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15 anos do último “Clássico do Oeste”, Vélez x Ferro Carril Oeste

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Cena do último clássico, em 2000

Já são quinze anos sem um Vélez x Ferro, clube ausente da elite argentina desde 2000. O clássico também faz falta, mas a bem da verdade custou a pegar. Teve um período bom nos anos 80, mas nos anos 90 virou uma briga com cachorro morto tamanha que os jogadores velezanos declaravam que o outrora Clásico del Oeste era uma partida qualquer. Uma pena para um dérbi que soubera arder na década anterior. Houve espaço para estatística histórica pouco antes de desaparecer.

A região centro-oeste de Buenos Aires é das mais repletas de times, tornando as rivalidades um pouco difusas: o Vélez foi fundado no bairro da Floresta, reduto do All Boys, havendo quem diga que já fizeram clássico, ao menos nos primórdios. Com o tempo, o clássico do All Boys passou a ser com o Argentinos Jrs, mas a larga ausência alvinegra na elite redirecionou rixas: o Albo focou a inimizade com o Nueva Chicago, enquanto o Argentinos passou nos anos 80 a enxergar o Platense como rival – o clássico original dele é com o Tigre, que vivia péssima fase nas divisões anteriores.

O Tigre, por sua vez, foi alimentando rixas com o Chacarita, a ponto de haver torcedores deste clube infiltrados na torcida são-paulina (a semelhança do uniforme ajudava, claro) naquela turbulenta final da Sul-Americana 2011 – pois o “inimigo” tradicional do Chaca, o Atlanta, estava adormecido na terceirona. Atlanta, que seria o primeiro rival do Ferro… toda uma relação drummondianemente cíclica que fez com que o Clásico del Oeste demorasse a engrenar. O livro Ferro 100, sobre o centenário verdolaga, oferece uma ideia de quando isso teria ocorrido: “a etapa de consolidação séria do Ferro como um clube-chave da comunidade começa em 1948 (…). A consolidação do clube vem da mão de uma febril atividade desportiva, social e edilícia”.

Prossegue o livro: “o time de futebol se estabelece como o patrão do oeste, com o Vélez como clássico rival e deixando atrás outras instituições, como Atlanta, All Boys ou Chacarita, que não podiam competir nem em logros nem em estrutura com o clube”. O estádio do Ferro está sediado no centro geográfico de Buenos Aires, no bairro de Caballito. Mas, como sugere o nome, surgiu de uma ferrovia que se direcionava ao oeste da cidade. O rival tem este nome pois seus fundadores se reuniam em uma das estações da ferrovia, a Vélez Sarsfield, então no bairro de Floresta (atualmente há o bairro de Vélez Sarsfield, desmembrado da Floresta).

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Publicidade com o clássico nos anos 50. Carlos Bianchi no dérbi nos anos 70. E fotos com o Ferro usando listras V (anos 30) e o Vélez com escudo na barriga (anos 80): um já usou os modelos que consagraram o outro…

Nos anos 40, o Vélez mudou-se ainda mais à fronteira oeste, indo ao bairro de Liniers. Com terras compradas exatamente da empresa Ferrocarril Oeste que originara o clube verde. De fato, no histórico entre Ferro e Vélez há um antes e depois de 1948, como sugere o livro Ferro 100. O FCO sempre se orgulhou de ser um clube “com” futebol e não “de” futebol, não havendo foco central nele. Isso proporcionou uma das melhores estruturas poliesportivas da Argentina (especialmente no basquete e no vôlei), algo que até a UNESCO reconheceria em 1988, conforme relatado neste outro Especial.

Relegado, o futebol verdolaga não era dos mais fortes. E antes de ver no Vélez “o” rival, costumava ser goleado por ele. O primeiro encontro foi em 1920: Vélez 5-0 em pleno Caballito. O segundo foi outro 5-0. E o terceiro, um 6-0 novamente em Caballito. O quarto foi “apenas” um 3-0. Até 1948, o Vélez também aplicaria um 6-0 em 1934, um 7-0 em 1935, um 5-1 em 1936 e um 6-0 (fora de casa) em 1946, ano do primeiro rebaixamento verde e em que duas assembleias do clube discutiram seriamente a hipótese do departamento de futebol se fundir com o Chacarita. Até então, haviam sido 43 os jogos contra o Vélez.

