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Elementos em comum entre Cruzeiro e (o freguês) River

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Juan Pablo Sorín, “epetacular” em ambos os oponentes de hoje

A estatística é impressionante. River e Cruzeiro já se depararam em cinco (ou seis) ocasiões por competições americanas, incluindo três finais continentais. E a conclusão seguiu à risca a natureza dos mascotes raposa e gallina: o clube argentino levou sempre a pior, sem exceção. Será que a escrita se manterá mesmo com os mineiros de início tão mal (ou tão poupado) no Brasileirão? Vale lembrar que o River foi o clube que inaugurou há quase meio século o Mineirão, em amistoso com a seleção mineira em 5 de setembro de 1965. Perdeu esse também, por 1-0…

Os encontros mais recordados, logicamente, foram pelas finais da Libertadores de 1976. No Brasil, só o Santos de Pelé conseguira o troféu. O River, que até 1975 vivia um incrível jejum de dezoito anos, buscava o ápice da volta por cima, podendo ser primeiro clube portenho a conseguir a taça. A Banda Roja superou os dois compatriotas mais copeiros da época, o Estudiantes na primeira fase e o Independiente no triangular-semifinal, encerrando a série de quatro títulos seguidos do Rojo de Avellaneda após jogo-desempate no qual o esguio ponta Pedro González marcou o único gol.

González, a menos de quinze minutos do fim, também deu a vitória ao River sobre o Cruzeiro no Monumental, 2-1 com Juan José López e Palhinha anotando os outros. Os azuis haviam feito 4-1 em casa mas o regulamento da época desconsiderava saldo de gols e forçou um desempate em campo neutro. O resto é a história conhecida: em Santiago, os brasileiros abriram 2-0, sofreram o empate mas perseveraram com Joãozinho surpreendendo a todos ao marcar de falta a dois minutos do fim – a barreira ainda era arrumada por Luis Landaburu e o cobrador oficial das faltas era o potente Nelinho.

Do lado do River, lamentos de um time que chegou tão perto mesmo desfalcado na finalíssima de Ubaldo Fillol, Daniel Passarella, do próprio Juan José López e de alguém que tão bem conhecia os mineiros: o beque Roberto Perfumo. El Mariscal (“O Marechal”) era considerado um dos maiores zagueiros do mundo na virada dos anos 60 para os 70. Estrela do Racing vencedor da Libertadores, em 1967, quando La Academia virou também o primeiro clube argentino campeão mundial, ele chegou a jogar ao lado de Lev Yashin e Franz Beckenbauer pela seleção da FIFA contra o Brasil em 1968.

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Perfumo também foi histórico nos dois. À direita, ele e Sorín juntos no time cruzeirense dos sonhos na Placar em 2006

Apesar dos sucessos dos clubes nos torneios internacionais, o futebol argentino passava por crise. A seleção, que sofria intervenção da ditadura (o golpe de 1976 foi o último mas esteve longe de ser o primeiro no país), não se classificou à Copa de 1970 e as más condições econômicas provocaram greve e grande debandada em 1970. Um dos líderes grevistas, Perfumo acertou com o Cruzeiro. Recente nota do blog cruzeirense na ESPN minimiza sua passagem como alguém que só ganhou três estaduais (clique aqui). Mas há certo anacronismo no pensamento, vez que eram muito valorizados na época – comentários de gente mais velha foram inclusive bastante críticos à opinião do blog.

Perfumo esteve ainda perto de ganhar o Brasileirão em 1974, cujo vice para o Vasco ainda rende polêmicas pela perda do mando de campo e pela arbitragem da final. Mas o zagueiro acabou convocado à Copa do Mundo e foi até capitão da Albiceleste – foi o primeiro capitão da Argentina em Copas vindo de um clube estrangeiro. Foi eleito para o time dos sonhos da Raposa em duas eleições promovidas pela Placar, em 1994 e 2006, com votos de Piazza e Dirceu Lopes, que alegara à revista em 1975 que “temos problemas sérios na defesa. Desde a saída do Perfumo, tudo se complicou”. No River, fez grande dupla com Passarella para ajudar o Millo a livrar-se de imediato do jejum de 18 anos e acabaria eleito igualmente para um time dos sonhos do clube, em 1999, na revista El Gráfico.

River e Cruzeiro também teriam se encontrado na final da Supercopa de 1988, mas os millonarios caíram na semifinal para o Racing, que seria o campeão sobre os mineiros. A decisão ficou adiada para 1991 e não perde muito em epopeia para 1976. Em casa, o River segurou um 2-0 graças à dupla de zaga, Guillermo Rivarola e Jorge Higuaín (pai de Gonzalo), autores dos gols. Mas o Cruzeiro reverteu no Mineirão com um de Ademir (que jogaria no Racing) e dois de Mário Tilico para fazer 3-0.

Em 1992, os dois se toparam de novo na Supercopa, dessa vez nas quartas. O 2-0 no Mineirão foi devolvido em Núñez em um jogo tumultuado, com os últimos quinze minutos rendendo duas expulsões brasileiras (de Luisinho e Boiadeiro) e os dois pênaltis que renderam os gols da casa, de Ramón Díaz e Gustavo Silvani. Na decisão por pênaltis, o ídolo Ramón Díaz virou vilão ao ser o único a desperdiçar. Torcedores inconformados invadiram o campo. A Conmebol foi mais severa do que contra o Boca: o Monumental foi interditado por seis meses para jogos continentais do River.

