outro testes de jogadores do interior argentino. O país vivia safra dourada de grandes jogadores (mesmo a maioria dos campeões da Copa de 1986 iniciou-se ainda nos anos 70) e seus rincões adentro não eram exceção. Baley estreou em um 6-0 nos EUA, substituindo no decorrer da partida Ricardo La Volpe. Em 1976, outra equipe que vivia grande momento era o Huracán. Em 1973, o Globo havia, após 45 anos, sido campeão argentino novamente (Menotti era o técnico e essa façanha é que credenciou-o a ir treinar a seleção), havia sido a base da seleção na Copa de 1974 e em 1975 beliscara nova taça, ficando no vice para o River.

A equipe de Parque de los Patricios, com o recém-chegado, teve outro grande ano. No Metropolitano, foi novamente vice-campeã, agora para o Boca, embora ironicamente tenha somado nove pontos a mais que os auriazuis ao se levar em conta a pontuação de todas as fases. O ano de 1976 é lembrado pela torcida huracanense também pelas cinco vitórias nos cinco clássicos com o San Lorenzo, um 100% de aproveitamento não vivenciado por qualquer outro clube argentino em tantos dérbis no espaço de um ano.

Em um dos amistosos de 1977: Daniel Passarella, René Houseman, Daniel Killer, Vicente Pernía, Baley e Jorge Carrascosa; Américo Gallego, Osvaldo Ardiles, Leopoldo Luque, Omar Larrosa e Pedro González

El Chocolate esteve em quatro desses clássicos e, anos depois, figuraria até em música que abordava a boa fase dos quemeros: o grupo Los Piojos canta em “El balneario de los doctores crotos” sobre um sujeito que “escuta a luta do Globo campeão” e “ficou louco e diz que é Baley”. Nesse embalo, Menotti seguiu testando-o na seleção. Sua segunda partida, um 3-0 no Uruguai em plena Montevidéu em 9 de junho de 1976, também começou no banco. Substituiu, curiosamente, um colega de Huracán: o ponta René Houseman, pois o goleiro Hugo Gatti fora expulso.

Talvez Menotti também não quisesse Baley e Houseman juntos – antes de um daqueles clássicos ganhos contra o San Lorenzo, o goleiro reclamara publicamente que não aguentava mais a indisciplina do colega, cujo alcoolismo já não se mantinha em segredo. Fillol, por sua vez, havia pedido dispensa da seleção e assim Menotti promoveu alternância entre Gatti e Baley nos amistosos preparatórios à Copa do Mundo de 1978, já que a anfitriã Argentina não jogaria as eliminatórias.

De camisa roxa, junto aos outros goleiros da Copa 1978: o também reserva Ricardo La Volpe (de vermelho) e o titularíssimo Ubaldo Fillol (verde)

Enquanto Gatti jogou mais em 1976, Baley foi mais usado em 1977, ano em que até atingiu uma marca que ganharia relevo com o tempo, pois foi o primeiro goleiro a pegar pênalti de Maradona (em empate em 2-2 entre Huracán e Argentinos Jrs, pelo Torneio Nacional). Naquele ano, El Chocolate oficialmente protegeu sete vezes a Albiceleste – três vitórias, três empates e uma derrota. Ainda houve uma partida não-oficial, contra o clube Deportivo Roca, vencido por 2-1 em  de março. Novo teste veio em abril de 1978, dessa vez uma nova derrota – para o Uruguai, em Montevidéu. Gatti, lesionado, estava de fora. Mas Baley não seria o titular na Copa. Fillol, em boa fase no River, foi chamado para retornar e ser titular.

O grande herói da conquista, Mario Kempes, comentou sobre o dia-a-dia do Chocolate na delegação: “Baley fumava como um pescador. Com ele tínhamos uma superstição. Na viagem da concentração ao estádio íamos no último assento do ônibus e compartilhávamos um cigarro (…). “depois de ganharmos do Peru, ocorreu a Baley que tínhamos que ir pescar. (…) Voltamos com quatro peixes, que depois demos ao cozinheiro para que os preparasse para o almoço. Nossa mesa, onde estavam ainda Tarantini e Killer, teve um cardápio especial e todos morriam de inveja”.

