11 jogadores para os 110 anos do Platense
Turfe é uma paixão portenha, relação eternizada no mais famoso tango do mais famoso músico do gênero – “Por Una Cabeza”, genial composição onde Carlos Gardel usa uma mal sucedida aposta em cavalos como metáfora para desventura amorosa. Outro famoso cantor do ramo, Roberto Goyeneche, também produziu sua versão, algo contraditório: Goyeneche era o mais ilustre torcedor do Club Atlético Platense, que deve nome e cores exatamente por vitória em um páreo. José Viviani, Carlos Carbagnati, Santos Aliverti, José Roggerone, Roque Jaureguiberry, Leopoldo Lacoste, Antonio Meraggia e os irmãos César, José e Julio Pianarolli fundaram a instituição graças a 445 pesos arrecadados pela certeira aposta em alazão da hípica Platense, de onde retiraram o nome.
A primeira camisa era vermelha, mas em 1907 adotou-se a icônica branca com faixa marrom. A lenda credita àquela corrida esta mudança também: seria uma referência à vestimenta do jóquei vencedor. Outro símbolo viria no ano seguinte, o apelido calamar (“lula”). O cronista Antonio Palacio Zino criou-o, justificando que o time, ainda em jogos de rua, costumava ter suas melhores exibições quando seu campo de terra virava um lamaçal, parecendo “calamares en su tinta”.
Outro ano depois, o Tense se afilia na associação argentina após arranjar campo na esquina da Manuela Pedraza com Bandengues, trecho da atual Avenida del Libertador, no bairro de Núñez: uma primeira mudança ao extremo norte da capital federal – a primeira sede já era norteña, na esquina de Callao com Posadas, a uma quadra do Parque Thays, na Recoleta (posteriormente, se estabeleceria no bairro de Saavedra, vizinho a Núñez, e desde os anos 70 está na cidade vizinha de Vicente López).
Como todo clube portenho fundado no século XX, o Platense começa nas divisões inferiores, chegando à elite em 1913 na mesma virada de mesa que colocou nela outro fundado em 1905, o Boca Juniors. E faz bonito: é o terceiro colocado. Em 1915, trava o primeiro Clásico de la Zona Norte, com o Tigre. Vence por 3-1, iniciando a trajetória de superioridade sobre o rival (tamanha que nos anos 80 e 90 começou outra, com o Argentinos Jrs, em razão da longa decadência rubroazul só revertida em meados da década passada). E em 1916 é o vice do super Racing da época e tem no volante Alberto Felisari seu primeiro jogador usado na seleção argentina.
É nos anos 20, porém, que o título chega ainda mais perto: é terceiro em 1924 com só três pontos a menos que o campeão San Lorenzo. E isso porque o clube estava literalmente dividido entre 1921 e 1925, com dois Platenses competindo cada um nas duas ligas existentes da época. Em 1925 é o quarto e em 1926 volta a ser terceiro. São desses tempos outras figuras dos primórdios: o volante Aníbal Argañaraz e o ponta-esquerda Manuel Pardal são os calamares seguintes na seleção, e o zagueiro Juan Mazzini veste alvimarrom por quinze anos, de 1915 a 1930. É o jogador mais longevo do Tense.
Em 1931, o clube toma a audaciosa decisão de se colocar entre os rebeldes que se desafiliam da associação argentina amadora, reconhecida pela FIFA, para criar uma liga profissional. Apesar dos bons momentos, a equipe não era muito mais poderosa que as que remanesceram no amadorismo. A aposta, novamente, mostrou-se certeira, ao menos nos primeiros anos. Nos anos 40, o time de Saavedra chegou a ser o clube argentino que mais havia exportado jogadores à rica liga italiana, com nove atletas – o segundo era o gigante San Lorenzo, com cinco.
