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90 anos da conquista europeia do Boca

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Os conquistadores do Boca. O “jogador número 12”, Cafferena, é o primeiro em pé, engomado ao lado do goleiro Tesorieri. O último jogador agachado é Onzari, autor do primeiro gol olímpico e que era na verdade do Huracán

Os anos 20 renderam a primeira geração de ouro do futebol argentino. “Deu ao futebol o empurrão que faltava para se transformar em paixões das multidões do país ao ganhar as Copas Américas de 1921, 1925, 1927 e 1929”, cravou o especialista Esteban Bekerman neste texto de opinião. Vale ressaltar que o título de 1921 foi exatamente o primeiro da Albiceleste, já na quinta tentativa. “Mas também graças às inesquecíveis excursões de clubes, como a que o Boca realizou em 1925”, prosseguiu Bekerman. Foi mesmo um antes e um depois, para o clube e para o próprio futebol nacional.

Nem mesmo a seleção havia ainda deixado o continente. Em 1924, os arquirrivais do Uruguai, medalhistas de ouro nas Olimpíadas mesmo desfalcados de jogadores do Peñarol (que havia se rebelado com a federação), foram à Europa demonstrar ao ambiente do futebol que os melhores representantes do esporte estavam na margem oriental do Rio da Prata. Zapatar, Isasmendi e Ibáñez, três empresários da comunidade hispano-argentina, propuseram então uma excursão da seleção.

Mas não houve acordo com os clubes para o envio de uma seleção argentina: isso obrigaria um adiamento longo demais ao início do campeonato, em razão da longa duração da viagem naval. Os dirigentes do Boca pensaram diferente e enxergaram a oportunidade de projeta-lo com horizontes inéditos para um time do país, tomando a responsabilidade de “tomar esta honorável missão de demonstrar à Europa o grau de progresso que nosso futebol alcançou”, nas palavras datilografadas à época pela revista El Gráfico.

Para a tal missão, somaram-se jogadores de outros clubes: o goleiro Octavio Díaz, do Rosario Central; Manuel Seoane, goleador do nanico El Porvenir; Cesáreo Onzari, ponta do Huracán; o zagueiro Roberto Cochrane , do Tiro Federal, de Rosario; e o meia Luis Vaccaro, do Argentinos Jrs. Todos com passagem prévia pela seleção. Onzari, aliás, tornara-se ainda em 1924 o autor do primeiro gol olímpico, exatamente em um Argentina x Uruguai após a consagração da Celeste. Saiba mais.

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Bidoglio, Elli, Garasini, Busso, Tarasconi, Muttis, Tesorieri, Antraygues, Pertini, Cerrotti, Médici e Pozzo: os 12 do Boca

Além dos cinco, os viajantes eram compostos pelo vice-presidente do clube; um secretário; um maluco chamado Victoriano Cafferena, torcedor playboy que aos poucos conquistou os demais, improvisando-se como roupeiro, massagista e delegado; e por doze jogadores: Antonio Cerroti, Segundo Médici, Ludovico Bidoglio, Alfredo Elli, Américo Tesorieri, Alfredo Garasini, Ramón Muttis, Carlos Antraygues, Carmelo Pozzo, Mario Busso (um que voltaria à Europa, pois nascera na Itália), Dante Pertini (tio de Alfredo Di Stéfano) e Domingo Tarasconi, o mais festejado: Tarasca foi mencionado até em tango de Carlos Gardel, “Patadura”. Mas de todos os doze só Antraygues e Pozzo não jogaram pela seleção argentina.