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Reinaldo Merlo contra Jairzinho na final da Libertadores 1976; Mário Tilico supera Jorge Higuaín na épica final da Supercopa 1991; Marcelo Gallardo, hoje técnico do River, fez gol em vão na Mercosul 1998

A Supercopa era um torneio que reunia somente campeões da Libertadores, o que na época excluía camisas pesadas ainda não campeãs. Assim, em 1998 ela deu lugar à Copa Mercosul, onde o único critério era a tradição do time. O que não mudou foi a freguesia: nas quartas-de-final, um Fábio Júnior em ótima fase marcou em Belo Horizonte e em Buenos Aires nas duas vitórias cruzeirenses, 2-0 em casa e 2-1 na Argentina (que seria 2-0 não fosse um desconto de Marcelo Gallardo já no fim).

Em 1999, se encontraram na Mercosul pela primeira fase. Acertou-se que os dois jogos seriam válidos também pela Recopa Sul-Americana alusiva a 1997 (daí o “cinco ou seis” em nossa introdução), ano em que o Cruzeiro venceu a Libertadores e o River, a última Supercopa. Foram os últimos encontros internacionais e foram os piores para os millonarios. Dessa vez a revelação cruzeirense era Geovanni, que marcou tanto nos 2-0 no Brasil como no inapelável 3-0 em pleno Monumental. Não por acaso, aquele River caiu ainda na primeira fase. Aquela Recopa foi o último troféu continental da copeiríssima Raposa até hoje. E um de seus oponentes naqueles encontros de fim de século foi o lateral Juan Pablo Sorín.

Ele aportou em Minas em 2000 após anos de ouro no River (quatro títulos nacionais, a última Libertadores do clube, em 1996, e aquela Supercopa em 1997) para fazer história também no Brasil. Venceu a Copa do Brasil naquele mesmo ano, onde também foi premiado como o melhor de sua posição na Copa João Havelange, com a Bola de Prata da Placar. Raçudo defensor que sabia jogar de volante e marcar seus gols (o mais lembrado no título da Copa Sul-Minas de 2002 a marcar sua primeira despedida do Cruzeiro), foi eleito para o time cruzeirense dos sonhos na eleição da Placar em 2006, junto com Perfumo – como ele, Juampi também jogou uma Copa do Mundo vindo da Raposa, em 2002.

Também escolhemos ambos, Sorín e Perfumo, em nosso time dos sonhos do River, na última sexta-feira: clique aqui para acessar a nota, que celebrava os 111 anos do Millo, na qual mostramos a evidente origem italiana de parte expressiva de sus fundadores (as cores branca e vermelha estão na bandeira de Gênova, cujos habitantes encheram o bairro portenho de La Boca, onde o River foi fundado) – outro elemento em comum com o Cruzeiro, outrora o Palestra Itália mineiro.

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O braço erguido de Farías teve significados bem diferentes nos dois. Didi não conseguiu vencer nos dois, mas é página respeitada no River

O outro único homem a jogar pelos dois foi o atacante Ernesto Tecla Farías. Ele viveu boa fase individual no River quando o time não passava bom momento: veio em 2005, saiu em 2007, exatamente durante a seca de taças vivida em Núñez entre 2004 e 2008, reflexo da péssima gestão do presidente José María Aguilar. Um dos artilheiros da Libertadores de 2006, incluindo o primeiro gol da virada riverplatense sobre o Corinthians no Monumental, acabou até convocado pela seleção (ainda em 2005, usado como titular em meio à base já “europeia” da Albiceleste). Apareceu no Cruzeiro em 2010, já com 30 anos, contratado na mesma época que Walter Montillo. Passou longe do nível do compatriota e após um ano e meio foi repassado ao Independiente.

Considerando também técnicos, há mais um nome. Didi chegou ao River em 1971 credenciado pelo grande trabalho na seleção peruana, exatamente quem havia deixado a Argentina de Perfumo de fora da Copa de 1970. Apostou em jogadores jovens como o trio Norberto Alonso, Reinaldo Merlo e Juan José López mas o futebol bonito que pregava não se mostrou efetivo para quebrar o jejum e ele saiu em 1972: falamos mais aqui. Dez anos depois, entre 1981 e 1982, esteve no Cruzeiro justamente em um período de ouro do arquirrival Atlético Mineiro.

Vale ainda citar o curioso caso de Toninho Cerezo. Um dos maiores símbolos do arquirrival cruzeirense, vestiu azul no fim da carreira, até ganhando Estadual em 1994. Em 1981, antes de ir à Europa, sua contratação pelo River como segunda resposta à ida de Maradona ao Boca (Kempes já havia chegado a Núñez) foi dada como certa. A ida de brasileiros renomados ao país vizinho não era rara: outro da Copa 1978, Rodrigues Neto, brilhou no Ferro Carril Oeste e passaria pelo Boca; Mário Sérgio esteve no Rosario Central; e Júlio César “Uri Geller”, no Talleres. Fotos de Cerezo empolgado com a Banda Roja estamparam a capa da El Gráfico, mas não houve acerto financeiro com o Atlético Mineiro. Toninho continuou Galo e não gallina e o Millo contratou então outro volante, Américo Gallego.

Ressaltamos, por fim, que o Paulinho de Almeida (ex-Flamengo e Palmeiras) que defendeu o River em 1960 não é o mesmo que, ex-Internacional e Vasco, treinou os mineiros em 1987; e que o River defendido pelo uruguaio Herbert Revetria, herói do título mineiro de 1977 (crucificando o goleiro argentino Miguel Ángel Ortiz, então ídolo no Atlético), foi o do seu Uruguai natal – e não o oponente de logo mais dos brasileiros, que se vencerem em Buenos Aires renovarão as velhas piadas infames de que “a Raposa tomou conta do gallinero” ou “o River é a gallina, mas a asa negra é da Raposa”, dentre outras…

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Toninho Cerezo poderia ter feito história no River e não na Roma nos anos 80! Mas jogar mesmo, só pelo Cruzeiro

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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