Elementos em comum entre River e Huracán
As eleições municipais afastaram a rodada do Argentinão neste fim de semana, mas não a Supercopa nacional, travada entre River e Huracán às 21:10 no Estádio Bicentenário de San Juan. O torneio pega a dupla em momentos distintos: os millonarios, de fôlego renovado pela classificação dramática às oitavas da Libertadores; os quemeros, buscando reerguer-se após a decepcionante eliminação do torneio, onde conseguiram o mais difícil: roubar pontos do Cruzeiro e desperdiça-los com concorrentes fracos.
Curiosamente, a Supercopa poderia consistir no clássico Huracán x San Lorenzo se os azulgranas não tivessem perdido a superfinal da temporada 2013-14 para o River. Os concorrentes de hoje já decidiram duas Copas, nos anos 40: as edições de 1941 (título riverplatense) e 1942 (título huracanense) da Taça Adrián Escobar, disputada em partidas de 40 minutos entre os sete primeiros colocados do Argentinão. E também lutaram por um campeonato, o Metropolitano de 1975, que encerrou o mais terrível jejum do River, os dezoito anos sem títulos que perduravam desde 1957.
Além das cores e da origem humilde – ambos criados na operária zona sul portenha, embora o River tenha se mudado para a fina zona norte e passando a ser “o clube dos ricos” no estereótipo -, outra semelhança foi o triste 2011. O Huracán, jamais recuperado da traumática perda do Clausura 2009, foi rebaixado apenas dois anos depois (um feito, já que o time ainda somava na tabela de rebaixamento os pontos daquela ótima campanha do elenco de Pastore, Defederico, Bolatti e Toranzo). Já o River causou comoção mundial ao, pela primeira vez em sua história, cair também; ironicamente, começara a temporada tendo Ángel Cappa de técnico, o mesmo que treinara o tiki tiki daquele celebrado Huracán de 2009, cuja campanha incluiu um 4-0 no River com dois da revelação Pastore (relembre).
Mas é o Millo quem tem ampla vantagem no retrospecto frente a Quema, com cerca de 80 vitórias, 50 empates e só 30 derrotas. Não sem algumas espinhas: um 1-1 no Monumental e uma derrota de 3-2 fora de casa custou-lhe dois títulos seguidos, o Apertura 2000 para o Boca e o Clausura 2001, ironicamente, para o San Lorenzo. O Globo também já foi capaz de vencer por 4-3 um jogo que perdia por 3-0 no Monumental, no Apertura 1998. Vale lembrar ainda que nos anos 20 o clássico do Huracán era com o Boca (entenda clicando aqui). Vamos a quem brilhou na dupla:
Alfredo Di Stéfano: um dos maiores nomes do futebol mundial começou sua carreira profissional exatamente contra o Huracán. Foi o único jogo do então reserva Di Stéfano na campanha do título millonario de 1945, mas o campeão incluiu essa derrota de 2-1 na campanha. O River o emprestaria em 1946 ao próprio Huracán e lá a Flecha Loira despontou. Aliás, foi lá que ela nasceu: a alcunha com sobrenome surgiu para diferencia-lo do colega quemero Llamil Simes, já apelidado de Flecha.
Foi como quemero que Di Stéfano logrou seu primeiro recorde: o gol mais rápido do futebol argentino, nos primeiros segundos em pleno clássico fora de casa com o San Lorenzo (por ironia, o campeão), derrotado por 3-2 com outro do reforço. O River trouxe-o de volta em 1947 e o resto é história: campeão com Di Stéfano artilheiro do campeonato e chegando à seleção. Contamos mais aqui.
Néstor Rossi: outro que começou no River em 1945, mas ao contrário de Di Stéfano este volante central cavou seu lugar já ali. Junto do próprio Di Stéfano e de Alfredo Pedernera (o mitológico centroavante que deixava Di Stéfano na reserva no River até ser vendido ao Atlanta em 1947, possibilitando-lhe o retorno), foi um dos ícones argentinos que debandaram para o Eldorado Colombiano em 1949.
O trio passou a brilhar no Millonarios de Bogotá – Pedernera, curiosamente, já era do Huracán quando deixou a Argentina e acabou sem muitos rastros no Globo. Já Rossi foi um dos poucos remanescentes da brilhante seleção dos anos 40 a disputar uma Copa do Mundo, em 1958. Após o mundial, foi jogar no Huracán. Não pôde fazer muito, mas ficou benquisto nos seus três anos de quemero.
Delém: apelido de Vladém Lázaro Ruiz Quevedo, atacante da seleção brasileira que o River contratou em 1960. Vingou a ponto de se radicar em Buenos Aires até sua morte, em 2007, trabalhando no Millo também como um técnico de sucesso nas categorias de base na virada do século, lapidando desde Ortega a D’Alessandro. Como jogador, foi ídolo mesmo sem títulos, pertencendo àquele terrível jejum de 1957-75 que seria menor se ele não tivesse perdido um pênalti justo em clássico com o Boca que praticamente entregou a taça ao concorrente e arquirrival: saiba mais aqui.
A história é a rainha da ironia e em 1975, quando o River saiu da seca, Delém era justamente o técnico do concorrente ao título, o Huracán. Foi sob o brasileiro que o Globo conseguiu pela primeira vez oito vitórias seguidas na era profissional, a oitava justamente na rodada em que a taça foi perdida. Delém poderia ter sido campeão se treinasse o Huracán desde o início – chegara no meio do torneio. Quando foi treinar o San Lorenzo em 1980, os azulgranas insultavam-no tanto que saiu após duas rodadas.