O título nacional de 1978 com o Independiente (Rubén Pagnanini, primeiro em pé, e Omar Larrosa, à frente do goleiro, haviam vencido com ele a Copa do Mundo) foi o único da carreira de Baley como titular

Após a Copa, Baley foi ao Independiente. Reencontrou Villaverde e Trossero e com eles ganhou outro título em 1978, o campeonato nacional – assim, El Chocolate pertence à categoria dos que venceram uma Copa do Mundo antes mesmo de serem campeões do próprio país. Foi seu único título na carreira como titular, aliás. Não chegou, porém, a se eternizar nos rojos. Mal esteve na seleção desde a Copa (ele até a defendeu vindo do novo clube, mas em jogo não-oficial: 4-0 na seleção provincial de Mendoza, em 26 de novembro de 1980) e precisou relançar no Talleres a carreira. E o Talleres seria mesmo o clube com o qual talvez mais se identificou, ficando por lá de 1981 a 1987.

Em 1981, foi eleito para “o time do ano” no futebol argentino pela revista Goles, como único tallarin na escalação, um marco considerando que o time até brigara para não cair. E Baley foi, precisamente, a última novidade oficial de La T na seleção argentina – em 1991, Rolando Mannarino foi utilizado, mas em duas partidas não-oficiais, contra o Resto da América e contra o Resto do Mundo. Baley, por sua vez, jogou já em 1981 amistosos não-oficiais contra os clubes Godoy Cruz (4-0 em 5 de agosto, em Mendoza) e Barcelona (derrota de 1-0 no Camp Nou, em 1º de setembro) e dois amistosos pré-Copa em 1982: 0-0 com a Tchecoslováquia em 9 de março e 1-1 com a Alemanha Ocidental em 24 de março. A Albiceleste, agora por ser detentora do título, novamente não jogaria as eliminatórias.

No Talleres: Vicente Ocaño, Baley, José Luis Cuciuffo, Luis Galván, Guillermo Aramayo e Rafael Pavón; o peruano Julio Mosquera, Ángel Hoyos, José Reinaldi, José Valencia e o brasileiro Júlio César “Uri Geller”. Galván e Valencia haviam vencido a Copa 1978 e Cuciuffo ganharia a de 1986

El Chocolate tornou-se um raríssimo homem usado na seleção a partir de quatro entes diferentes: Santa Fe, cidade autônoma de Buenos Aires, província de Buenos Aires e Córdoba. Menotti, porém, voltou a preferir Fillol para o Mundial. Ao todo, foram treze jogos oficiais pela Argentina e oito gols sofridos, desempenho que faz de Baley o goleiro com menor média de gols sofridos por partida dentre aqueles que calçaram luvas pelo menos dez vezes pela seleção.

Ele, que chegou a ser interinamente jogador-treinador do Talleres em ocasiões pontuais em 1983 e 1987, seguiu trabalhando nesse clube após parar de jogar – Ángel Comizzo, terceiro goleiro da Argentina na Copa de 1990, contou que aprendeu em La T com o Chocolate que “o travessão me ia cair na cabeça se vivesse embaixo da trave, que a área devia ser minha segunda casa” e que o agora técnico lhe colocava para jogar nas difíceis canchas de Chacarita e Temperley para aprender o que era pressão.

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De camisa laranja na equipe azul (a outra foi a branca) no jogo festivo do centenário do Talleres, em 2013. De moletom cinza, um infiltrado “torcedor”: Javier Pastore. Clique para ver ampliado

O ex-goleiro teve um 2015 irritante: teve a casa assaltada em julho e em setembro declarou que processaria os responsáveis pelo seriado Historia de un Clan. É uma espécie de Narcos argentino que aborda a família Puccio, responsável por diversos sequestros com mortes nos anos 80 – um dos Puccio era jogador da seleção argentina de rúgbi e uma de suas vítimas foi um colega de clube. Determinado episódio sugeriu que duas pessoas, por Baley, aceitariam travar relações homossexuais.

Não foi a única polêmica recente de Baley. Ser negro não o impediu de proferir infelizes comentários racistas aos juvenis do rival do Talleres em 2012: “desgraçadamente temos três goleiros bolivianos e vários jogadores de linha bolivianos… no Belgrano”. Tentou justificar que a frase veio em troca de “gozações” com os juvenis e que “me favoreceu muito o fato de ser conhecido, mas antes disso, me senti mil vezes discriminado pela cor da pele. (…) Sofri e seria ruim que fizesse o mesmo”. El Chocolate está há anos radicado na Córdoba do seu Talleres, trabalhando como coordenador das seleções juvenis locais.

Baley não foi o único negro de destaque no futebol e seleção da Argentina. Listamos outros neste outro Especial.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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