Só viria a deixar a elite em 1955, como o penúltimo não-grande a provar o descenso – ou o último, se o Huracán (rebaixado em 1986) ainda for considerado grande. Se tornou especialista em evitar a queda nos anos 80, onde conviveu com a ameaça por sete anos seguidos e em todos escapou, até cair por hora definitivamente em 1999. Hoje não é dia do vizinho River Plate, pois conforme esclarecido aqui, sua real fundação foi em 15 e não 25 de maio. É dia do Platense, bem mais que um raro clube marrom que revelou David Trezeguet, solenemente ignorado entre os 11 jogadores escolhidos para celebrar os 110 anos calamares. Conheça um pouco da história da instituição por eles e por outros especiais relativos a ela, ao fim do texto:
GOLEIRO: posição das mais concorridas. Gustavo Topini é o profissional mais longevo, do fim dos anos 50 ao início dos 70. Carlos Biasutto é quem mais somou jogos considerando apenas a primeira divisão, nos anos 80. Rolando Cristante é o último marrón aproveitado na seleção, titular na Copa América de 1995. Mas quem mais transcendeu foi Julio Cozzi, dos anos 40. Foi o goleiro titular usado na vitoriosa Copa América de 1947. Seu precioso jogo de mãos o levou ao Millonarios de Bogotá, sendo colega de Di Stéfano no Ballet Azul da mais forte equipe do Eldorado Colombiano.
LATERAL-DIREITO: concorrência talvez mais renhida. Afinal, Gregorio Esperón e Juan Fonda são os calamares mais vezes usados pela Argentina, dez cada um. Esperón jogou no Tense por nove anos, da década de 30 à de 40. Mas ficamos com Fonda em razão de seu sucesso maior na seleção: titular da Albiceleste campeã da Copa América de 1946, período de ouro onde craques eram encontrados mesmo em clubes pequenos – a Argentina conseguiu um não-igualado tri continental usando praticamente três seleções mesmo em anos seguidos, pois só cinco jogadores foram convocados aos títulos de 1945, 1946 e 1947. Fonda só não se sobressaiu mais pela concorrência com Carlos Sosa e Norberto Yácono, ninguém menos que os melhores laterais-direitos que escolhemos para Boca (clique aqui) e River (aqui).
ZAGUEIROS: em eleição parecida, o Clarín parece ter usado o critério da longevidade, escolhendo Juan Menéndez (1947-56) e Adolfo Mammana (1945-53). Mas optamos por Carlos Aldabe e Néstor Togneri. O primeiro foi um correto zagueiro de 1939-1944 que também faria história no Millonarios de Di Stéfano, já como técnico do primeiro elenco campeão de um dos mais fortes times do mundo, em 1950. O outro integrou a equipe quase finalista de 1967: dono da melhor campanha na fase inicial, o Tense perdeu incrivelmente por 4-3 uma semi que vencia por 3-1. Foi para o Estudiantes, que adiante entraria em sua melhor fase com Togneri consigo. Ele esteve no tri alvirrubro seguido na Libertadores (fez o gol do título na de 1970) e, apesar da má fama daquele elenco, jornais da época descreveram que anulou limpamente os craques George Best e Gianni Rivera nos mundiais interclubes. Iria à Copa de 1974.
LATERAL-ESQUERDO: Domingo Boero, de 1939-44, foi o optado pelo Clarín. Também discordamos aqui: Mario Pajoni defendeu o Platense por mais tempo (1932-39) e chegou à seleção – a boa sexta colocação em 1934 o fizera integrar a Argentina campeã da Copa América em 1935. Vale lembrar ainda Ismael Arrese, contratado pelo America-RJ quando ainda era jogador de seleção, em 1933.
MEIAS: Di Stéfano dizia que o melhor jogador que vira foi Adolfo Pedernera. Pedernera já dizia que era Antonio Báez, reserva na celebrada La Máquina do River dos anos 40. Os três jogariam juntos naquele grande Millonarios. Báez foi para lá ao sair da reserva no River para ser condutor da celebrada campanha de 1949, na qual seu time igualou-se exatamente com o ex-clube na segunda colocação. Autor de 43 gols em 113 jogos como marrón (três deles em um 5-0 no Tigre em 1948, ano em que chegou a Saavedra), ótimo número para um volante, ele só veio a estampar em 1962 a capa da principal revista esportiva argentina, a El Gráfico. Ela legendou “justiça para um esquecido”.