O Boca já tinha certa fama, recebendo convites para atuar nos EUA, na Inglaterra e na Suíça, mas o tempo e o dinheiro só permitiriam jogos na Espanha, Alemanha e um jogo há exatos 90 anos na mesma França que se encantara com os uruguaios. Foi o capítulo final da dominação. Já o prólogo deu-se em 4 de fevereiro, no embarque a Montevidéu, onde os boquenses fariam conexão com o transatlântico Formosa para o início da jornada à Europa. O relato do La Nación leva à mente imagens de cinema como a do Titanic zarpando:

“Nunca houve público tão numeroso como o que na noite passada prestou despedida a esta delegação esportiva. Desde cedo a doca sul foi ocupada por uma multidão que gradualmente cresceu a um extraordinário tamanho na chegada da hora da partida da embarcação. Muitas interessantes razões estavam em jogo ali: primeiramente, a notável popularidade que este prestigioso clube Boca formou em um bairro que é o mais entusiasmado sobre futebol (…); o fato de quase todos a bordo serem membros de famílias deste bairro; a admiração que o Boca Juniors amealhou da população pelas graciosas performances em campo e, deve-se dizer, o desejo de exteriorizar este admiração que adicionalmente contém o melhor dos desejos para uma bon voyage e o maior dos triunfos para maior prestígio do esporte argentino”.

Chegaram no dia 27, em Vigo, com direito a recepção literalmente real: um enviado do Rei Alfonso XIII expressou que “Sua Majestade sinceramente deseja que a estadia dos argentinos conosco será de maior prazer e servirá para fortalecer os laços de fraternal amizade que unem Espanha e Argentina”. A estreia do futebol argentino no Velho Continente deu-se em 5 de março, frente o Celta. E a dominação não tardou mais cinco minutos, tempo necessário para Antonio Cerroti abrir o placar. Ele marcaria mais um e Onzari, outro na vitória por 3-1. Três dias depois, os locais tiveram revanche, vencendo pelo mesmo placar – há fontes que sustentam ter sido um combinado de Vigo e não o Celta; nos baseamos no site mais rico de estatísticas do Boca.

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A viagem como tema de capa da revista El Gráfico, que ainda existe. E a multidão se despedindo no embarque

“A primeira embaixada do futebol argentino na Europa” era o título de reportagem da El Gráfico. Os auriazuis, em tempos de amadorismo, lutavam em ambiente desconhecido contra adversários desconhecidos em época onde não havia televisão e muito menos internet para conhecer detalhes dos rivais. As próprias primeiras fotos da odisseia só chegariam ao público argentino em 25 de março: retratavam os jogos em Madrid. E a impressão não poderia ser melhor.

O Athletic (nome à época do Atlético) perdera de 2-1. E o Real, desta vez já na presença do próprio Rei Alfonso XIII, perdeu pelo placar mínimo, gol de Pozzo, que comemorou prestando reverência defronte à tribuna do monarca no estádio Chamartín – curiosamente, Pozzo só jogou uma outra vez naquela excursão. Eis o primeiro encontro contra os merengues, único time que o Boca já venceu em quatro continentes: venceria por 2-1 no Marrocos em 1964 e pelo mesmo placar na Bombonera em 1994 e pelo Mundial em Tóquio em 2000. Nada mal.

Os apuros vieram no País Basco, com o San Mamés fazendo jus já na época à alcunha de estádio-alçapão: lá vieram derrotas elásticas para Real Irún (4-0 com os quatro gols anotados por Juan Errazquín, argentino de nascimento) e para o dono da casa, o Athletic de Bilbao. Por outro lado, o lendário goleiro Ricardo Zamora virou freguês: o estádio Sarrià viu seu Espanyol perder os três jogos: “Zamora nada pode fazer contra o violento tiro de Tarasconi, que entra por uma lateral da rede. O veloz Tarasca neste encontro voltou por suas cabais resultando o melhor homem do ataque argentino”, epigrafou a El Gráfico. 1-0, 3-0 e 2-0 foram os placares daqueles encontros, a última parada antes da etapa alemã. Nela, houve quem perdeu até de 7-0.

Simbolicamente, o alemão mais honroso foi um clube ainda incipiente, o Bayern Munique, com quem o Boca empatou em 1-1. E isso porque os sul-americanos ainda se recuperavam de 56 horas de viagem por trem. Esse jogo foi em 9 de maio, com as fotos chegando em 13 de junho, já após o fim da excursão: uns setenta anos antes de brasileiros terem ideia parecida na Copa das Confederações de 1997, “alguns dos garotos adotaram a moda germânica da careca”, observou a El Gráfico. Que crescia junto: em editorial já de novembro de 1925, ela atestou que sua circulação havia dobrado.