Desde então, houveram mais 112 encontros. Dessa vez, om apenas seis goleadas com mais de três gols de diferença – e metade delas foram a favor do Ferro: boas amostras de como um senso de tensão e calculismo típico de dérbis, onde o mais importante é vencer do que encantar, havia tomado conta – mas vale ressaltar que havia espaço para Omar Wehbe, herói do primeiro título argentino velezano, em 1968 (fez três gols na decisão), jogar a final graças a infiltrações feitas pelo médico do FCO. De qualquer forma, é sintomático que duas das tais seis goleadas, exatamente as mais elásticas pós-48, tenham vindo justo no período em que a aura de clássico foi supostamente diminuindo, nos anos 90.

Com uma história relativamente tão curta de rivalidade e com ambos de brilhos fugazes na maior parte do século passado (a ascensão meteórica velezana só começou em 1993), brilhar nos dois foi tarefa para bem poucos. Victorio Spinetto foi um dos primeiros emblemas profissionais no Vélez, volante nos anos 30 que por mais de dez anos foi técnico de La V Azulada: tirou um time quase falido da segundona em 1943 e treinou os vices de 1953, até então a melhor campanha da história fortinera. Em Caballito, armou a equipe presente no octagonal final de 1974. Foi naquele ano que ocorreu a primeira grande goleada após 1948: 5-1, a favor do Ferro.

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Marrapodi, Jiménez e González, de sucesso pelas duas camisas

Spinetto, segundo o próprio livro Ferro 100, perde em importância como técnico no clube só para Carlos Griguol, presente nos dois únicos títulos verdolagas na elite (1982 e 1984) e que era justamente um discípulo de Spinetto, que foi seu treinador no Atlanta, outro clube onde Don Victorio fez sucesso. No Vélez, ele tinha aura parecida, pois só Carlos Bianchi havia lhe ultrapassado até recentemente, quando Ricardo Gareca também se mostrou um técnico mais histórico. Nos primeiros anos de clássico, o goleiro Roque Marrapodi irrompeu no Ferro para jogar na seleção em 1954.

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O técnico Spinetto

Quando o Vélez ainda se satisfazia com quinto lugares, Marrapodi logrou estas boas campanhas com o rival em 1956 e 1957, só sendo afastado de Liniers por uma lesão em 1959 – justamente ano em que o Fortín despencou, sem ele, para 12º. Recuperou a carreira na velha casa, vencendo a segunda divisão com o Ferro em 1963 e pendurando as luvas com o ótimo quarto lugar de 1965. A seguir, Julio Jiménez, volante ofensivo que estreou no Peñarol com só 16 anos e na seleção uruguaia aos 17, indo à Copa de 1974. Chegou ao Vélez em 1978 e no ano seguinte foi um dos líderes do vice-campeonato.

Jiménez, contudo, foi dispensado em 1981. Logo deu a volta por cima, no arquirrival – aquele foi o ano em que o Ferro começou a engrenar, sendo vice tanto para o Boca de Maradona (no Metropolitano) como para o River de Kempes (no Nacional). A taça enfim viria no torneio seguinte, em 1982, embora o uruguaio tenha perdido a titularidade na reta final. Foi colega de Esteban González, presente nos títulos de 1982 e 1984 como uma boa opção de banco.

González destacou-se mais nas duas Libertadores disputadas pelo FCO: é o maior artilheiro internacional verdolaga, marcando três gols no Vasco e o único da vitória no Fluminense. A Libertadores, porém, era duríssima. Só o líder avançava, e foi o melhor Argentinos Jrs (futuro campeão) da história. El Gallego González venceria o torneio em 1994, pelo Vélez. Era reserva àquela altura, mas foi importante para que o Fortín chegasse ao torneio: foi com Omar Asad o artilheiro dos campeões de 1993. Antes, foi artilheiro do campeonato em 1991. Também fez sucesso em outro rival velezano: foi dele o gol do título do San Lorenzo em 1995. Para os brasileiros, o vira-casaca mais famoso é Alejandro Mancuso, revelado no FCO e volante do Vélez no início dos anos 90, não se eternizando mais em Liniers porque saiu para o Boca justo antes do vitorioso Clausura 1993.