Héctor Veira: ele é o maior ídolo justamente do San Lorenzo, com diversas passagens como técnico e jogador, mas na juventude se declarava torcedor do Huracán. Detalhamos mais neste outro Especial. Já veterano, ele defendeu a Quema e mesmo tão ligado ao arquirrival antes e depois, este meia-direita teve boa passagem individual, com 22 gols em 47 jogos entre 1970-71, sendo respeitado no bairro de Parque de los Patricios – onde havia crescido. No River, El Bambino Veira entrou para a história como o técnico dos primeiros títulos do clube na Libertadores e no Mundial, em 1986, ano de tríplice coroa com o Argentinão com um futebol audaz. A ponto de não renovarem com ele em 1987 ter espantado.
Claudio Morresi: talentoso volante figura do Huracán no início dos anos 80, com alto número de gols para a posição: 46 em 158 jogos. Com ele o Globo ainda deu espasmos de grandeza, sendo sexto no Metropolitano 1982 e eliminado só nos pênaltis no Nacional 1984 para o futuro campeão Ferro Carril Oeste. O time não se recuperou, desabando sua pontuação na tabela de rebaixamento nos torneios seguintes. Morresi foi ao River na temporada 1985-86. Sem seu craque, o Huracán foi ali rebaixado pela primeira vez enquanto o volante era vice-artilheiro com 16 gols do título millonario. Não ficou mais marcado em Núñez pois caiu muito de nível depois e passou à reserva do ídolo millonario Norberto Alonso na Libertadores e Mundial. Chegou a ser secretário nacional de esportes na década passada.
Daniel Montenegro: El Rolfi teve diversas passagens pelo Huracán, abrangendo três décadas. Começou lá em 1997 e marcou dois gols naqueles mencionados 4-3 sobre o River em 1998. Em 2000, mesmo após o rebaixamento em 1999, foi ao Olympique de Marselha, que o emprestou ao velho clube em 2002. Retornou outra vez em 2015, para as disputas da Libertadores, renovando a idolatria após mancha-la em 2014: estava em outro ambiente onde é ídolo, o Independiente, e vibrou efusivamente o acesso do time de Avellaneda à elite, garantido exatamente em jogo-desempate com o Huracán. Montenegro esteve no River entre 2003 e 2006, vindo para repor a venda de Andrés D’Alessandro. Foi bem especialmente no primeiro semestre de 2004, campeão do Clausura e por um triz não foi finalista da Libertadores.
Luis González: começou no Huracán à beira do rebaixamento em 1999, venceu a segundona em 2000 e brilhou especialmente no Clausura 2002, em que o Globo conseguiu ótima quarta colocação no embalo de sua dupla com Montenegro. Acabou contratado no mesmo ano pelo River. No millonario, venceu os Clausuras de 2003 e 2004, últimos resquícios do bom trabalho juvenil do brasileiro Delém (despedido em 2001 pelo trágica gestão do presidente José María Aguilar, que afundou o clube). Lucho chegou à seleção, sendo um dos pouquíssimos representantes do futebol nacional titulares em uma Albiceleste praticamente europeia. Reeditou no River a boa dupla com Montenegro foi quem abriu o placar naquela dramática semi de Libertadores em 2004 contra o Boca – relembre aquele partidaço.
Além deles, merecem menção Jaime Chavín e Manuel Giúdice. O ponta-esquerda Chavín ainda é o único que venceu a elite do Argentinão pelos dois, integrando o primeiro título nacional de ambos: o do River em 1920 e o do Huracán em 1921. Giúdice jogou por meia década no Huracán, sendo o volante central do terceiro colocado de 1939 e faturando as Copas Adrián Escobar de 1942 (sobre o River) e 1943 e a Copa Británica de 1944. Em 1945, integrou o River campeão nacional, mas no decorrer da campanha perdeu o posto para o mencionado Néstor Rossi. Giúdice também foi o técnico das primeiras Libertadores do Independiente, em 1964-65, e do primeiro título do Vélez, em 1968.
Como Chavín e Lucho González, outros campeões nas duas equipes foram o goleiro Gonzalo Marinelli, o lateral Carlos Arano e os meias Alejandro Giglio, Patricio Toranzo e Gonzalo Martínez. Marinelli foi goleiro reserva nas taças do Clausura 2008 e segundona 2011-12 no Millo e também reserva na quemera Copa Argentina de 2014. Arano integrou o belo vice do Clausura 2009, foi ao River vencer a segundona e voltou em 2013 ao Huracán, campeão titular da última Copa Argentina. Toranzo foi revelado no River e foi reserva no Clausura 2004. Foi outro remanescente do belo Huracán de 2009 (inclusive chegou à seleção) que voltou para vencer a Copa Argentina e disputar a Libertadores deste ano.
El Pity Martínez também venceu a Copa Argentina, se transferindo em seguida ao River e pela Banda Roja conquistou em janeiro a Recopa Sul-Americana frente o San Lorenzo. Giglio, por sua vez, era dos anos 20 e 30, vencendo a Copa Ibarguren (tira-teima com o campeão rosarino) com o Huracán em 1925 e atuando em dois jogos do título do River em 1932.