Báez jogava na meia-direita. Na esquerda, ficamos com Néstor Subiat, titular daquela grande campanha de 1967 e outro volante-artilheiro, com 37 gols em 132 jogos. É pai do jogador argentino de mesmo nome que defendeu a Suíça na Copa de 1994. Pelo meio, escalamos Marcelo Espina, talvez o maior ídolo do clube. Vivenciou aqueles periclitantes anos 80 bem como a boa fase de meados dos 90, com a quinta colocação em 1994 vindo no embalo de seus gols e assistências: foi o artilheiro do campeonato, ao lado de Hernán Crespo. E também por suas assistências: o vice foi o também calamar Claudio Spontón, atacante. Foi por causa de uma suspensão de Espina que o jovem David Trezeguet foi aproveitado pela primeira vez como profissional, naquele torneio. El Cabezón foi o primeiro capitão da seleção após a Copa de 1994, inclusive; é o penúltimo marrón usado nela.
ATACANTES: Antonio Campilongo foi um ponta-direita figura do clube nos anos 30, mas Santiago Vernazza teve mais êxito. Tinha faro de gol incomum para quem não era centroavante. No Platense, foram 53 em 109 jogos, entre 1947 e 1950, chegando à seleção – e, no ano seguinte, ao River, onde também foi bastante ídolo, com boa passagem ainda por Palermo e Milan, já no futebol italiano. Na outra ponta, Carlos Alfaro Moreno (escolhido o melhor jogador argentino de 1989, já no Independiente) é emocionalmente candidato forte pelos golzinhos salvadores nos anos 80. Outra boa opção foi o infernal Tomás Beristain, jogador de seleção nos anos 30 que passaria bem pela Portuguesa Santista quando a Briosa tinha grandeza parelha com o Santos. Mas Vicente Sayago fica com a vaga. Outro ponta-artilheiro, com 71 gols em 199 jogos, ele é quem mais fez gols pelo Platense.
De centroavante, David Trezeguet passa longe. Trezegol jamais marcou e jogou pouquíssimo, só cinco vezes, e é criticadíssimo por segmentos da torcida por não ter voltado ao Calamar para, já feito na vida, encerrar em Vicente López a carreira. Outros nomes mais representativos? Darío Scotto, já nos anos 90, foi um dos últimos do clube na seleção. Raúl Frutos foi o primeiro dos três marrones artilheiro do Argentinão, em 1943. Artilheiro do nacional de 1969, Carlos Bulla era o homem-gol da recordada campanha de 1967. José Canteli marcou quatro no 6-0 no Tigre em 1946, até hoje o clássico com mais gols. Carlos Spontón foi figura recorrente nos últimos anos na elite. O último herói foi Gonzalo Bergessio, hoje na Sampdoria. Mas optamos pelo incrível faro de Luis María Rongo.
Ele já havia conseguido marcar mais de um gol por jogo por River e Fluminense, na virada dos anos 30 para os 40. No Tense, foram 38 gols em 51 jogos, com seu canhão na perna marcando 23 desses no torneio de 1942. Fez ali só dois a menos que o goleador máximo, Rinaldo Martino, do vice San Lorenzo, enquanto o Platense ficara só em 11º. Lesões o impediram de ser ainda mais produtivo.
TÉCNICO: Vladislao Cap conseguiu um oásis na crise em 1980. O time, por um ponto, não foi o vice no Metropolitano e no Nacional só perdeu nos critérios de desempate para o futuro campeão River a vaga nos mata-matas (no último jogo foi derrotado pelo Argentinos Jrs, já sem aspirações, em partida apontada como marco para o início da rivalidade). Ricardo Rezza era o técnico do último bom momento, no primeiro semestre de 1994, a cinco pontos do campeão Independiente – uma última alegria a Goyeneche, falecido no segundo semestre. Mas o time de Ángel Labruna tem futebol melhor recordado e Angelito, mais identificação. O mito máximo do River estava à frente da equipe vizinha de 1967 e já havia passado antes pelo Calamar, como jogador-treinador. Por sinal, era viciado em corridas de cavalo e pautava os horários de treino para não perdê-las…
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