Esse título de 1993 reigualou Ferro e Vélez em número de títulos argentinos, com dois para cada. Os verdolagas estiveram à frente por nove anos, desde 1984. A rivalidade realmente viveu entre 1979 e 1985 seu período mais disputado: o Vélez foi vice nesses dois anos, enquanto o Ferro foi três vezes segundo lugar além de conseguir suas duas taças. Os anos 80 foram a única década em que ele conseguiu mais vitórias no clássico e uma foi melhor recordada que a outra.

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Nos anos 80, o FCO foi o dono do clássico: foto de um dos dois 4-0 que impôs fora de casa no Vélez. À direita, o ex-técnico palmeirense (hoje na seleção peruana) Gareca joga um dérbi ainda com equilíbrio, bem no início dos anos 90

Em 1981, o Clásico del Oeste definiu as semifinais nacionais. La V tinha consigo seu maior goleador, Carlos Bianchi, cujo sucesso estrondoso como técnico ofusca o superartilheiro que fora como jogador. Ele deixou seus gols nas duas semis, mas o Ferro foi mais efetivo: venceu por 2-1 em Liniers, com Carlos Arregui e Adolfino Cañete, e segurou em casa o 1-1 com outro de Arregui. Pode-se dizer que foram os dérbis mais importantes, mas os verdolagas talvez tenham mais carinho por dois 4-0 conseguidos fora de casa, em 1982 e em 1985. O problema é que o troco viria com juros abusivos, nos anos 90…

A última boa campanha do FCO foi o quarto lugar em 1992, revelando o goleiro Germán Burgos e o zagueiro Roberto Ayala. De repente, uma diferença abissal se abriu. Após igualar-se em taças nacionais com o rival em 1993, o Vélez venceu em 1994 Libertadores e Mundial, ganhou um bi nacional em 1995 e 1996, faturou a Supercopa em 1996, a Recopa em 1997, um novo título argentino em 1998. O Ferro, apesar do patrocínio da Parmalat, definhou rapidamente. O último jogo do Vélez antes de derrotar o Milan pelo mundial em 1994 foi o clássico: venceu por 6-1, com gols anotados por um jogador diferente cada – Flavio Zandoná, Marcelo Herrera, Fabián Fernández, José Sánchez, Fernando Pandolfi e Omar Asad, o único que era atacante e o único que foi titular no mundial!

O clássico diminuía para os velezanos (ou aqueles 6-1 seriam grito de torcida até hoje. Não é o caso), não para o outro lado. Asad, o homem-gol das finais da Libertadores e Mundial, teve sua carreira brecada ao lesionar em 1995 os joelhos em choque com um goleiro verdolaga chamado justamente de Oscar Ferro. “Quando voltei, em um Ferro-Vélez no campo deles, nós dois fomos ao banco e não foi capaz de me parar e me pedir desculpas”, reclamou El Turco Asad em entrevista em 2010. O Ferro conseguiu empatar em 1997 em 3-3 após estar perdendo de 3-0, mas já no ano seguinte levou de 4-1 em nova campanha nacional campeã do Vélez. E em 1999, levou de 6-1 de novo. Mas em uma lista de vinte jogos inesquecíveis do Vélez, o Clarín colocou este mais pelo feito em si do goleiro José Luis Chilavert do que pelo adversário.

Chilavert marcou três vezes, provavelmente na única vez que um goleiro conseguiu um hat trick. E Chila também fez o único gol naquele 24 de junho de 2000, quando o Clásico del Oeste ocorreu pela última vez. Foi no estádio do FCO, que já foi objeto de debate no Facebook em um fórum de torcedores do Vélez: a maioria concordou que extraña em jogar lá. Não, eles não estranham, no sentido de achar esquisito. O sentimento no contexto é quase oposto, o de sentir saudades, significado do verbo extrañar. Clique aqui e veja – a visibilidade é pública, mesmo aos que não têm conta na rede social.

Para o histórico completo do clássico, clique aqui. Já para saber mais da história do sumido Ferro confira este outro Especial.

Com agradecimentos especiais ao amigo Esteban Bekerman.

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Cruéis goleadas do Vélez em uma era desigual, os anos 90: o 6-1 antes do embarque ao Japão em 1994. Zandoná no 4-1 do título argentino de 1998. Chilavert comemora um dos TRÊS gols que fez em outro 6-1, em 1999

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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