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O gol da vitória sobre o Real Madrid, no estádio Chamartín

A última partida foi contra um combinado francês em Paris. O oponente daquele 7 de junho de 1925 marcou seu primeiro gol aos 44 do primeiro tempo. O Boca já vencia por 3-0. E ganharia por 4-2, com direito a três gols de El Negro Seoane, que embora jogasse no El Porvenir se consagrou na década pelo Independiente, do qual foi por um tempo o maior artilheiro do clube. Ao todo, foram 15 vitórias em 19 jogos (listados mais abaixo).

“Uma frota de rebocadores foi saudar o Mosella na entrada do porto, enquanto todos os navios ancorados no porto buzinavam, e todo o bairro e metade de Buenos Aires se alinhavam nas docas” foi a lembrança do jornalista Osvaldo Ardizzone, nome célebre na El Gráfico, sobre a chegada do navio Mosella em 12 de julho, com os jogadores triunfantes. A crônica a sair na revista não foi menos entusiasmada: “levamos à Europa uma nova escola de football. Temos sido aclamados como maestros, não como simples jogadores que vão tratar de ganhar uma partida. As crônicas europeias assim declaram francamente”.

Outros reconhecimentos foram ainda mais históricos: a Associação Argentina de Football entregou ao Boca um troféu de “campeão de honra” de 1925. O capitão do Huracán, maior concorrente dos auriazuis pelos títulos da AAF, entregou ao capitão xeneize Alfredo Elli um ramo de flores no primeiro encontro pós-viagem. E os próprios boquenses reconheceram um daqueles tripulantes como um dos seus: o tal playboy Cafferena foi aclamado como “o jogador número 12”. Nascia ali o nome da temida torcida organizada do Boca Juniors. Não é de hoje e sim de nove décadas atrás, o clube argentino mais internacionalmente prestigiado…

5 de março. Celta (Polo) 1-3 (Onzari, dois de Cerroti) Boca
8 de março. Celta (Reigosa, dois de Juanito) 3-1 (Garasini) Boca
12 de março. Deportivo La Coruña 0-3 (Onzari, Antraygues, Cerroti) Boca
15 de março. Deportivo La Coruña 0-1 (Tarasconi) Boca
19 de março. Athletic de Madrid (Triana) 1-2 (Antraygues, Cerroti) Boca
22 de março. Real Madrid 0-1 (Pozzo) Boca
29 de março. Gimnástica de Madrid 0-1 (Seoane) Boca
2 de abril. Real Irún (quatro de Errazquín) 4-0 Boca
5 de abril. Athletic de Bilbao (Laca, Areta, dois de Larraza) 4-2 (Tarasconi, Cerroti) Boca
19 de abril. Osasuna 0-1 (Seoane) Boca
26 de abril. Espanyol 0-1 (Tarasconi) Boca
1 de maio. Espanyol 0-3 (Seoane, dois de Tarasconi) Boca
3 de maio. Espanyol 0-2 (Cerroti, Tarasconi) Boca
9 de maio. Bayern Munique (Hutstteiner) 1-1 (Seoane) Boca
16 de maio. Combinado do Nordeste 0-3 (Garasini, Tarasconi, Seoane) Boca
21 de maio. Greuther Fürth 0-7 (Tarasconi, Onzari, Garasini, dois de Cerroti, dois de Pozzo) Boca
24 de maio. Combinado de Frankfurt 0-2 (Cerroti, Seoane) Boca
27 de maio. Eintracht Frankfurt 0-2 (dois de Seoane) Boca
7 de junho. Combinado de Paris (Corton, Mistral) 2-4 (Cerroti e três de Seoane) Boca

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Tarasconi contra oponente do Bayern e os jogadores carecas: até o “número 12” Cafferena (último agachado, de paletó) seguiu essa moda alemã

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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